Ciência
07/08/2024 às 18:00•4 min de leituraAtualizado em 07/08/2024 às 18:00
Quase ninguém sabe o que acontece em Sde Teiman, o campo de concentração em Israel para aprisionar palestinos da Faixa de Gaza. A prisão entrou nos holofotes globais em 29 de julho, depois que nove soldados sionistas israelenses foram presos pela polícia militar após participarem de um estupro coletivo a um detento palestino, que ficou tão gravemente ferido que foi hospitalizado devido a traumas em seu reto e ânus, fora as costelas fraturadas e intestino rompido.
O campo está localizado no deserto de Negev, a 29 km da fronteira com Gaza, e era apenas uma base militar até a eclosão da guerra Hamas e Israel. O local foi parcialmente convertido em uma detenção após a aprovação da Lei de Combatentes Ilegais pelo Knesset, em dezembro de 2023. O ato permite que as Forças de Defesa de Israel detenham pessoas sem mandado de prisão por 45 dias, após os quais devem ser transferidos para o Serviço Prisional de Israel, por estarem envolvidas em atividades militantes.
Todos os internos do campo são classificados como combatentes ilegais e não como prisioneiros de guerra, portanto, não possuem direitos básicos assegurados, como acesso a um advogado. Nada ironicamente, a maioria deles são apenas moradores de Gaza, não suspeitos de pertencerem ou apoiarem o Hamas.
Os jornais mais famosos do mundo, de The New York Times ao Al Jazeera, publicaram matérias sobre os vários funcionários israelenses denunciantes e detidos palestinos libertados que relataram o sistema de abusos e violações dos direitos humanos, incluindo tortura física e psicológica, que acontecem nas instalações de Sde Teiman.
A prisão é dividida em duas partes: áreas onde os detentos são colocados sob extrema contenção física e um hospital de campanha onde os feridos são amarrados a suas camas, usam fraldas e são alimentados por canudos. Tudo isso faz parte do aparato de tortura desenvolvido pelos sionistas.
“Eles os despojaram de qualquer coisa que se assemelhe a seres humanos", disse um denunciante, que trabalhava como médico no hospital de campanha da instalação, em matéria à CNN. Segundo esse, a tortura que os detidos são submetidos não é feita para coletar informações, mas por vingança.
Nenhum dos detentos entrevistados sabe dizer quantas pessoas estão encarceradas, até porque, na maioria do tempo, estavam isolados e com os olhos vendados. No entanto, o pouco que sabem coincidem com os denunciantes tiveram acesso.
Em entrevista à CNN, o Dr. Mohammed al-Ran disse que teve que suportar temperaturas extremas do deserto, oscilando do calor do dia ao frio da noite. "Esperávamos ansiosamente pela noite para que pudéssemos dormir. Então aguardávamos ansiosamente a manhã na esperança de que nossa situação pudesse mudar", confessou ele.
O médico foi preso em 18 de dezembro de 2023, do lado de fora do Hospital Batista Al-Ahli, na Cidade de Gaza, onde trabalhava há 3 dias após fugir do hospital indonésio no norte bombardeado por Israel, onde chefiava a unidade cirúrgica. Al-Ran foi despido até a cueca, vendado, amarrado pelos pulsos, e jogado na traseira de um caminhão, onde havia outros detentos empilhados. Assim que ele chegou em Sde Teiman, onde permaneceu por 44 dias.
Os detalhes de como é a vida e o tratamento em Sde Teiman são consistentes com dezenas de relatos coletados pelos veículos de jornalismo, bem como apoiado por inúmeras imagens e vídeos gravados clandestinamente e vazados para a imprensa mundial. As imagens mostram moradores de Gaza cativos, com os punhos ou tornozelos amarrados por cabos, nus ou apenas de cueca, com os olhos vendados, sentados em colchões finos como papel ou no chão.
A rotina de um detento em Sde Teiman é marcada por sobrecarga e privação sensorial, ou seja, o envolvimento de vários tipos de tortura. Comunicar-se é considerado uma ofensa na prisão, podendo fazer os prisioneiros ficarem com os braços erguidos acima da cabeça por até 1 hora. Em alguns casos, suas mãos são até amarradas a uma cerca para garantir que não saia da posição de estresse.
Para aqueles que violam a proibição de se mover, a punição pode ser ainda mais severa. Os guardas israelenses espancam agressivamente, a ponto de fazer a pessoa perder os dentes e sair com alguns ossos partidos. Al-Ran definiu como “tortura noturna” a rotina de quando os guardas soltam cães grandes em detentos adormecidos, lançando uma granada de som no local enquanto as tropas invadem. Quem se mexe ou reage ao pisoteamento dos animais, é arrastado para sofrer tortura física.
O horror e o grau de inumanidade conseguem ser ainda piores nos hospitais de campanha da instalação, que funcionam como uma espécie de “estágio” para médicos sem qualificação. Eles são instruídos a realizar vários procedimentos médicos nos palestinos, em sua maioria pequenas amputações e suturas – normalmente feitas sem anestesia.
"Se você se imaginar nu, incapaz de se mover e de ver o que está acontecendo, isso o deixará completamente exposto", disse um denunciante de Sde Teiman. "Eu acho que isso é algo que beira, se não cruza, a tortura psicológica."
Segundo a Haaretz, o mesmo denunciante enviou uma carta endereçada ao procurador-geral de Israel e seus ministérios da saúde e da defesa dizendo: “Desde os primeiros dias de operação no centro médico até hoje, enfrentei sérios dilemas éticos. Mais do que isso, estou escrevendo para avisá-lo de que as operações nas instalações não estão em conformidade com uma única seção entre as que tratam da saúde na Lei de Encarceramento de Combatentes Ilegais”.
Os militares israelenses, conhecidos como Forças de Defesa de Israel (IDF), emitiram um comunicado alegando garantir a conduta adequada em relação aos detidos sob custódia. “Qualquer alegação de má conduta por parte dos soldados da IDF é examinada e tratada de acordo. Nos casos apropriados, as investigações da Divisão de Investigação Criminal da Polícia Militar são abertas quando há suspeita de má conduta que justifique tal ação”.
Eles também negaram as alegações relatadas pelo Haaretz em uma declaração por escrito à CNN sobre os procedimentos médicos, dizendo que foram conduzidos com "extremo cuidado" e conforme as leis israelenses e internacionais.
Mediante a prisão de soldados e exposição da mídia sobre os horrores que acontecem em Sde Teiman, e certamente também no campo de Ofer, os políticos de extrema-direita de Israel protestaram dizendo que a mídia e as autoridades estavam tendo um comportamento arbitrário e impossível de aceitar. “A detenção desses soldados é algo vergonhoso”, reclamou Itamar Ben-Gvir, Ministro da Segurança Nacional. “Os soldados precisam ter nosso total apoio”.
Ben-Gvir, assim como outros políticos, incitou a população a pressionar as autoridades militares para apoiarem os soldados envolvidos em tortura nesses campos de concentração, não o contrário. Para eles, esses homens deveriam ter o total apoio da lei.
Enquanto isso, as instituições de direitos humanos na Palestina, grupos israelitas e a Cruz Vermelha Internacional continuam tentando visitar os detidos desses campos, mas a ocupação segue colocando obstáculos para impedir a presença até mesmo de advogados. Nenhuma parte sabe sobre a quantidade de pessoas aprisionadas entre Sde Teiman e Ofer, mas estima-se que o número ultrapasse os 9 mil.
O que acontece nesses campos, instrumentalizados pelo aparato genocida do exército sionista, é a exploração da paralisia internacional oficial e a falta de pressão sobre ela para parar a máquina da guerra. Sde Teiman não é um caso incomum, é apenas parte do sistema militar integrante como o conhecemos.