Artes/cultura
02/10/2023 às 14:00•4 min de leitura
Kurt Gödel era um gênio tão à frente do seu tempo que foi o único a ser comparado com Aristóteles. Considerado um dos maiores matemáticos de todos os tempos, ele honrou esse título com seu Teorema da Incompletude, em que defende que em qualquer sistema axiomático suficientemente complexo que inclua a aritmética não há limites fundamentais para o que a matemática pode alcançar por meio da lógica formal.
Um dos amigos mais próximos de Albert Einstein, com quem costumava caminhar todos os dias no Instituto de Estudos Avançados de Princeton, as ideias de Gödel impulsionaram debates sobre o realismo matemático e a relação entre a matemática e o mundo real, bem como tiveram impactos profundos na epistemologia e na filosofia da mente ao discutir sobre os limites da compreensão humana e da inteligência artificial.
Kurt Gödel. (Fonte: Britannica/Reprodução)
Como resultado, os fundamentos matemáticos foram reavaliados e os pesquisadores foram forçados a explorar novas abordagens para evitar as limitações impostas pelo Teorema da Incompletude. A maneira como a matemática é ensinada e compreendida foi totalmente alterada, com educadores passando a enfatizar a importância da criatividade, intuição e exploração nesse campo, em vez de apenas focar na formalização e na prova.
As realizações de Gödel são tão grandiosas e familiares ao mundo que, felizmente, ofuscaram que o matemático enfrentou problemas controversos e pesados em sua vida pessoal. Mas, a história sempre faz o seu papel em documentar tudo ao longo do caminho, inclusive os tropeços.
Portanto, essa é a história de como Kurt Gödel, o maior matemático de todos os tempos, morreu de fome propositalmente devido à sua paranoia.
(Fonte: The Famous Peopl/Reprodução)
Nascido em 28 de abril de 1906 onde hoje é Brno, na República Tcheca, Gödel fazia parte de uma família que administrava e era proprietária de uma das principais empresas têxteis da cidade, podendo proporcionar uma vida de conforto na classe média, com empregados e uma governanta apenas para cuidar de Gödel e de seu irmão mais velho, Rudolf.
O biógrafo John W. Dawson, que escreveu Logical Dilemmas: The Life and Work of Kurt Gödel, descreveu-o como “uma criança séria, brilhante, curiosa, sensível, muitas vezes retraída e preocupada, e que, já em tenra idade, exibia certos sinais de instabilidade emocional”. No entanto, é importante ressaltar que não há um registro detalhado e confiável da infância do matemático, tampouco dos eventos específicos que podem ter afetado seu estado emocional durante esse período.
Aos 8 anos, após ler um livro médico, Gödel se convenceu de que tinha um coração fraco devido a uma complicação da febre reumática que sofreu aos 6 anos. Ele nem sequer havia chegado aos 15 anos quando seus pais perceberam que ele possuía uma relação muito perigosa com medicamentos. A farmacodependência (vício em tomar remédio) pode ter sido a alternativa que encontrou para sua mente se convencer de que assim estaria saudável, uma vez que acreditava piamente que poderia morrer a qualquer instante.
(Fonte: Britannica/Reprodução)
Aos 18 anos, Gödel começou sua carreira acadêmica estudando física teórica, matemática e filosofia na Universidade de Viena. Ele acabou integrando o famoso Círculo de Viena, um grupo de pensadores e intelectuais, e sob a supervisão de um dos seus líderes, Hans Hahn, Gödel concluiu sua tese de doutorado aos 23 anos. Ele argumentou que o conjunto de sistemas matemáticos formais, conhecidos como lógica de primeira ordem, pode ser provado como verdadeiro por meio de um sistema chamado dedução formal.
Apesar de estar cercado por pessoas que compartilhavam do mesmo brilhantismo, o matemático nunca sentiu que pertencia ao Círculo de Viena, sobretudo por suas crenças teístas que se chocavam com as ideias populares do positivismo lógico, que argumentava que o único conhecimento real é aquele que pode ser demonstrado empiricamente.
Albert Einstein. (Fonte: GettyImages/Reprodução)
Em meados de 1931, a publicação do Teorema da Incompletude lançou Gödel ao estrelato mundial. Dois anos depois, ele viajou para os Estados Unidos para sua primeira palestra, como parte de uma turnê que passaria por vários países, e conheceu Albert Einstein. Os dois se conectaram rapidamente e a amizade permaneceu estreita e firme até o último dia de vida de Einstein.
Em 1934, em meio ao seu caminho de ascensão profissional, Gödel sofreu seu primeiro colapso mental ao acreditar que estava morrendo devido a uma inflamação causada provavelmente por uma cárie em seu dente.
Gödel passou uma semana no Sanatório Purkersdorf, na Áustria, um lugar que funcionava mais como um retiro para deixar os pacientes mais calmos e menos angustiados. No outono, ele retomou sua rotina de trabalho com sua saúde mental aparentemente equilibrada.
(Fonte: Discovery Institute/Reprodução)
Em 22 de junho de 1936, Gödel sofreu o seu segundo colapso mental após a morte de seu melhor amigo, o físico Moritz Schlick, assassinado por um ex-aluno da Universidade de Viena. Gödel ficou vários meses internado em uma clínica psiquiátrica e desenvolveu a ideia persistente e obsessiva de que alguém atentaria contra sua vida. Surgia, assim, o primeiro indício da paranoia que engoliu sua vida.
Cada local que frequentava, Gödel enxergava todo mundo com uma faca nas costas. Devido a um medo imenso de ser envenenado, evitava almoçar, jantar ou lanchar acompanhado.
Apesar de ele se sentir minimamente mais confortável em estar sempre em um lugar diferente, pois assim corria menos riscos de acabar morto, o desgaste físico do excesso de viagens pesava em sua saúde mental. Além disso, os contextos históricos contribuíram diretamente para essa instabilidade.
Em 1938, quando Adolf Hitler anexou a Áustria, Gödel mal havia se recuperado de um episódio depressivo e acabou sofrendo com mais um após a notícia. A essa altura, morar em Viena já não era mais uma opção para o homem, então ele decidiu se mudar para os EUA com sua namorada de longa data, Adele Nimbursky.
(Fonte: Labirinto da Filosofia/Reprodução)
Einstein conseguiu para Gödel uma posição na Universidade de Princeton, onde lecionou no Instituto de Estudos Avançados. Foi lá que estabeleceu e consolidou sua carreira, chegando a se tornar professor titular da faculdade em 1953.
Contudo, quanto mais Gödel prosperava em sua vida profissional, mais sua saúde mental se esfacelava. Em 1977, ele já desconfiava de todos os tipos de alimentos e de todo mundo, até mesmo de sua própria sombra, se recusando a comer qualquer refeição que não tivesse sido degustada por Nimbursky. A paranoia finalmente o alcançou e o engoliu de vez no segundo semestre daquele ano, quando sua esposa contraiu uma doença e teve que ficar hospitalizada por seis meses.
Como consequência, Kurt Gödel morreu de desnutrição severa, em 14 de janeiro de 1978, aos 71 anos, pesando impressionantes 30 quilos. Encerrava-se de forma trágica a história de um dos maiores matemáticos modernos de todos os tempos.