Ciência
13/02/2024 às 11:00•3 min de leitura
A maioria dos idiomas possui milhares de palavras para expressar as mais variadas ideias que precisamos comunicar no dia a dia. O inglês, por exemplo, tem algo entre 250 mil e um milhão, dependendo de como você conta. E a língua portuguesa, no vocabulário organizado pela ABL (Academia Brasileira de Letras), tem cerca de 370 mil palavras.
Mas a língua toki pona propõe que as pessoas se comuniquem com bem menos que isso. Com só 120 palavras.
O toki pona foi criado pela especialista Sonja Lang, em 2001. Segundo ela, "toki pona foi minha tentativa filosófica de entender o mundo em 120 palavras". Com o tempo, a língua foi ganhando adeptos: agora, há comunidades no Reddit e Discord, uma Wikipedia, e até artistas que gravam músicas no idioma. E o número de palavras no dicionário aumentou para algo entre 137 e 180.
Símbolo associado à toki pona. (Fonte: Wikimedia Commons)
A primeira pergunta que surge quando sabemos que o toki pona tem apenas cento e poucas palavras é: como seria possível se comunicar assim?
Contudo, o idioma tem seus artifícios para funcionar com tão poucos vocábulos. Para começar, não existem artigos (a, o, um, uma...), não há casos gramaticais (de modo que as palavras não mudam, dependendo de sua função nas frases) e também não há tempos verbais (passado, presente, futuro...) Isso já diminui muito o dicionário toki pona.
Se você quer expressar uma ideia no futuro e passado, você precisa usar as palavras que dão essa ideia antes do verbo. Ou seja, você precisa repensar a construção das frases.
Além disso, não existem gêneros gramaticais (feminino e masculino para palavras, como é no português, por exemplo). E só existem três pronomes: mi (1ª pessoa), sina (2ª) e ona (3ª) — que servem para singular e plural em todos os casos gramaticais.
(Fonte: Getty Images)
Como dissemos, só há três pronomes em toki pona. Então "mi" pode significar eu e nós, meu e nosso, meus e nossos — assim como todas as outras possibilidades da 1ª pessoa do singular e plural na língua portuguesa. Você conseguirá entender qual é pelo contexto (ou pedindo para a pessoa explicar melhor).
É aí que está a principal característica do toki pona: cada palavra pode ter muitos significados. Cada vocábulo compreende conceitos amplos, sem tantas especificidades ou sinônimos para descrever as mesmas coisas.
O termo kiwen, por exemplo, pode ser usada para qualquer objeto sólido, como pedras, metais e tijolos. Já kasi serve para vegetação, planta ou erva, que são conceitos similares. Caso queira ser mais específico, você pode combinar palavras. Madeira poderia ser kiwen kasi, já que é um objeto sólido feito de plantas.
Sonja Lang, a criadora da língua, afirma que "os idiomas modernos estão repletos de maneiras complicadas de expressar as coisas mais simples. O que é um geólogo senão uma pessoa com conhecimento da terra?". Ou seja, para que ter palavras específicas se você pode expressar suas ideias com aquelas que já existem?
Além de ter poucas palavras, toki pona tem poucas letras em seu alfabeto: 14. Ele tem as cinco vogais — a, e, i, o, u — mas elas sempre tem o mesmo som, quase como os do português. Além disso, há poucas consoantes: j, k, l, m, n, p, s, t, w. A ideia é facilitar as pronúncias, para falantes de qualquer idioma que queiram adotar o toki pona.
Também há regras para construir palavras fáceis de pronunciar, já que não pode haver sílabas com muitas consoantes juntas. É uma construção semelhante a do japonês, onde cada sílaba geralmente tem só uma consoante seguida de uma vogal — la, le, li, lo, lu, por exemplo.
Isso leva ao aspecto da tokeponização dos nomes próprios. Todas as pessoas são encorajadas a criar uma versão de seu nome com essas regras assim que chegam à comunidade toki pona.
Por exemplo: eu, que escrevo este artigo, me chamo Evandro. Porém, não existem as letras V, D e R no alfabeto toki pona, nem sílabas com duas consoantes juntas. Por isso, meu nome ficaria algo como Ewanto com a tokiponização. Ou jan Ewanto, uma vez que todos os nomes próprios são adjetivos (e jan é o substantivo para pessoa).
E mais um detalhe: todas as palavras são escritas em minúsculas, mesmo no início das frases. A única exceção são os nomes de pessoas e lugares.
(Fonte: Imgur/Reprodução)
Além de poucas palavras e poucas letras em seu alfabeto, o toki pona tem outra forma de se expressar na escrita: o sitelen pona, com desenhos que expressam cada palavra. Logo acima, está o guia com todos os desenhos — que são bem próximos dos conceitos que expressam.
E é claro que, para ter tão poucas palavras, o toki pona também tem um sistema de contagem diferente. Afinal, outros idiomas têm muitas palavras para números. Nessa língua, são somente cinco: wan (1), tu (2), luka (5), mute (20) e ale (100).
Alguns dos números também tem outros significados: "luka" significa "mão", "mute" é "muito/muitos" e "ale" também significa "tudo".
E se você quer expressar algum número que não seja aqueles que existem palavras, você faz contas. Para contar até 10, você diria: wan, tu, tu wan, tu tu, luka, luka wan, luka tu, luka tu wan, luka tu tu, luka luka. O problema é que números grandes podem virar uma frase inteira, mas é possível comunicar qualquer número nesse sistema.
Isso tudo remete a um debate: o toki pona funciona mesmo como linguagem ou apenas como uma brincadeira? Para as pessoas da comunidade, é possível escrever textos, criar músicas ou obras literárias nesse idioma. Todos os anos, inclusive, há um concurso artístico toki pona. E se você quiser participar, existem materiais gratuitos de toki pona em português.