Estilo de vida
15/05/2021 às 10:00•2 min de leitura
Entre os séculos XVI e XVII, a maioria dos europeus, principalmente membros da realeza, bem como sacerdotes e cientistas, tinham o hábito de ingerir remédios que continham ossos, sangue e gordura de seres humanos como tratamento para dores de cabeça e até mesmo epilepsia – para a qual não existia nem diagnóstico na época.
“A questão não era se você deveria comer carne humana ou não, mas sim qual tipo você deveria comer”, explicou Richard Sugg, escritor do livro Canibalismo Medicinal na Literatura e Cultura Inglesa Moderna, e professor da Universidade de Durham, na Inglaterra.
Muito embora a prática do canibalismo fosse considerada "coisa de gente selvagem", poucas pessoas discordavam do ato. Portanto, uma série de múmias foram roubadas de tumbas e crânios foram escavados de cemitérios irlandeses. Além disso, foi estabelecido uma espécie de rede de comércio clandestino em que até mesmo os coveiros roubavam e vendiam os cadáveres para a confecção dos remédios. Isso acontecia em todas as partes do mundo.
(Fonte: CVLTNation/Reprodução)
De acordo com Sugg, os crânios se tornaram um ingrediente popular e muito comum, que geralmente era triturado até se tornar pó e usado para curar dores de cabeça. A gordura humana, por sua vez, era usada para tratar a parte externa do corpo das pessoas, com médicos alemães prescrevendo curativos embebidos em gordura para sarar feridas. Esfregar a gordura na pele era considerado um ótimo remédio para curar artrite gotosa.
Thomas Willis, pioneiro da neurociência do século XVII, preparou uma bebida medicamentosa que envolvia pó de crânio humano e chocolate para tratar apoplexia (derrame cerebral). Na Inglaterra, há registros de que o rei Carlos II bebia regularmente as "Gotas do Rei", como ele chamava um remédio que continha álcool e farelo de crânio. Ele acreditava tanto que isso funcionava que comia até o musgo que se formava em cima do frasco onde continha o líquido. O rei achava que aquilo poderia curar os sangramentos nasais e episódios de epilepsia.
(Fonte: Medical News Today/Reprodução)
Assim como ossos de crânio, o sangue também foi um poderoso aliado para a cura, pois o associavam à vitalidade. O médico alemão-suíço Paracelso, que viveu durante o século XVI, defendia que o sangue deveria ser bebido, o que acabou incentivando pessoas a cometerem atos de vampirismo.
A prática violenta acontecia, principalmente, entre os pobres porque eles não possuíam meios de comprar os compostos processados que eram vendidos nos boticários. Muitas pessoas chegaram a pagar para matadores de aluguel e ladrões de cadáveres para conseguir um corpo fresco para poder se nutrir com um copo de sangue ainda quente. Nos países germânicos, os carrascos se tornaram uma espécie de curandeiro para os pobres.
(Fonte: Atlas Obscura/Reprodução)
A prática foi perdendo força com a entrada do século XVIII, mais ou menos quando os europeus começaram a usar garfos para comer e sabão para tomar banho. No entanto, em 1847, um paciente inglês ainda era aconselhado a misturar o crânio de uma jovem em melaço para dar como alimento para sua filha que tinha episódios de epilepsia.
Até 1880, a "vela dos ladrões", uma crença popular de que a vela feita de gordura humana poderia entorpecer e paralisar uma pessoa, durou por muito tempo. No ensaio do século XVI de Michel de Montaigne, chamado Sobre os Canibais, ele mencionou que o canibalismo no Brasil não foi pior que o canibalismo medicinal da Europa, comparando ambos aos massacres selvagens que aconteceram durante as guerras religiosas.