Artes/cultura
28/08/2021 às 13:00•3 min de leitura
Além de ser o mais novo entre 3 irmãos, o austríaco Eduard Pernkopf, nascido na Baixa Áustria, no frio de 24 de novembro de 1888, era o mais ambicioso.
Quando estudou Medicina na Universidade de Viena, em 1907, ele se tornou membro da Fraternidade Acadêmica de Estudantes da Alemanha, um grupo que inspirava forte nacionalismo alemão, tendo seus princípios enaltecidos quando Adolf Hitler e seu Partido Nazista ascenderam ao poder.
O interesse pela anatomia talvez tenha chegado primeiro na vida de Pernkopf do que seu patriotismo, sucedendo seu antigo professor e então diretor do Instituto de Anatomia, Ferdinand Hochstetter, em 1933. Foi no mesmo ano em que o médico percebeu que o que Hitler pregava "falava" diretamente com ele.
Eduard Pernkopf. (Fonte: Reddit/Reprodução)
Ninguém ousava ir contra a severidade do homem baixo e robusto, que tinha olhos azul-acinzentados por detrás de óculos de aros redondos. Como reitor da Universidade de Viena, Pernkopf ordenou que todos os professores declarassem sua linhagem étnica como ariana e jurassem lealdade a Hitler, enquanto ele se empenhava na higiene racial daqueles que precisavam ser "apagados" da sociedade.
Após cortar 77% do corpo docente da universidade, incluindo vencedores do Prêmio Nobel que se recusaram a seguir seus princípios, Pernkopf mobilizou os demais a colaborarem na demanda de cadáveres de prisioneiros vítimas dos campos de concentração que chegavam até ele para que fossem dissecados — uma maneira de Hitler recompensar sua devoção.
(Fonte: MAGG/Reprodução)
Apesar de ter um coágulo de sangue que se movia lentamente em direção ao seu cérebro, o médico não abriu mão de 18 horas de trabalho quando a demanda aumentou de maneira exponencial, conforme avançava o domínio de seu ídolo genocida.
Assim que sua primeira esposa morreu de tuberculose, aos 27 anos, ele compôs uma sinfonia para ela intitulada "Os Prazeres e a Dor de um Homem", antes de se casar com a irmã dela e passar a se preocupar apenas com o partido que adorava e o livro que estava criando.
(Fonte: Science Direct/Reprodução)
Pernkopf começou a se empenhar na criação de seu Atlas Pernkopf de anatomia quando ainda era um mero professor. Ele queria um guia de dissecação para ajudar os alunos a identificar melhor os órgãos e os vasos do corpo, porém ele julgava os textos dos livros desatualizados demais ou insatisfatórios — o que apenas evidenciava o perfeccionismo bizarro e maníaco que habitava nele.
Então, o médico decidiu que mapearia todo o corpo humano da maneira mais explícita possível, usando os cadáveres das vítimas de seu nacionalismo. Então, ao passar várias horas com o rasgar da pele humana, levantando sempre às 4h e fumando 15 cigarros diários, que Pernkopf deu vida ao seu épico atlas anatômico de 4 volumes e com 800 pinturas que expõem as entranhas pegajosas do corpo humano.
(Fonte: Clarin/Reprodução)
Para serem retratadas de maneira tão fiel quanto à captura de uma câmera fotográfica, ele recrutou um grupo de 11 artistas plásticos, que não encontraram saída senão trabalhar à custa do martírio alheio em uma época em que a sociedade definhava a olhos nus.
Pernkopf supervisionou de perto todo o trabalho para retratar os frios corpos humanos por dentro. Ele foi o responsável por ordenar que tudo fosse separado em cores para que a retração no papel fosse o mais próxima possível do que seus olhos fleumáticos vasculhavam há anos.
O 1° volume do livro foi publicado em 1937, após Pernkopf fechar com a editora Urban & Schwarzenberg, convencido de que havia atingido o ápice da perfeição ao ilustrar o interior dos corpos de ciganos, judeus, homossexuais, lésbicas e dissidentes políticos. Intitulado Anatomia Topográfica Humana, a obra tinha suásticas e os raios simbólicos da força paramilitar nazista da SS.
(Fonte: The BMJ/Rerpdoução)
A popularização do Atlas Pernkopf como uma "obra de arte da medicina moderna" depois do fim da Segunda Guerra Mundial, principalmente com sua publicação em 1963, nos Estados Unidos, fez os livros passarem por uma higienização em suas referências nazistas — mas não apagou suas origens.
Um bestseller mundial, Pernkopf teve sua obra traduzida para 5 idiomas, ajudando a salvar milhares de vidas com seu detalhismo sistemático — apesar de tudo. O sucesso e a falta de referências nazistas ocultaram até o início da década de 1990 a verdade sobre o passado de seu autor.
O Atlas Pernkopf deixou de ser comercializado oficialmente em 1994, e as raras cópias remanescentes são encontradas por preços altíssimos, principalmente moral, por se tratar de uma obra feita em cima da morte, do caos e do fanatismo que ainda estende suas sombras sobre a história da humanidade.