Ciência
05/12/2024 às 21:00•3 min de leituraAtualizado em 05/12/2024 às 21:00
Praticamente todo mundo está familiarizado com as cinco fases do luto: negação, raiva, barganha, depressão e aceitação. Em alguns casos, a pessoa enlutada consegue distinguir o momento em que está evoluindo de um estágio para outro, como conseguir levantar da cama ou encarar com mais força o lado vazio da cama. No entanto, permanece em uma zona cinzenta a ideia de quando é a melhor hora para se desfazer dos pertences de quem faleceu.
Não é à toa que especialistas em saúde mental e luto descrevem esse "material da dor" como uma das partes mais difíceis de se lidar. Cada vez que a pessoa enlutada enfrenta esses pedaços da vida do falecido ocupando quartos, gavetas, garagens e armários, ela se depara com a perda.
Há quem diga que é preciso se livrar desses pertences o mais rápido o possível para não sermos lembrados de nossa dor, enquanto outros acreditam que isso precisa acontecer "na hora certa".
Kenneth J. Doka, vice-presidente sênior de programas de luto da Hospice Foundation of America e autor dos livros Luto é uma Jornada e Quando Morremos, defende que não há regra ou cronograma para lidar com o luto. Cada um deve tomar suas próprias decisões sobre o que manter, quando se desfazer ou se deseja o fazê-lo.
Foi também pensando nessa decisão difícil que surgiu o Döstädning, a prática sueca de se desfazer das coisas antes de morrer.
Também conhecido como “limpeza da morte sueca”, o Döstädning é a junção das palavras "morte" e "limpeza" em sueco, fruto de uma tradição cultural reservada apenas às pessoas em idades avançadas ou vítimas de uma doença terminal. Dessa forma, a pessoa vive até seus últimos dias em um espaço organizado, apenas com o necessário para sobreviver, e longe dos pertences que podem provocar uma dificuldade para aqueles que ficam se desafazer.
Em 2017, ao lançar o seu A arte suave da limpeza da morte sueca: como libertar você e sua família de uma vida inteira de desordem, a autora sueca Margareta Magnusson, na época com 82 anos, fez dessa prática cultural uma tendência no mundo inteiro entre jovens e adultos com a mente estruturada o suficiente para não lidar com a morte como um tabu ou algo mórbido.
O livro é um verdadeiro manual que se alinhou com a ansiedade atual sobre a desordem no século XXI, ganhando ainda mais hype após a onda de morte repentina que a pandemia de covid-19 trouxe entre o final de 2019 até meados de 2022, e na dificuldade em administrar uma vida inteira em pertences.
Mas Magnusson também não encara o Döstädning da maneira mórbida que o termo evoca. Para ela, a prática reflete o simples fato de que nós podemos viver vidas cada vez mais longas, o que acaba refletindo no acúmulo desordenado de coisas "inúteis".
Desfazer-se daquilo que não está ocupando espaço é uma tarefa onerosa a se fazer com seu próprio bem-estar espacial e emocional, muito além de poupar os entes-queridos sobre as decisões necessárias a se tomar quando não estiver mais vivo.
"Às vezes você percebe que mal consegue fechar as gavetas ou mal fecha a porta do armário", escreveu Magnussen. "Quando isso acontece, é definitivamente hora de fazer algo, mesmo que você esteja apenas na casa dos 30. Você poderia chamar esse tipo de limpeza de Döstädning também, mesmo que esteja a muitos, muitos anos de morrer".
“É libertador para todos”, disse Erica Thompson, proprietária da Organized by Design, uma empresa de organização profissional localizada em Los Angeles, e que decidiu embarcar na prática do Döstädning, em entrevista à The Spruce. “Isso ajuda as pessoas a deixar de lado apegos e distrações e dar boas-vindas a algo novo. É também uma maneira de demonstrar amor e altruísmo a seus amigos e familiares, aliviando-os do que pode ser um fardo”.
As principais dicas de Magnusson são voltadas aos bens materiais, embora ela sugira manter um arquivo ou livro contendo senhas para a família acessar tudo o que for necessário da forma mais prática o possível. O documentário We Need to Talk about Death, que foi ao ar pela BBC Radio 4, conversou com parentes enlutados que se queixaram da dificuldade em acessar dados do seu familiar que faleceu.
Radhika Sanghani, jornalista da seção feminina do Daily Telegraph, viu a morte passar ao seu lado – literalmente – quando sofreu um acidente de ônibus, aos 22 anos, enquanto estava de férias na Tailândia. O veículo caiu de uma ribanceira e causou a morte de várias pessoas, deixando os amigos de Sanghani gravemente feridos.
Anos antes, a jovem compartilhou seu funeral em um arquivo Google Docs com a sua família. Lá estava tudo o que eles precisariam quando ela morresse: um testamento, todas as senhas online e de banco, seu desejo de cremação e até uma lista de reprodução do Spotify. O que começou como apenas uma brincadeira, quase terminou como um recurso assustadoramente necessário.
“A coisa toda me traumatizou. Eu nunca tinha chegado tão perto da morte antes. Mas, ao longo dos anos, isso me ajudou a aceitar que não podemos prever quando vamos embora”, escreveu ela à BBC. “Agora penso na vida da mesma forma que penso de um ótimo livro: ela vai acabar, então se certifique de estar pronto”.