Estilo de vida
26/10/2021 às 13:00•2 min de leitura
Nas últimas semanas, comunidades que vivem à beira do Rio Amazonas estão enfrentando dificuldades ocasionadas pelo avanço do nível do mar, que surgiu com maior intensidade nesta estação do ano. De acordo com relatos, as águas do oceano agravaram a salinização no arquipélago do Bailique, no Amapá, decretando estado oficial de emergência e adoção de medidas governamentais que garantam amparo para os moradores prejudicados.
O avanço do mar pela foz do Amazonas é um evento comum previsto para ocorrer entre o terceiro e o quarto semestre do ano, porém as transformações que a região vem sofrendo desde 2013, quando o caudaloso Rio Araguari deixou de desaguar no Atlântico e virou um afluente do Amazonas, estão alterando as condições de vida dos pouco mais de 8 mil habitantes de Bailique.
Em entrevista para a BBC, Geová Alves, presidente da Associação das Comunidades Tradicionais do Bailique e vice-presidente de uma cooperativa local de produtores de açaí, revelou que o território sempre se destacou pela presença de sal na água entre setembro e novembro, visto que os baixos índices pluviométricos da estação favorecem o avanço natural da maré.
(Fonte: Governo do Amapá/Reprodução)
Porém, nos últimos anos, as 51 comunidades do Bailique foram impactadas com o avanço das águas, já que o rio é a principal fonte hídrica das famílias. Entre os principais efeitos do fenômeno, destaca-se, além da alta salinização, o aumento de peixes de água salgada e o afastamento das espécies de água doce, algo que modifica drasticamente o cenário comercial na região, pois muitos pescadores dependem da venda de camarão para sustentar a família e precisaram passar a atuar no ramo de outros espécimes.
Sem acesso à água potável, os ribeirinhos sofrem com fome e sede, ficando sem condições de tratar adequadamente a água salinizada e exercer outras atividades caseiras ou remuneradas que dependam da água doce. "Nós não temos água aqui, nós não temos a luz que nós precisamos. A água que eu preciso eu pego no igarapé. Eu tenho uma boa idade, mas, mesmo assim eu pego [água], mas agora ela não presta nem para a gente beber", reclamou Edina Barbosa dos Santos em entrevista ao G1.
Como consequência das ações humanas, principalmente associadas à criação de búfalos e à construção de hidrelétricas, as alterações dinâmicas no Rio Araguari se configuram como uma das maiores transformações na paisagem do Brasil nas últimas décadas. Devido ao aparecimento de um canal que passou a conectar o rio com o Amazonas, a antiga foz do Araguari secou e deu lugar à vegetação, enquanto o fluxo original passou a desembocar inteiramente no Amazonas.
Sem novos choques entre o fluxo do rio e a maré, as ondas da Pororoca deixaram de ocorrer no Araguari. Além disso, o fenômeno conhecido localmente como "terras caídas", que consiste na acelerada erosão das áreas impactadas pelo fluxo do canal, destruiu centenas de casas da região. Tudo isso pode ser um desastroso resultado de uma das principais consequências das mudanças climáticas: o degelo das calotas polares.
(Fonte: Governo do Amapá/Reprodução)
De acordo com a NASA, o nível médio do mar subiu aproximadamente 20 centímetros entre 1901 e 2018. Além disso, o aumento das temperaturas em Bailique e a ampliação da evaporação contribuem com maior circulação de ar e com o movimento de uma grande quantidade de sal dos oceanos para o continente, principalmente em uma região como o Amazonas, conhecida por ser historicamente sensível a alterações.
Previsões apontam que até o fim do século XXI o nível médio dos oceanos irá subir entre 0,6 metro e 1,1 metro, considerando dados pessimistas a partir de estudos sobre a emissão dos níveis de gases estufa. Com essa reação negativa da natureza, tudo indica que os amazonenses continuarão com dificuldades para driblar a situação nos próximos meses, recebendo água potável e cestas básicas das prefeituras enquanto aguardam o início da estação chuvosa.