Estilo de vida
26/05/2020 às 12:00•3 min de leitura
No fim de fevereiro, a bióloga brasileira Elisabeth Henschel publicou a descrição do Ammoglanis obliquus, uma nova espécie de peixe encontrada pela cientista na cidade de Rio Preto da Eva, no Amazonas. A descoberta do pequeno bagre semitransparente ajuda a ampliar o conhecimento sobre a biodiversidade na Amazônia, além de demonstrar mais uma vez a necessidade de conservação de habitat para a proteção das mais de 2,4 mil espécies de peixes e 956 variedades de bagre de um dos ecossistemas mais diversos do mundo: a bacia do Rio Amazonas.
(Fonte: Elizabeth Henschel/Reprodução)
Henschel, que ganhou em 2018 uma bolsa de estudos de início de carreira da National Geographic Society, conversou com o Mega Curioso e contou um pouco mais sobre sua descoberta. Confira a entrevista.
Cada espécie é uma peça fundamental na compreensão da evolução de todas as formas de vida, não só de animais mas também vegetais, bactérias, vírus etc. Dessa forma, a descrição de uma nova espécie atua como uma fonte de dados para comparação com as já descritas e com populações que porventura se tornem novas espécies.
Além disso, muito pouco se sabe sobre a morfologia funcional de peixes que vivem associados a areia (psamofilia), de forma que conhecer e disponibilizar dados sobre características morfológicas de bagres como o Ammoglanis obliquus pode ser o primeiro passo no desenvolvimento desse tipo de estudo.
Primeiramente, o trabalho de campo cuidadosamente planejado. Foram meses de planejamento para essa expedição, juntando dados da literatura e de imagens de satélite e acompanhando os ciclos de chuva na região, já que a melhor época para a coleta desses pequenos bagres é durante a seca.
Depois da captura dos espécimes e do fim do trabalho de campo, retornamos ao laboratório, onde pude examinar cuidadosamente os peixes para saber se de fato se tratava de uma nova espécie ou simplesmente eram uma população já descrita. Analisei as características morfológicas dos bagres, como padrão de colorido e osteologia [formato, quantidade e disposição dos ossos do animal] e as comparei com os dados das espécies conhecidas de Ammoglanis.
Como esses detalhes eram únicos e distintos, pude concluir que essa população de bagres era, de fato, uma nova espécie e seguir com a escrita do artigo.
Muitas espécies de pequeno porte ocupam micro-habitat, que nada mais são que pequenas áreas que se diferem de alguma forma do habitat ao redor. Esses espaços abrigam uma diversidade única, fornecendo uma gama de nichos que não existem no habitat maior que pode ser ocupado por outros animais.
Essas espécies raras e únicas fornecem uma biomassa para a cadeia alimentar que dificilmente entraria no ecossistema sem a participação desses seres, atuando na manutenção da biodiversidade ao servirem como alimento. Micro-habitat também são importantes no funcionamento de ecossistemas, atuando, por exemplo, na ciclagem de nutrientes.
Dessa forma, ao cuidarmos dos micro-habitat e da fauna de pequeno porte que eles abrigam, estamos contribuindo para a conservação de ecossistemas como um todo, especialmente se pensarmos na quantidade imensa de micro-habitat que existem em um lugar como a Amazônia tanto dentro d'água quanto fora dela.
Depois que uma espécie nova é descrita, várias aplicabilidades podem ser encontradas para esse conhecimento, podendo ser alvo de estudos de evolução, biologia molecular, ecologia, etologia, bioquímica.
Além disso, descrever a biodiversidade de um local é muito importante para realçar a importância da conservação de certas áreas, que podem, devido à falta de estudos taxonômicos, ter a sua diversidade subestimada. No caso do Ammoglanis obliquus, isso é especial porque essa população foi encontrada em um local que sofre muita ação antrópica, fragilizado devido ao alto número de fazendas e sítios e à construção de estradas de asfalto.
Posso falar especificamente da minha experiência. Eu submeti meu projeto de doutorado para a National Geographic na modalidade Early Career Grant, que é um financiamento destinado a jovens pesquisadores no começo da carreira. Depois de ter ganhado a bolsa, pude enfim planejar com toda a calma e o cuidado necessários a viagem de campo para a qual propus o estudo.
Basicamente, o meu financiamento foi para fazer uma viagem de campo de 1 mês pela Amazônia. As vantagens são óbvias: ser financiada por uma grande instituição como a NatGeo é um peso enorme para o currículo de qualquer jovem pesquisador, além de todo o suporte e das oportunidades que eles oferecem para os exploradores.