Ciência
28/12/2022 às 08:00•3 min de leitura
Nas eleições, o país troca de Presidente da República, mas diversas outras mudanças ocorrem ao mesmo tempo, incluindo a primeira-dama. Esse é o nome dado às mulheres casadas com o chefe do Poder Executivo, e analisar seu papel é muito interessante — especialmente em um país onde a maioria dos mandatários são homens héteros.
Dito isso, muitos brasileiros ainda se perguntam se esse realmente é um cargo público e qual é a função da primeira-dama de um país. Para entender um pouco mais sobre isso e responder a essas questões, é importante avaliar também a história das esposas de presidentes do Brasil.
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Antes de tudo, respondendo à pergunta inicial, a primeira-dama não tem um cargo oficial, até porque a Constituição de 1988 não prevê cargos públicos para pessoas não eleitas — e, por isso, elas também não recebem salário do Governo. Mas isso não significa que elas não são importantes nos mandatos e carreiras políticas de seus maridos.
A primeira mulher a ocupar o posto de primeira-dama do Brasil foi Mariana da Fonseca, casada com Marechal Deodoro, que foi presidente logo após a Proclamação da República. Contudo, durante muito tempo, essas mulheres pouco apareciam: apenas quando acompanhavam seus maridos em eventos ou recebiam pessoas importantes na residência oficial.
Darcy e Getúlio Vargas (Fonte: Wikimedia Commons)
Pode-se dizer que a primeira mulher que realmente se empenhou na vida pública — e iniciou a tradição das primeiras-damas no Brasil —, foi Darcy Vargas, casada com Getúlio. Ela também é a pessoa que ocupou esse posto por mais tempo: de 1930 a 1945 e, depois, de 1950 a 1954 – eu mesmo nasci em uma maternidade batizada em sua homenagem, em Joinville (SC).
Darcy se projetou verdadeiramente para a atuação pública no início dos anos 1940, ao fundar a Legião Brasileira de Assistência. A instituição de caridade visava ajudar as famílias de soldados brasileiros enviados para a Segunda Guerra Mundial.
Com o fim do conflito, a LBA continuou atuando, mas com outras funções, e a primeira-dama sempre era a presidente da fundação. Em 1969, ela foi vinculada ao Ministério do Trabalho e Previdência Social, onde permaneceu até seu fim, em 1995. Pouco anos antes, Rosane Collor foi acusada de corrupção na compra de leite em pó, o que levou o governo FHC a extinguir a LBA já em seu primeiro mês.
A figura das primeiras-damas surge em um cenário em que a sociedade cobrava do governo o "cuidados aos mais necessitados", entre as décadas de 1930 e 1940.
Na sociedade patriarcal do Brasil, essa função maternal de cuidar foi naturalmente relegada à mulher. Era um trabalho importante para a carreira do marido, mas essencialmente separado da política, como explica Dayanny Rodrigues, historiadora da Universidade Federal de Goiás, ao podcast O Assunto.
Depois de Darcy Vargas, vieram outras mulheres famosas, como Sarah Kubitschek. De família tradicional, sua companhia ajudou o marido de origem humilde a crescer — mas ela também é conhecida por trabalhar muito pela saúde. Já Maria Thereza Goulart, que assumiu o cargo aos 25 anos, marcou época com sua beleza, estilo e simpatia.
Maria Thereza, esposa de João Goulart (Fonte: Wikimedia Commons)
Entre os dois governos de Getúlio, em 1945, houve Carmela Dutra, apontada como a principal influenciadora na decisão de seu marido de fechar os cassinos no Brasil.
Na ditadura militar, mulheres como Antonieta Castello Branco (filha do presidente, uma vez que ele era viúvo), Yolanda Costa e Silva, Scylla Medici e Lucy Geisel tiveram menos destaque, mas continuaram mantendo funções assistenciais e cerimoniais. Já Dulce, esposa de João Baptista Figueiredo, não quis assumir a presidência da LBA — mas chamava bastante atenção com seu estilo de se vestir e sua presença constante em eventos sociais.
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Depois da redemocratização, Rosane Collor virou notícia com o escândalo de corrupção na LBA — em 1991, ainda antes do impeachment de seu marido. Itamar Franco, por sua vez, era divorciado, o que deixou o cargo vago por algum tempo.
Então veio Ruth Cardoso, esposa de Fernando Henrique, a quem é atribuída uma "revolução" no papel das primeiras damas. Antropóloga, respeitada por sua produção acadêmica, ela tinha qualificação para atuar no desenvolvimento de políticas públicas de combate à pobreza. Então, Ruth influenciou na decisão de extinguir a LBA, meramente assistencialista, e criou o programa Comunidade Solidária, mais completo.
Os casais Marisa Letícia e Lula, FHC e Ruth Cardoso (Fonte: Wikimedia Commons)
Marisa Letícia, primeira-dama entre 2003 e 2010, não criou nenhum projeto oficialmente e foi criticada por isso, embora fosse reconhecida por sua militância no Partido dos Trabalhadores. A partir de 2010, o cargo ficou vago novamente — Dilma Rousseff é divorciada. Depois de 2016, Marcella Temer retomou um modelo mais tradicional de primeira-dama, com obras sociais em prol da infância.
Nas campanhas presidenciais de 2018 e 2022, Michelle Bolsonaro teve um papel importante na humanização da imagem de seu marido, além de aproximá-lo do eleitorado feminino, mais distante dele. Ela também defendia pautas religiosas e conservadoras, além dos direitos das pessoas com deficiência.
Nesse contexto, a nova esposa de Lula, Rosângela da Silva ou apenas Janja, também começou a subir nos palanques com o marido. Socióloga com décadas de militância no PT, ela pretende defender os direitos das mulheres e dos animais, além de pautar debates públicos. Falando ao Fantástico, Janja diz se inspirar em Michelle Obama e Eva Perón para "ressignificar o conteúdo do que é ser primeira-dama". Ela já se envolveu bastante na campanha e equipe de transição.
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