Saúde/bem-estar
28/09/2020 às 11:30•2 min de leitura
A população brasileira é o futuro da humanidade — pelo menos geneticamente falando. Essa é uma das conclusões a que chegaram pesquisadores internacionais ao analisarem os resultados alcançados pela equipe de geneticistas do Centro de Estudos do Genoma Humano e de Células-Tronco (CEGH-CEL) do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo (IB-USP), que, há 10 anos, trabalha no sequenciamento do genoma completo de 1.171 idosos paulistanos.
Em 2012, o ecologista e biólogo evolutivo da Universidade Yale Stephen Stearns liderou um estudo que afirmava que a globalização, a imigração, a difusão cultural e a facilidade das viagens modernas, ao misturar africanos, nativos americanos e europeus, são responsáveis pela progressiva homogeneização das características físicas da população do planeta. Stearns acredita que “daqui a alguns séculos, todos nós nos pareceremos com brasileiros”.
“É o maior banco de DNA de pessoas idosas da América Latina e de uma população altamente miscigenada como a brasileira”, disse à Agência FAPESP a geneticista Mayana Zatz, líder do trabalho que contou com o também geneticista Michel Naslavsky. Para receber os dados do sequenciamento, foi criado o Arquivo Brasileiro Online de Mutações (ABraOM), com acesso público.
A escolha de voluntários idosos para o sequenciamento do genoma teve inúmeros motivos; um deles foi terem mais de 60 anos, idade em que começam a se manifestar doenças como Alzheimer e Parkinson. Além disso, São Paulo é uma das poucas cidades brasileiras que recebe não apenas imigrantes dos cinco continentes como também de todas as regiões do país.
No grupo estudado há desde indivíduos com um único ancestral (a primeira geração de imigrantes) até que carregam em si uma mistura (pela ordem de maior predominância) de europeus, africanos, ameríndios e asiáticos. Foram descobertas mais de 76 milhões de mutações genéticas; destas, 2 milhões não constavam de bancos de dados internacionais, já que populações altamente miscigenadas como a brasileira são sub-representadas.
“Essa diversidade genética é oposta à de países como os Estados Unidos, onde, mesmo com descendentes de africanos e caucasianos, é raro quem tenha mais de duas ancestralidades. Estes são classificados como latinos, quando na verdade são majoritariamente mexicanos, que não têm o mesmo perfil de ancestralidade genética das populações do Brasil e de outros países da América Latina”, disse Naslavsky.
No genoma dos idosos brasileiros, os pesquisadores ainda identificaram as doenças genéticas mais comuns por aqui: fibrose cística, anemia falciforme, surdez relacionada ao gene GJB2 e febre familiar mediterrânea — a duas últimas sendo as mais frequentes no país.
O grupo vai terminar o sequenciamento do genoma de mais 400 idosos e acompanhar a família dos voluntários “para entender o genoma de pessoas da mesma geração que compartilham o ambiente, mas têm origem genéticas distintas”, explicou o geneticista.
O estudo será usado, ainda, para avaliar como variantes genéticas respondem ao novo coronavírus. “Enquanto a maioria dos idosos tem maior risco de sofrer complicações, há centenários contaminados que apresentam quadro leve ou a forma assintomática da doença. Queremos estudar se essas pessoas têm algum gene protetor”, disse Zatz.
A diretora do CEGH-CEL, porém, teme pelo futuro da pesquisa com as mudanças anunciadas pelo governo de São Paulo de obrigar universidades e instituições de financiamento a enviarem ao Tesouro estadual a verba em caixa todo fim de ano. “Se cortarem os recursos, estudos como o nosso podem ser interrompidos. Cada sequenciamento custa, no mínimo, mil dólares. Sem apoio financeiro não teríamos finalizado o estudo”, disse a geneticista.
Sequenciamento genético da USP mostra o futuro do ser humano via TecMundo