Mistérios
26/04/2024 às 20:00•3 min de leituraAtualizado em 26/04/2024 às 20:00
Em fevereiro do ano 2000, o renomado químico Paul Crutzen, vencedor do Prêmio Nobel, cunhou o termo Antropoceno durante um congresso internacional realizado no México. A expressão designaria uma nova era geológica, substituindo o Holoceno, que representaria um novo recorte na história do planeta (a partir da década de 1950) construído através da ação humana – em muitos casos, negativo.
O conceito não é consenso entre pesquisadores, e inclusive é questionando dentro do próprio campo da geologia – e das ciências sociais e humanas. Todavia, apesar das críticas, o maior ataque à tese parece vir de grupos que questionam as ações do homem sobre a Terra, duvidam do aquecimento global e disparam mentiras científicas. Por essa razão, é importante quebrar esses mitos.
Em partes, é verdade que o Antropoceno não compreende todos os impactos causados pela humanidade à Terra. Entretanto, a ideia do conceito não é minimizar os efeitos da ação humana nos últimos milênios, mas compreender que eles não são globais e tampouco foram concomitantes e nem alteraram o ambiente de forma permanente.
A proposta de Crutzen (posteriormente detalhada por um grupo de estudo) era demarcar a saída da estabilidade do Holoceno, de modo a pesquisar e trabalhar de modo mais conciso os efeitos e impactos mais recentes.
Ainda que a duração seja realmente curta, é possível compreender a sugestão de mudança por outro viés. Enquanto as mudanças ocorridas durante o Holoceno são três vezes maiores do que em outras épocas geológicas, as diferenças para o Antropoceno são proporcionalmente menores.
Outra tese defendida pela ideia de Crutzen é que o novo período apresenta mudanças muito mais significativas e duradouras para o planeta do que o Holoceno. Esse detalhe não pode ser esquecido, pensando que a nova era geológica teria menos de 100 anos.
Esse é um dos piores mitos sobre o Antropoceno. Desde meados do século XX, os seres humanos foram responsáveis por remodelar a paisagem, além de movimentar rochas e sedimentos em mais de uma ordem de magnitude do que as causas naturais, como geleiras e rios. As barragens criadas no período seriam capazes de cobrir todo o estado da Califórnia, nos Estados Unidos, em uma profundidade de até cinco metros.
Todos os sedimentos deixados pela humanidade neste mesmo período estão repletos de pesticidas, metais e microplásticos. Logo, se identificar sinais distintos em sedimentos e rocha que possam ser correlacionados globalmente é parte formal da definição de um período de tempo, os marcadores estão muito presentes no Antropoceno.
A afirmação, ainda que não completamente equivocada, esquece que nenhuma das mudanças feitas por outros animais arrebatou os ambientes do planeta de modo tão rápido como as concretizadas pela ação humana. Outro detalhe diz respeito à consciência das transformações que estavam sendo feitas, algo que não ocorre com outros animais.
Na verdade, quem defende a ideia do Antropoceno afirma que a ação de outros seres ajuda o reconhecimento de intervalos geológico, em especial porque os seres humanos, ainda que conscientes do que fazem, não traduziram isso em ações para evitar as consequências, inclusive não consideram o custo a longo prazo para a saúde do planeta.
Grande mito. O Antropoceno é, justamente, um passo importante para mitigar os efeitos da ação humana sobre o ambiente, já que auxilia em seu diagnóstico. Não é possível retroceder a Terra às condições do período do Holoceno. Todavia, é viável tomar decisões mais sábias para o futuro, que certamente podem mitigar as alterações climáticas, por exemplo.
A ideia de que criar uma nova era geológica seja fruto de marketing apenas é ignorar o que a própria ciência já demonstrou sobre as alterações que o planeta passou nos últimos séculos – ao menos desde a Revolução Industrial.
Não se nega que a tese do conceito é desconfortável, porque também nos força a pensar em mudanças comportamentais. Mas é justamente o conhecimento científico que pode alterar nossas perspectivas e redefinir o futuro a partir de ações concretas.