Ciência
24/05/2012 às 14:16•8 min de leitura
A combinação de arroz e feijão pode ficar escassa no futuro. Fonte: Thinkstock
Se hoje você adora a mistura bem brasileira de arroz e feijão no almoço, chocolate de sobremesa, um cafezinho para espantar o sono no meio da tarde e mandioca frita no happy hour, saiba que seus hábitos alimentares podem estar ameaçados. Isso porque é possível que as mudanças climáticas do planeta sejam fatais para o cultivo desses alimentos.
Não é de hoje que os cientistas alertam que, até 2050, a Terra deve ficar até 3 °C mais quente. O Intergovernmental Panel on Climate Change (IPCC) foi além e já divulgou um estudo que prevê que, nos próximos 100 anos, esse aumento pode chegar a quase 6 °C.
Se nada for feito para desacelerar esse quadro e reverter os padrões, a tendência é que os efeitos do aquecimento global sejam sentidos em médio prazo. E, nesse contexto, até nossos hábitos alimentares serão alterados.
Segundo o engenheiro agrônomo e professor da PUCPR Carlos Augusto Parchen, ainda não há certeza em relação ao cenário mundial. Isso porque, apesar dos indícios de que é a ação humana que está causando o aumento da temperatura, ainda não está comprovado que a causa e o efeito das mudanças climáticas realmente são esses.
Alguns estudos, conforme explica o professor, sinalizam para o fato de que, nem se todas as cláusulas do Protocolo de Kyoto fossem seguidas, o aumento de 3 °C na temperatura global poderia ser evitado. E se o clima ficar mais quente, é certo que o cultivo de alimentos vai se transformar.
Parchen explica que o próprio aumento da temperatura já acarreta mudanças, pois algumas plantas só se desenvolvem no frio. Em contrapartida, há também a influência das chuvas, pois em algumas regiões haverá mais incidência delas enquanto outras vão sofrer com a falta. Nesse contexto, algumas plantas podem precisar migrar para sobreviver. Outro fator que o professor cita é a ocorrência de irregularidades nas estações do ano (que não serão mais tão definidas) e na época de chuvas, o que algumas espécies não conseguem suportar.
Plantações de arroz no Vietnã. Fonte: Thinkstock
Uma das ressalvas do engenheiro agrônomo é em relação ao cultivo de grãos vindos de gramíneas, como o arroz, o milho e a soja, que não se adequam nem a pequenas variações de temperatura. A preocupação é que talvez não haja sequer área suficiente para plantar esses alimentos e atender a demanda de consumo da população.
O professor explica que, no Brasil, o aumento de 3 °C representa uma diminuição de 20% a 30% das áreas produtivas. Porém, se a elevação da temperatura chegar a 5°C, o número de terrenos disponíveis para plantio cairá pela metade.
Além disso, pesquisas nacionais mostram que as produções de mandioca e café já apresentam queda. Em outros países, os especialistas alertam para os problemas no cultivo do cacau, dos vinhedos de Bourdeaux (França) e para a ameaça na produção salmão, do atum e do bacalhau.
Outro exemplo de espécies ameaçadas citadas por Parchen são as frutas com caroço, como a manga e o pêssego, que dependem do clima frio para se desenvolver. Assim, para aproveitar bem esses alimentos enquanto eles ainda estão abundantes em restaurantes e supermercados, confira abaixo quais estão com o futuro comprometido abaixo e como aproveitá-los em receitas.
1# Arroz
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Não é apenas no prato do brasileiro que o arroz faz sucesso. Em países como Japão e China, o alimento é a base das refeições. Porém, talvez seja preciso rever esse hábito no futuro.
O alerta não é de hoje: uma pesquisa publicada em 2010 no periódico Proceedings of the National Academy of Sciences (PNAS) revelou que, nos últimos 25 anos, os campos de cultivo de arroz diminuíram sua produtividade em até 20% em algumas localidades.
Segundo informações da BBC, os pesquisadores avaliaram o plantio de arroz em 227 fazendas de seis países que mais produzem o alimento, como Tailândia, Vietnã, Índia e China. A conclusão foi que, com o aumento da temperatura noturna, as plantas precisam gastar mais energia para respirar, o que afeta a fotossíntese e as enfraquece.
O estudo comprovou o resultado de trabalhos anteriores. Em 2004, pesquisadores já alertavam que, nos campos de arroz das Filipinas, para cada grau a mais na temperatura noturna, o prejuízo na produção pode ser de até 10%.
No Brasil, as safras de arroz também vêm sendo comprometidas. Em junho de 2011, a Empresa de Pesquisa Agropecuária e Extensão Rural de Santa Catarina fez um alerta sobre a produção de arroz em Garuva. Em entrevista à Agência Brasil, a engenheira Dione Nery Benevenutti revelou que as altas temperaturas na região, que chegaram a 40 °C, causaram uma queda de cerca de 20% na produtividade.
Se nada for feito, a tendência é que o arroz se torne um alimento escasso no mercado. Assim, vale aproveitar o prato feito de todo dia e as várias opções de sushi enquanto ele ainda é abundante.
Além do arroz, o engenheiro agrônomo Carlos Parchen cita o problema dos grãos em geral, que são muito sensíveis ao aumento da temperatura. Segundo ele, se a produção for alterada, a escassez tende a afetar toda a cadeia alimentar. Isso porque alguns animais que se alimentam de milho, por exemplo, também sofreriam com a diminuição da capacidade produtiva, afetando, consequentemente, o consumo de proteína da população.
Assim, para aproveitar ao máximo o alimento enquanto ele ainda é acessível a todos, a dica é a receita de Arroz à Grega.
2# Feijão
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O alerta feito em relação à produção de arroz no Brasil também pode ser aplicado ao cultivo do feijão. Na metade de 2011, a Cooperativa Agropecuária Mista Regional de Irecê, na Bahia, apresentou dados sobre a produção do alimento que servem de alerta. Conforme divulgou a Agência Brasil, se antes o município produzia 3 milhões de sacas do alimento, hoje os produtores colhem abaixo de 10% desse valor.
Segundo a entidade, os fatores climáticos são os que mais influenciam nessa queda, já que a má distribuição das chuvas compromete o cultivo. Vale ressaltar que o município já foi conhecido como “Cidade do Feijão” nas décadas de 1980 e 1990, mas atualmente mais de 6 mil agricultores da região estão em dívida com bancos devido aos prejuízos da safra.
Não é à toa que o preço do produto está subindo cada vez mais. Por isso, garanta já o seu estoque e aproveite uma deliciosa Sopa de Feijão sem culpa.
3# Chocolate
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Para as mulheres que não vivem sem chocolate, fica o alerta: o doce oficial da TPM pode estar com os dias contados. Uma pesquisa de dezembro de 2011 realizada pela Bill & Melinda Gates Foundation revelou que, em virtude do aquecimento global, o produto que tem origem no cacau pode se tornar artigo de luxo na despensa.
A conclusão surgiu após a análise das plantações da Costa do Marfim e de Gana, de onde sai a maior parte da matéria-prima para a produção de chocolate no mundo. Como a espécie precisa de um clima fresco para se desenvolver, o aumento da temperatura nessas regiões até 2050 pode diminuir drasticamente a oferta de cacau.
Assim, se hoje já é complicado atender à demanda mundial pelo chocolate (o que tem feito os preços do alimento aumentarem), essa situação pode se agravar ainda mais no futuro, dando a ele status de artigo de luxo, como informou o jornal britânico Telegraph.
Para reverter o caso, os fazendeiros estão buscando novas regiões que sejam mais frias, porém o problema do aumento do custo continua. Isso porque nesses locais será preciso fazer um alto investimento em tecnologias de produção. Logo, se você é fã do doce, é melhor aproveitá-lo ao máximo por enquanto, em receitas como a de Nega Maluca.
Vale ressaltar, em contrapartida, que nem tudo está perdido. Segundo o professor Carlos, há projetos nacionais e internacionais com foco na adaptação de espécies, sendo que a ciência tem meios de desenvolver plantas mais resistentes. Um exemplo seria o da maçã, que há alguns anos dependia de climas frios para sobreviver e hoje já possui variações capazes de crescer até no cerrado. A solução também é válida para o cacau, que pode ganhar espécies que suportam o calor com mais facilidade.
4# Café
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O café que ajuda a espantar o sono no trabalho e que dá o toque final às refeições também pode estar sob ameaça. E esse alerta não é recente: em 2007, pesquisadores da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) ressaltaram que, se nenhuma ação fosse tomada em relação ao aquecimento global, até o ano de 2100 a produção brasileira dos grãos poderia cair até 92%.
De acordo com os dados divulgados pela Agência Brasil, as plantações de café, soja e feijão são as que mais sofrem com a elevação da temperatura. Assim, a estimativa é que os cafezais deixem de produzir 30 milhões de sacas para oferecer apenas 2,4 milhões se o quadro climático não for revertido.
A boa notícia é que, desde que o estudo foi publicado, os pesquisadores vêm trabalhando em soluções para evitar a queda drástica na produção. Para tanto, há apostas em uso de novos fertilizantes e no desenvolvimento de espécies resistentes ao calor. Para o pesquisador da Embrapa que participou do estudo na época, Eduardo Assad, não há a possibilidade de que o café desapareça.
Ainda assim, vale a pena aproveitar bem o café em uma receita de torta, por exemplo.
5# Salmão
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Quem gosta de apreciar sushis, ceviches ou mesmo a versão grelhada do salmão talvez precise procurar outras variedades de peixes para se alimentar no futuro. Uma pesquisa recente da National Wild Federation mapeou uma série de fatores que irão prejudicar a espécie no futuro.
Entre eles estão a diminuição do gelo nas superfícies, rios com águas mais quentes e com margens mais assoreadas devido ao aumento da ocorrência de incêndios (o que torna a espécie mais suscetível a predadores), tempestades e inundações mais graves. Além disso, o aumento da acidez e da temperatura das águas dos oceanos e a elevação do nível do mar também tendem a prejudicar os salmões.
O professor Carlos ressalta que o problema começa já na cadeia alimentar. Os plânctons, que são a fonte de alimento para os peixes, crescem apenas em água fria. Assim, com o aumento da temperatura dos oceanos, toda a alimentação da vida aquática fica comprometida.
Além disso, a maioria dos cardumes é migratória, ou seja: na água fria, as espécies crescem, enquanto nas águas mais quentes acontece a reprodução. Todo esse contexto será afetado se os oceanos e rios ficarem mais quentes.
Para evitar a extinção dos peixes, a única solução é reverter o aumento constante da temperatura global. Assim, aproveite o alimento agora, experimentando pratos como o salmão ao champignon.
6# Bacalhau e atum
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Não é apenas o salmão que corre o risco de acabar se nada for feito em relação às mudanças climáticas. Outras espécies, como atum e o bacalhau, também não vão sair ilesas. Em 2006, um levantamento da Universidade de Stanford (Estados Unidos) alertou que em 2050 o cenário da vida marinha não será nada bom e, até lá, provavelmente todos os pratos com frutos do mar que consumimos hoje estarão comprometidos.
Naquela época, os especialistas já notavam uma queda na captura mundial dos peixes, sendo que alguns em especial haviam perdido 90% de sua população total. Esse é o caso do atum e do bacalhau, por exemplo, que ainda enfrentam problemas com a pesca predatória, correndo sérios riscos de extinção. O engenheiro agrônomo cita também a sardinha, que não terá meios de crescer e se reproduzir com o aumento da temperatura da água.
Em entrevista à BBC, o pesquisador Steve Palumbi afirmou que, se a maneira de explorar as espécies oceânicas não mudar, esse será o último século que teremos acesso a frutos do mar para consumir. Por isso, não adie mais aquele jantar em um restaurante especializado nesse tipo de comida ou experimente cozinhar bolinhos de bacalhau.
7# Mel
Fonte: Thinkstock
O mel também não está garantido no cardápio do futuro. Uma pesquisa do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos divulgada em 2010 apontou que as populações de abelhas diminuíram de 5,5 milhões para 2,5 milhões em apenas 50 anos.
A causa do problema, nesse caso, não está ligada diretamente às mudanças climáticas, mas sim aos parasitas e às doenças causadas por micro-organismos. No entanto, boa parte dos especialistas acredita que o aquecimento do planeta também faz a diferença nesse processo.
Para aproveitar o doce enquanto ele é abundante, a dica é a receita de pão de mel.
8# Mandioca
Fonte: Thinkstock
A brasileiríssima mandioca também corre o risco de ficar extinta nas plantações – e fora das nossas refeições. Em 2005, o periódico da Universidade de Brasília (UNB) publicou um alerta do biólogo Nagib Nassar que afirmava que algumas espécies da planta estavam agonizando. Na época, ele já notava queda na produtividade brasileira e o sumiço de algumas variações selvagens do cerrado brasileiro.
Recentemente, a Embrapa confirmou as expectativas negativas do pesquisador, que desenvolveu juntos com a empresa um levantamento com base nas estimativas do IPCC para o aumento da temperatura.
De acordo com o estudo, o aquecimento global trará prejuízos para o setor agrícola brasileiro já em 2020, alterando inclusive a geografia de produção do país. Nesse contexto, a mandioca deverá se extinguir das regiões em que está hoje para ser plantada no Sul, onde a temperatura atingirá valores suficientes para se tornar apropriada para o plantio do alimento.
Vale ressaltar que essa migração pode salvar a mandioca. O professor Carlos explica que essa é uma tendência para o futuro: as espécies vão migrar para áreas mais adequadas, que proporcionem as condições adequadas para o seu desenvolvimento. Nesse contexto, a área brasileira com maior capacidade de produção deverá ser a região amazônica, já que o Sul poderá sofrer com enchentes e secas, enquanto o Nordeste sofrerá com a falta de água.
Assim, para comemorar que a mandioca ainda está disponível em todo país, que tal um escondidinho de carne seca?
9# Pinhão
Fonte: Reprodução/ Wikimedia
Em 2011, a associação internacional Slow Food terminou a compilação de uma lista batizada de “Arca do Gosto”, formada por 1.000 alimentos de todas as partes do globo que correm o risco de desaparecer. Entre eles, 20 são brasileiros e deixam em alerta os moradores da região Sul.
Isso porque o pinhão está em risco não diretamente por causa das mudanças climáticas, mas pela coleta não sustentável. Além disso, o corte irresponsável da floresta de Araucárias está tornando a semente um artigo de luxo para o cardápio do futuro.
Para desfrutar do pinhão enquanto isso, a dica é a receita de bolo com o ingrediente.
10# Palmito-juçara
Fonte: Thinkstock
Na mesma compilação da Slow Food aparece o palmito-juçara, variação encontrada principalmente na região sudeste do país. Anos atrás, ela já esteve ameaçada pela coleta não sustentável, assim como o pinhão, mas foi salva pelo palmito pupunha, que possui um cultivo mais simples.
Porém, o alimento ainda está ameaçado pela extração irresponsável. Reservas indígenas guaranis é que têm garantido que a espécie sobreviva, graças ao plantio e à coleta engajados, que são estimulados por um projeto específico batizado de “Fortalezas”.
Quem quiser aproveitar o palmito sem culpa, experimente a receita de trançado, feita com o ingrediente.
11# Uísque
Fonte: Thinkstock
Em 2008, surgiu um alerta dos pesquisadores do Imperial College London que preocupou os apreciadores de um bom uísque escocês. Segundo informações divulgadas pelo periódico Press and Journal, dentro dos próximos 70 anos o país pode ser forçado a abrir mão do uísque como bebida nacional para apostar nos vinhos.
Isso porque o aumento da temperatura vai tornar a região perfeita para o cultivo de vinhedos, enquanto tornaria o uísque impossível de ser produzido.
Assim, quem quiser apreciar a bebida sem se preocupar com o futuro deve garantir suas garrafas desde já.
12# Vinhos de Bordeaux
Fonte: Thinkstock
Os apreciadores de um bom vinho também podem ficar com os rótulos sofisticados da região de Bordeaux, na França, apenas na memória. Em março de 2011, foi divulgado um estudo que alerta que o constante aumento da temperatura no planeta ameaça os vinhedos da região, sendo que em 2050 o local se tornará totalmente inadequado para a cultura de uvas.
Nesse contexto, o Cabernet e o Merlot são os mais ameaçados, segundo informações do jornal Telegraph. Isso porque o clima mais quente faz com que a planta amadureça mais cedo, enquanto as secas de verão tendem a prejudicar o crescimento da videira. Por isso, é bom abastecer o seu acervo e degustar a bebida antes que ela acabe.