Ciência
06/10/2017 às 04:33•6 min de leitura
Você já ouviu falar a respeito dos Santos Incorruptos? Não, neste caso o termo “incorrupto” não está relacionado com não ceder à tentação de receber propinas divinas, nem com o não envolvimento em negociações angelicais para a obtenção de benefícios celestes. Estamos falando aqui dos intrigantes cadáveres de pessoas que foram beatificadas ou canonizadas, mas que, por algum motivo misterioso, continuam preservados — alguns deles há vários séculos.
Beata Anna Maria Taigi, San Crisogono, Roma
Como você sabe, depois que um ser humano morre, a não ser que o corpo seja submetido a algum processo específico — seja natural ou intencional — de preservação, o cadáver passa por uma série de transformações nada agradáveis que, eventualmente, levam à sua completa decomposição.
No entanto, curiosamente, alguns santos aparentemente não passaram por nenhum desses processos e, em vários casos, a Ciência não conseguia — ou ainda não consegue — explicar a razão de seus corpos não terem se degradado. Isso porque, apesar de existirem casos de pessoas que driblaram a decomposição, quando são descobertos, os corpos desses indivíduos geralmente se encontram mumificados, petrificados ou viraram “sabão”, por exemplo.
Santa Paula Frassinetti, Convento di Santa Dorotea, Roma
Por outro lado, no caso dos Santos Incorruptos, quando eles foram exumados, mesmo depois de vários anos após sua morte, muitos desses cadáveres apresentavam a mesma aparência — e às vezes até a flexibilidade — que tinham em vida, dando a impressão de que estavam dormindo. Além disso, seus corpos não mostravam sinais de terem sido embalsamados, nem de terem sido enterrados em condições que favorecessem a preservação.
Durante séculos, a Igreja Católica Romana defendeu que apenas os indivíduos com os corações mais puros e de fé inabalável eram capazes de resistir à decomposição, e ter o corpo incorrupto inclusive era um dos requisitos para a beatificação e canonização. Tanto que quando surgia algum candidato a santo no pedaço, um dos trâmites envolvia a exumação do corpo para que membros da Igreja, médicos e cientistas pudessem realizar a inspeção.
Além disso, nem sempre era necessário que o corpo se encontrasse completamente incorrupto, e a presença de órgãos ou membros preservados — como o coração, as mãos ou a língua — também era considerada. A prática de exumar os aspirantes a santo persistiu até o século 20, e hoje em dia, a incorruptibilidade, apesar de ser um sinal favorável, não é mais obrigatória para a beatificação ou canonização.
Atualmente, existem corpos incorruptos em exposição em igrejas de várias partes do mundo, com a grande maioria deles espalhada pela Europa. Alguns não resistiram à passagem do tempo — e à ação do ambiente depois que foram exumados —, e finalmente se descompuseram.
Outros tantos foram embalsamados ou protegidos por camadas de cera, prata e até ouro, mas ainda existem exemplares que, misteriosamente, permanecem desafiando à passagem dos séculos. Independente de seu atual estado de preservação — ou se hoje eles não passam de múmias ou modelos —, todos se tornaram atrações e fascinam milhares de peregrinos e curiosos todos os anos, e você vai poder conhecer alguns dos Santos Incorruptos mais ilustres a seguir:
Santa Bernadete de Lourdes faleceu em 1879 e, em 1909, ou seja, trinta anos após a sua morte, o corpo permanecia intacto. De acordo com os médicos que acompanharam a primeira exumação, o cadáver se encontrava rígido, mas incrivelmente preservado. Em 1919, ocorreu uma segunda exumação, e as condições do corpo de Santa Bernadete permaneciam as mesmas, e o mesmo foi observado em 1925, na terceira exumação.
Nessa terceira ocasião, o corpo de Santa Bernadete foi coberto com uma fina camada de cera e colocado em uma urna — conforme você pode ver na imagem acima — e, desde então, ele se encontra em exposição na Igreja de Saint Gildard, em Nevers, na França.
Quando Santa Catarina de Bolonha faleceu, em 1463, seu corpo foi enterrado diretamente na cova — sem o uso de um caixão — e, até onde se sabe, não passou por qualquer processo de embalsamamento. Após 18 dias, o cadáver foi exumado, e permanecia em perfeito estado, sem mostrar qualquer sinal de putrefação.
Maestro Giovanni Marcanova, o médico que examinou a santa na época, não conseguiu encontrar uma explicação para o fato e, então, o corpo foi vestido com um hábito limpo e colocado em uma cadeira.
Santa Catarina de Bolonha se encontra até hoje — mais de 500 anos depois de sua morte — na Capela da Ordem das Clarissas da Igreja de Corpus Domini em Bolonha, na Itália, e o seu corpo pode ser visto através de uma proteção de vidro. Por certo, a coloração escurecida da santa se deve à ação de milhares de velas que foram sendo queimadas pelos fieis ao longo dos séculos.
Não existem informações muito precisas sobre a data na qual Santa Cecília foi martirizada, e sua história só foi registrada no século 5. Mas acredita-se que ela foi condenada à morte por decapitação entre anos de 176 e 180 por Turcius Almachius, o então prefeito de Roma. Dizem que o carrasco não conseguiu separar a cabeça do corpo mesmo depois de três golpes no pescoço de Cecília — e que ela ainda agonizou durante três dias antes de finalmente morrer.
O corpo da mártir teria sido encontrado incorrupto e na mesma posição em que foi abandonado entre os anos de 817 e 824, ou seja, mais de 600 anos após a sua morte. Mais tarde, em 1599, Cecília voltou a ser exumada, e seus restos mortais permaneciam iguais. Foi então que uma estátua reproduzindo a forma como o seu corpo foi descoberto foi colocada sobre a tumba da santa, e ela pode ser visitada na Igreja de Santa Cecília no Trastevere, em Roma.
São Silvano se encontra em exposição na Igreja de São Brás em Dubrovnik, na Croácia, e também é mais um exemplo famoso de Santo Incorrupto. Ele foi martirizado com um ferimento no pescoço durante o século 4, e até hoje — cerca de 1700 anos depois! — seu corpo ainda existe. O cadáver provavelmente recebeu uma camada de cera para ser preservado, mas, mesmo assim, é extraordinário que ele tenha resistido por tanto tempo.
María de Jesús foi uma freira espanhola que morreu em 1665, e seu corpo se encontra até hoje em exposição no Convento de la Concepción, localizado em Ágreda, na Espanha, onde ela foi abadessa. Como você pode ver na imagem, uma estátua de Sor María foi criada para marcar o local de sua sepultura, e o corpo incorrupto — sobre o qual foi aplicada uma fina camada de cera para dar uma corzinha à freira — fica em uma urna de vidro logo abaixo.
Santa Rita de Cássia, a santa das causas impossíveis, morreu em 1457, e seu corpo incorrupto — embora se encontre bem desidratado atualmente — pode ser visitado na Basílica de Santa Rita em Cascia, na Itália. Segundo alguns rumores, os olhos da santa já foram flagrados se abrindo e fechando sozinhos, e ela também parece mudar de posição no interior da urna de vidro que guarda o seu corpo.
Santa Catarina de Labouré faleceu em 1876, e quando o seu corpo foi exumado em 1933, ou seja, cerca de 56 anos após sua morte, ele foi encontrado incorrupto. Dizem que seus olhos permaneciam tão azuis como no dia em que ela morreu, e atualmente Santa Catarina de Labouré pode ser vista em exposição em uma capela na Rue du Rac, em Paris.
Também conhecido como o “Santo Cura D'Ars”, São João Maria Vianney morreu aos 73 anos no início de agosto de 1859, e foi sepultado usando uma máscara de cera. Mas quando seu corpo foi exumado em obediência aos trâmites necessários para a sua beatificação, ele foi encontrado incorrupto, e seu coração foi removido e colocado em um relicário. Atualmente, São João Maria Vianney pode ser visitado no Santuário de Ars, na França.
Nascido em Pietralcina, na Itália, em 1887, Padre Pio foi um capuchinho que se tornou famoso por seus estigmatase milagres. Após uma longa vida de devoção, ele morreu em 1968, na Igreja de Santa Maria das Graças, localizada em San Giovanni Rotondo, na Itália.
Pio foi canonizado pelo Papa João Paulo II em 2002, e seu corpo — supostamente — incorrupto foi exumado no início de 2008 e, desde então, se encontra em exposição em uma urna de vidro e é visitado por milhares de peregrinos todos os dias.
Também conhecido como “Apóstolo do Oriente”, São Francisco Xavier nasceu em 1506, na Espanha, e não só ajudou a fundar a Companhia de Jesus, como foi um dos maiores evangelizadores da Igreja, atuando como missionário no Oriente, sobretudo no Japão e na Índia. São Francisco morreu em dezembro de 1552, na China, mas, em fevereiro de 1553, ele foi exumado e descoberto incorrupto. Aliás, a história do corpo do santo é uma viagem!
Em março de 1553, após ser exumado, o corpo de São Francisco foi levado a Malacca, na Malásia, onde foi sepultado em um caixão com duas camadas de cal para acelerar o processo de degradação e ajudar no transporte de seus ossos. Mas, para a surpresa de todos, passados dois meses e meio, o cadáver foi novamente exumado e, depois de a cal ser removida, o corpo permanecia intacto.
São Francisco foi mais uma vez sepultado — com uma pitadinha de cal —, só que desta vez diretamente na terra. Pois, em dezembro do mesmo ano, o santo continuava inteirinho e, como não dava sinais de querer se decompor, ele foi enviado assim mesmo até Goa, que era o local no qual São Francisco queria que seus ossos fossem enterrados.
Finalmente, em 1637, o corpo incorrupto foi colocado em uma urna de vidro e prata, onde permanece até hoje em exposição na Basílica do Bom Jesus. No entanto, depois de tantas idas e vindas — e tanto tempo! — São Francisco Xavier se encontra um tanto quanto deteriorado.
*Publicado originalmente em 07/07/2015.