Ciência
11/02/2020 às 06:40•6 min de leitura
Em Trinidad e Tobago, o Carnaval é uma das festividades mais importantes, apresentando vários elementos culturais e festas cheias de empolgação. Por lá, o ritmo mais importante da festa é a "soca", um estilo de música afrocaribenho que é derivado do calypso.
Trinidad e Tobago foi o primeiro país das ilhas caribenhas a comemorar o Carnaval. As celebrações foram influenciadas pelo catolicismo e tiveram início logo após a chegada dos colonizadores franceses em 1783, quando trouxeram entre seus costumes, a comemoração dessa festividade.
Infelizmente, a história carnavalesca em Trinidad é muito violenta e triste. Como contava com uma economia totalmente agrária, os fazendeiros decidiram usar escravos africanos para trabalhar em seus canaviais e suprir a falta de mão de obra. Isto trouxe a principal característica do Carnaval no Caribe: uma forte influência africana, tanto na música quanto nas vestimentas. Por isso o uso característico de máscaras e adornos.
Em determinado ponto, a população negra representava uma boa parte dos habitantes, e isso passou a causar atritos entre as etnias. Os colonizadores tentavam reprimir de todas as formas possíveis o Carnaval no país, chegando até a abusar da força policial, o que muitas vezes resultou em mortes e revolta da população. Em 1833, a escravidão foi abolida, e a festa deixou de ser comemorada em fundo de quintais e salões, finalmente tomando seu espaço nas ruas, como uma grande celebração popular.
Mas ainda não era um momento só de alegria. Mesmo com o fim da escravidão, o sentimento de inferioridade e hostilidade ainda perdurava. Para piorar os conflitos, imigrantes chineses vieram para trabalhar nas lavouras, o que passou a causar mais atrito ainda, só que agora entre três etnias.
Um dos episódios mais violentos desse conflito entre etnias foram as revoltas do Canboulay. Eles ocorreram como uma forma de resistência dos descendentes de escravos libertos nas cidades de Trinidad e Tobago contra as tentativas da polícia britânica de abolir o Carnaval. Elas começaram em 1881, em Port of Spain, capital do país, e nas cidades de San Fernando e Princes Town em 1884, sendo que nas duas últimas houve registros de fatalidades.
O termo Canboulay deriva de Cannes Brulées (que em francês significa cana queimada) e era originalmente uma prática racista dos antigos senhores de escravos, em sua maioria franceses, consistindo em brancos se pintando de negros e zombando das danças, características físicas e crença dos negros. Quando a escravidão foi abolida, os negros passaram a se apropriar desse termo, dando a ele um novo significado muito mais positivo. Ele passou a se tornar um símbolo para a comunidade e identidade negra, sendo atualmente muito importante em toda Trinidad e Tobago.
Os primeiros grupos a mudarem o Canboulay eram da população negra pobre que habitava as Barrack Yards, um estilo de moradia que pode ser associado aos cortiços. Eram nesses locais que o Carnaval passou a ser estruturado, com os moradores competindo em disputas musicais, de dança e até em combates físicos (então não eram só os italianos que curtiam trocar socos em festas).
Cada Barrack tinha sua própria banda musical, uma corte com um rei e rainha e pessoas destinadas a proteger os outros dois grupos, caso fosse necessário.
As competições ajudavam a fortalecer a identidade dos grupos, algo fundamental para a sobrevivência deles durante a época carnavalesca. O senso de união entre os participantes se originava de suas experiências sociais e da vida quase sempre agitada e turbulenta nas Yards.
Em 1877, o capitão Arthur Baker assumiu o cargo de chefe de polícia de Trinidad, e sua missão era estabelecer a lei e a ordem entre as classes baixas (ficou claro que esse era o termo “gentil” que eles usavam para chamar os negros, né?). Entre os anos de 1878 e 1880, Baker colocou em vigor várias medidas para combater a violência no Carnaval. E em 1880, de surpresa, decidiu proibir a utilização de tochas nos desfiles das bandas das Barracks, naquele momento, a população não teve outra escolha a não ser acatar essa ordem de forma pacífica.
Mas em 1881, quando o capitão mais uma vez sem aviso algum decidiu proibir as tochas, que eram uma das características mais importantes dos desfiles do Canboulay. Só que dessa vez a população estava pronta para as artimanhas de Baker e havia se organizado para resistir. Assim que a polícia deu a ordem para apagar as tochas, o povo se armou com pedras e garrafas que já estavam separadas e entraram em conflito com as forças da lei na madrugada do dia 28 de fevereiro.
A briga durou a madrugada inteira, e acabou com os policiais dispersando a população e voltando para o quartel. O mais interessante é que não foi apenas a comunidade negra que se envolveu na revolta. Os moradores vizinhos e outros foliões que só queriam curtir a festa também entraram no combate. A resolução dessa história rolou na tarde do mesmo dia, quando o governador Freeling discursou em praça pública, prometendo aceitar as festas carnavalescas com as tochas e sem interferência policial (o que já havia acontecido na verdade, já que as forças da lei foram obrigadas a se refugiarem no quartel depois da luta com os foliões).
Essas revoltas tiveram um grande impacto para o Carnaval caribenho no geral, e se tornaram uma parte muito importante da história e cultura trinitária, sendo celebradas na festa até os dias de hoje.
Com o tempo, o Carnaval trinitário passou a popularizar-se cada vez mais, e foi se espalhando para ilhas vizinhas como a Jamaica, caindo no gosto do povo por ser uma festa alegre e com muita música e diversão. Atualmente, a temporada carnavalesca em Trinidad é muito agitada, contando com seus próprios eventos curiosos e estilo musical.
A Calinda é uma espécie de luta com vara que normalmente é praticada durante o Carnaval trinitário, e surgiu durante a época do Canboulay. Um vocalista ou chantuelle entoava cânticos conhecidos como lavways, que serviam como uma forma de chamada e resposta, usados para exaltar e animar os lutadores que combatiam utilizando varas. Por esse motivo, as músicas carnavalescas do país são consideradas produtos desses cânticos. O estilo de música presente na Calinda foi gradualmente se transformando no Calipso moderno. Já as batalhas, cujas raízes se originam de uma arte marcial do Reino do Congo, viraram uma dança, para evitar resultados violentos. A luta hoje é formalizada, e se tornou parte das competições anuais da festa no país.
O Calipso surgiu em Trinidad e Tobago no século 19 durante as manifestações populares da época, principalmente durante o Carnaval. As raízes desse estilo musical estão ligadas à chegada dos escravos africanos, que como não podiam conversar uns com os outros, acharam uma forma de se comunicar através da música. No final do século 20, ele passou a fazer sucesso de diversas formas em todo mundo, com versões totalmente diferentes. Depois que as festas carnavalescas começaram a serem comemoradas no país, o estilo foi se popularizando, ganhando até suas próprias competições.
Já o Soca (que veio de Soul of Calypso, ou Alma do Calipso) se desenvolveu no começo dos anos 70, crescendo em popularidade com o passar desta mesma década. Seu desenvolvimento como gênero musical inclui uma fusão com o calipso, chutney, soul/funk, música latina, kadans e ritmos tradicionais da África Ocidental.
O "pai" do ritmo foi um homem trinitário chamado Garfield Blackman que ficou famoso como Lord Shorty em 1964, passando a assumir a alcunha de Ras Shorty I no começo dos anos 80. Ele começou escrevendo músicas e atuando no Calipso, fazendo experiências com esse estilo musical através de uma mistura com elementos da música indo-caribenha. A primeira canção do músico a ser definida dentro do ritmo do Soca surgiu em 1975, com o nome Endless Vibrations. Ela foi tão popular que dominou estações de rádio, festas e clubes, e não somente em seu país de origem, mas também em cidades como Nova York, Toronto e Londres.
Para alguns, o centro do Carnaval trinitário são os tambores de aço. Os aficcionados pelo instrumento musical acompanham os ensaios nas quadras de suas bandas favoritas por semanas, enquanto elas se preparam para a competição no Panorama. O evento é a maior vitrine para os tambores de açõ no mundo inteiro, sendo o palco da competição entre as bandas durante o período carnavalesco. As semi-finais ocorrem dois domingos antes da festa, e a grande final é no sábado de Carnaval.
Quando o sol se põe na noite da segunda-feira do feriado, outro tipo de tradição carnavalesca se desdobra nas colinas da cidade de Paramin. Demônios azuis competem anualmente em um evento impressionante das comemorações de Trinidad e Tobago. A medida que a noite começa a cair, demônios assustadores tomam as ruas e as colinas em um verdadeiro pandemônio. Eles dançam, cantam, batem suas latas de biscoito e sopram seus apitos, enquanto exigem o pagamento dos espectadores gritando “Paguem o demônio!”. Mas é claro, isso é tudo parte da apresentação, ok?
Nenhuma festa carnavalesca está completa sem as suas competições, e Trinidad e Tobago conta com várias delas. Além das bandas de aço no Panorama e os Demônios Azuis em Paramin, esse é o momento dos melhores músicos de Calipso e Soca, dançarinos de limbo, lutadores de Calinda, figurinistas, personagens tradicionais da festa, além de reis e rainhas do Carnaval mostrarem todo o seu brilho e maestria.
As guerras de Calipso culminam em uma competição chamada de O Rei do Calipso no domingo de Carnaval. Diferentes estilos são premiados, como o totalmente improvisado e o júnior.
As mais belas fantasias individuais, juniores e seniores, competem pelos títulos de rei e rainha das bandas, enquanto o Carnaval das Crianças (Kiddies Carnival) é o cenário garantido para os melhores designs da temporada e muita explosão de fofura.
Também existe um evento para personagens tradicionais antigos, como a Dame Lorraine (pessoas usando vestidos e enchimentos exagerados no busto e no traseiro, imitando as antigas matronas coloniais), o sinistro Ladrão da Meia Noite (Midnight Robber) com seus discursos cheios de eloquência, e o falante Pierrot Grenade.