Estilo de vida
10/02/2020 às 10:48•6 min de leitura
As festividades nordestinas de Carnaval são muito famosas pela empolgação e energia contagiante. E os carnavais de Recife e Olinda também são cheios de atrativos. Seu estilo é distinto e muito influenciado por tribos africanas e indígenas que foram escravizadas durante o período colonial.
Nesses dois locais, as pessoas têm a oportunidade de experimentar o espírito vibrante carnavalesco participando intensamente da festa, em vez de apenas assistir do lado de fora.
Recife foi um dos primeiros assentamentos portugueses aqui no Brasil e depois de um breve governo pelos holandeses entre 1630 e 1654, a região voltou a ficar sob o controle lusitano, com a indústria da cana começando a florescer. Nessa época, nossos colonizadores tentaram empregar indígenas em seus campos de cana, o que não funcionou muito bem. Por conta disso, africanos escravizados foram trazidos para trabalhar nas plantações e eles influenciaram a culinária, a arte, a música e formas de dança do Brasil — principalmente em Pernambuco.
No fim do século XVII, o famoso entrudo português começou a mudar ao assimilar os costumes africanos. Além disso, existiam organizações chamadas Companhias, que se reuniam para celebrar a Festa de Reis. Elas eram constituídas, em sua maioria, por negros, escravos ou não, que suspendiam seus trabalhos para comemorar o feriado católico.
Com o fim da escravidão, passaram a surgir agremiações carnavalescas nos bairros mais populares de Recife, que tinham como inspiração os maracatus e os festejos dos Reis Magos.
Toda essa mistura resultou no frevo e no passo, que deram ao Carnaval de Pernambuco o seu estilo único.
Existem dois tipos de maracatu, o Maracatu Nação e o de Baque Solto.
No século XVIII surgiu o Maracatu Nação, uma mistura de ritmo musical, dança, rituais e várias doutrinas religiosas. Ele também era chamado de Maracatu de Baque Virado, que encenava a coroação do Rei Negro, o Rei do Congo, e a coroação era realizada na Igreja de Nossa Senhora do Rosário.
Essa manifestação cultural é formada por um conjunto musical percussivo que acompanha um cortejo real. Os grupos apresentam um espetáculo repleto de simbologias, com extrema riqueza estética e muita musicalidade. O momento de maior destaque consiste na saída às ruas para desfiles e apresentações no período carnavalesco.
Os cortejos de maracatu são um modo de tentar representar as antigas cortes africanas. Ao serem vendidos como escravos, os negros trouxeram para o Brasil suas raízes e mantiveram seus títulos de nobreza. Eles são compostos por uma bandeira ou estandarte para abrir as alas. Logo em seguida, vem a dama do paço, carregando a mística calunga, para representar todas as entidades espirituais do grupo.
Depois seguem as yabás (também chamadas de baianas) e, um pouco atrás, a corte e o rei e a rainha dos maracatus. O interessante é que os títulos de realeza são passados de forma hereditária por representarem a nobreza da Nação.
Nas laterais do cortejo vão as escravas, ou catirinas, normalmente jovens usando vestimentas mais simples.
Para manter o ritmo, existem os batuqueiros, que usam diversos instrumentos, como alfaias (uma espécie de tambor), caixas ou taróis, ganzás e abês. Eles são normalmente conduzidos por mulheres que andam na frente do grupo e, sozinhas, já são um espetáculo à parte.
Já o Baque Solto, também conhecido como Maracatu Rural, não possui vínculo religioso e está ligado com o folclore pernambucano. Os personagens principais dessa manifestação são os Caboclos de Lança, que são representados por trabalhadores rurais. Pessoas que com as mesmas mãos que cortam cana, cuidam da terra e carregam grandes pesos, também bordam suas fantasias e tocam o ritmo acelerado da música.
O frevo tem uma origem urbana, surgindo nas ruas do Recife nos fins do século XIX e começo do século XX. Ele nasceu da combinação de marchas, maxixes e dobrados; e pode ser que as antigas bandas militares e as quadrilhas de origem europeia possam ter contribuído também para a criação desse ritmo.
O nome vem da palavra ferver, que por corruptela virou frever, dando origem a palavra frevo, que de acordo com o Vocabulário Pernambucano de Pereira da Costa passou então a significar "efervescência, agitação, confusão, rebuliço; apertão nas reuniões de grande massa popular no ir e ver em direções opostas durante o Carnaval".
A música possui uma composição ligeira, perfeita para as folias carnavalescas. Os músicos queriam dar ao povo mais animação durante essa época de festa e as pessoas queriam algo barulhento e animado, com o qual pudessem extravasar a alegria e esquecer das dificuldades. Com o passar do tempo, o estilo ganhou características próprias que são acompanhadas por uma dança inconfundível, o passo, com muitos movimentos soltos e acrobáticos. Como sofreu várias influências ao longo dos anos, começou a ser dividido em três tipos. Elas são: de rua, canção e de bloco.
Pode parecer estranho, mas no frevo, os instrumentos musicais já serviram como arma quando agremiações rivais se chocavam, principalmente na época das revoluções pernambucanas. A origem dos passos vem dos capoeiristas que andavam na frente das bandas, exibindo seus movimentos de luta para intimidar os grupos rivais. Atualmente, os golpes viraram passos de dança, que foram evoluindo junto desse estilo musical efervescente.
Quando se pensa em frevo, logo vem a imagem da famosa sombrinha. Ela é um símbolo icônico do ritmo e ajuda nas acrobacias. Mas no começo, não passava de um guarda-chuva que os capoeiristas carregavam pela necessidade de ter uma forma de arma disfarçada para ataque e defesa, já que na época a prática da capoeira era proibida. Os primeiros frevistas não levavam guarda-chuvas em bom estado, escolhendo aqueles que eram mais sólidos e tinham uma boa armação. E como o tempo tudo transforma, logo esses velhos guarda-chuvas rasgados foram mudando, acompanhando a evolução da dança e se convertendo atualmente na pequena sombrinha, colorida e nada ameaçadora.
A festa na capital de Pernambuco é um dos maiores eventos carnavalescos do mundo, atraindo mais de 1 milhão de pessoas durante os seis dias de muita comemoração. Em Recife, as comemorações são livres para todos os públicos. Blocos e grupos têm permissão para tocarem o estilo de música que quiserem e darem seu próprio show.
O Galo da Madrugada representa o início do Carnaval na cidade. É um bloco carnavalesco que sai todo sábado de carnaval pelas manhãs de São José, um dos bairros da região central da capital, e é composto por carros alegóricos, dançarinos de frevo e vários trios elétricos. O bloco foi consagrado pelo livro dos recordes como o maior do mundo desde 1995 e seu único rival em tamanho é o bloco carioca Cordão da Bola Preta. O Galo se mantém fiel às antigas tradições, não usando os cordões de separação, então todos que quiserem podem participar.
Além disso, a prefeitura realiza o Carnaval Multicultural, com disputas em diversas categorias de agremiações carnavalescas. É considerada uma das festas mais democráticas do mundo e os foliões não precisam pagar para participar — só precisam de vontade, alegria e muita disposição para se divertir durante a época comemorativa.
Um dos momentos emocionantes das comemorações em Recife ocorre na segunda-feira. A Noite dos Tambores Silenciosos presta homenagem aos escravos africanos e ocorre logo depois do desfile de maracatus, em frente à Igreja de Nossa Senhora do Passo.
O estilo carnavalesco de Olinda é relativamente recente, sendo marcado pela criação de agremiações como o Clube Carnavalesco Misto Lenhadores, em 1907, e o Clube Carnavalesco Misto Vassourinhas, de 1912, e os dois ainda fazem parte das celebrações na cidade.
A festa nessa cidade preserva muitas tradições da folia pernambucana e nordestina. A festa do frevo é totalmente democrática e popular, convivendo em harmonia com as outras manifestações culturais da cidade, como o maracatu. A cada ano que passa, as comemorações de Carnaval se tornam ainda mais participativas devido aos esforços do governo local em resgatar as características culturais e ampliar a integração popular durante a data.
A festa é aberta a todos, não existindo cobrança de ingressos ou necessidade de abadás. As famílias trazem desde cedo suas crianças para participar da celebração e o pessoal da terceira idade também é convidado a participar da folia.
Em Olinda, o povo é o centro das festividades. A cidade não possui sambódromos ou trios elétricos, todas as ruas ficam disponíveis para as pessoas curtirem e aproveitarem o ritmo musical que mais desejarem. Por causa disso, não há programação carnavalesca local, só o dia para começar e terminar. Alguns blocos continuam suas atividades até tarde da noite e outros só acontecem no período da manhã.
Todos os anos, as ruas e ladeiras da Cidade Alta são tomadas por centenas de agremiações carnavalescas e tipos populares, como clubes de frevo, troças, blocos, maracatus, caboclinhos, afoxés, diversas manifestações culturais que trazem uma mistura dos costumes e tradições de brancos, negros e índios.
Um dos elementos mais famosos da folia olindense são os bonecos gigantes. Todos os anos são criados novos tipos e atualmente existem centenas desfilando por toda a cidade durante o Carnaval. Esses bonecos são parte da herança europeia no local e sua origem vem das procissões do século XV, quando acompanhavam os cortejos religiosos. O primeiro boneco a tomar as ruas da cidade foi o Homem da Meia-Noite, animando a festa desde 1932 e presente até hoje.
A comemoração na cidade não ficaria completa sem as fantasias. Figuras populares inspiradas em situações atuais se misturam com criações mais tradicionais, carregando sempre a crítica social que nunca deixa de estar presente no Carnaval da cidade.