Ciência
14/07/2020 às 14:00•3 min de leitura
“Ele descobriu que era fácil fazer um gesto heroico, mas difícil de respeitar seus resultados”, foi o que William Somerset Maugham escreveu em seu livro Servidão Humana, em 1915. Apesar de se tratar de um contexto diferente, a citação acerca da decisão do personagem Philip retrata bem o que diversos astronautas refletiram durante a notória Corrida Espacial. Um desses foi Vladimir Komarov.
Muito diferente do que a história está acostumada a contar sobre os grandiosos feitos a respeito da jornada de exploração espacial, esse período foi mais marcado pelo que deu errado do que certo.
A União Soviética encabeça a lista como a que sacrificou, sem dó, quem precisava para derrotar os Estados Unidos nessa pressa de deter o poderio do espaço.
(Fonte: NPR/Reprodução)
Nascido em Moscou, em 16 de março de 1927, Vladimir Mikhaylovich Komarov demonstrou interesse pela aeronáutica desde a mais tenra idade. Aos 15 anos, ele ingressou na 1ª Escola Especial da Força Aérea de Moscou para começar a "pavimentar" o sonho de se tornar um aviador. Em meados de 1945, após enfrentar a morte do pai em uma ação de guerra desconhecida, o jovem Komarov se formou na Escola de Voo com diversas honrarias.
Em setembro de 1959, já graduado em Engenharia Espacial, Komarov foi promovido a engenheiro-chefe e convidado a participar do processo de seleção de astronautas, junto de mais 3 mil candidatos. Um ano depois, entre os 20 concorrentes selecionados para o Air Force Group One – primeiro esquadrão de cosmonautas –, ele foi o mais experiente e qualificado.
Apesar de ser clinicamente inadequado para o voo espacial, a sua perseverança e habilidade acima do normal permitiram a ele que conseguisse entrar no campo de treinamento. Foi então que ele conheceu, ensinou e se tornou o melhor amigo de Yuri Gagarin.
Durante esse período, o homem contribuiu para o design de veículos espaciais, treinamento de cosmonautas, avaliações e relações públicas que a área exigia. Até que finalmente, em 12 de outubro de 1964, ao lado de Boris Yegorov e Konstantin Feoktistov, ele teve a sua primeira missão espacial como comandante da nave Voskhod 1. Esse foi o primeiro voo ao espaço em uma nave com mais de um tripulante.
(Fonte: The Daily Telegraph/Reprodução)
Após o sucesso que foi a missão da Voskhod 1, em meados de 1967, o ex-líder da então União Soviética, Leonid Brezhnev, decidiu organizar um encontro entre 2 naves em pleno espaço. O plano era lançar a cápsula Soyuz 1, com um integrante a bordo, e, no dia seguinte, enviar outra aeronave, com mais 2 astronautas. Os veículos se encontrariam, e o cosmonauta da Soyuz 1 trocaria de lugar com alguém da 2ª nave, retornando à Terra em seguida.
A ousada missão era suicida e beirava o crime. No entanto, Brezhnev apenas deixou claro que exigia que isso acontecesse, pois queria comemorar o 50º aniversário da Revolução Comunista em grande estilo – nem que isso custasse a morte de uma pessoa.
Komarov foi designado para comandar a Soyuz 1, tendo o seu fiel amigo Yuri Gagarin como substituto. O problema começou durante o processo de engenharia da nave. Descobriu-se que o design da Soyuz 1 não permitiria a Komarov sair da escotilha em segurança. Além disso, Gagarin e outros especialistas descobriram 203 defeitos estruturais que tornariam mortal a viagem a bordo da nave. A solução era adiar o lançamento, mas quem teria coragem de comunicar isso a Brezhnev?
Soyuz 1
Gagarin escreveu um memorando de 10 páginas para ser entregue ao líder soviético, porém ninguém ousou fazê-lo. Todos os que colocaram os olhos no relatório foram rebaixados, demitidos ou enviados para exílio diplomático na Sibéria.
Ao longo do treinamento, Komarov e Gagarin foram submetidos a jornadas de 12 a 14 horas diárias de trabalho. Eles não se alimentavam direito, não dormiam, tampouco viam os familiares. A 1 mês do lançamento, ficou claro a Komarov que não havia mais chances de a missão ser cancelada. “Não vou voltar desse voo”, disse o astronauta a Russayev, agente da KGB, quando indagado sobre o motivo de não recusar, ele respondeu aos prantos: “Eles mandariam Yuri em meu lugar. Não posso fazer isso com ele. Temos que cuidar dele”.
(Fonte: Time Toast/Reprodução)
Em 23 de abril de 1967, a Soyuz 1 saiu da Terra sem apresentar problemas. Contudo, assim que alcançou o espaço, os sistemas de comunicações de alta frequência pararam de funcionar corretamente. Em seguida, os painéis solares falharam ao abrirem, indicando que a nave estava com pouca energia. Os propulsores manuais DO-1 perderam a pressão necessária para guiar a cápsula. Komarov estava preso em uma máquina mortífera, orbitando acima do planeta.
O desastre, dramático e solene, só começou quando as autoridades disseram a Komarov para que iniciasse o processo de reentrada na Terra – depois que Brezhnev ficou convencido de que era impossível realizar seu espetáculo de ego.
Durante a descida, o paraquedas de frenagem da Soyuz 1 falhou ao ser liberado, e o auxiliar ficou enrolado, logo, também não saiu do compartimento. Sem controle algum e em queda livre, Komarov ouviu Alexei Kosygin, o presidente do Conselho de Ministros, chorar ao dizer que ele era um herói. O astronauta ainda teve tempo de conversar com a sua esposa, Valentina Yakovlevna, e dizer adeus.
A inteligência dos Estados Unidos, que possuía uma base da Força Aérea próximo de Istambul, conseguiu registrar em áudio os gritos de frustração e raiva de Komarov assim que encerrou a chamada com Valentina.
Segundos depois, a Soyuz 1 explodiu ao atingir o solo com o peso de 2,8 toneladas.
(Fonte: Interesting Engineering/Reprodução)
Em 25 de abril de 1967, Vladimir Komarov teve um funeral de caixão aberto, que mostrava apenas os seus restos mortais: uma traumática massa escura. Com várias honras, ele foi sepultado em Moscou, e as suas cinzas foram enterradas na Necrópole da Muralha do Kremlin, na Praça Vermelha, onde se encontrava outros cosmonautas da União Soviética.
Condecorado 2 vezes com a Ordem de Lenin e o título de Herói da União Soviética, Komarov, no entanto, não morreu como o herói de uma nação, mas como o ser humano que trocou a própria vida a fim de poupar outra.