Ciência
27/01/2021 às 13:00•3 min de leitura
Nesta semana, notícias reveladoras dos gastos do governo federal com alimentação em 2020 levaram aos trending topics do Twitter uma marca conhecida no mundo inteiro, mas que dificilmente havia frequentado o noticiário político anteriormente: o Leite Moça, ingrediente básico da cozinha brasileira e um elemento básico em festas de aniversário.
Do total de R$ 1,8 bilhão gastos em alimentação pelo executivo federal, o leite condensado ocupou posição de destaque com despesas de R$ 15,6 milhões, um valor considerado salgado por alguns críticos, mas justificado pelo ministério da Economia, afirmando que o leite condensado destinou-se à alimentação das tropas das Forças Armadas.
Dentre as diversas marcas do produto, o Leite Moça, da Nestlé, é a mais conhecida e uma das mais queridas dos consumidores, não só pela tradição, confiança e qualidade, mas também por associá-la a momentos doces, como infância, família, festas, brigadeiros (os doces) e aquele momento em que abrimos uma latinha escondidos e tomamos tudo.
Associar gastos com leite condensado à alimentação das tropas faz todo o sentido quando consideramos que a invenção do produto, patenteada em 1856, só fez sucesso quando eclodiu a Guerra Civil Americana, em abril de 1861, após longa controvérsia sobre a libertação dos escravos negros nos Estados Unidos.
O fazendeiro Gail Borden descobriu, ao tentar desidratar o leite comum para fazer leite em pó, que o produto se transformava antes em leite condensado. O inventor passou a transportá-lo para os combatentes. O inventor também colocou o produto no mercado e, em 1867, fundou sua primeira indústria dedicada a produzir o leite condensado.
Em 1905, o leite passou a ser produzido na Suíça, fruto de uma fusão entre a Anglo Swiss Condensed Milk Co. e a Nestlé. Na primeira embalagem já aparecia uma primeira versão da jovem camponesa com trajes típicos do século XIX, que vemos hoje e que se chamava La Laitiére.
O leite La Laitiére chegou ao Brasil em 1890, como uma alternativa ao leite fresco, cujo abastecimento era problemático pela falta de refrigeração. Porém, a opção inicial dos fabricantes foi vender o leite condensado em drogarias, com o nome inglês de Milkmaid, pois não havia uma palavra equivalente em português (leiteira era o vasilhame).
O produto fez muito sucesso, pois era misturado à água para se obter o leite integral, que já vinha adoçado, além de poder ser armazenado por muito tempo sem estragar. Porém, a dificuldade de pronunciar o nome em inglês, fez com que os consumidores passassem a pedir nas farmácias o “leite da moça”, referindo-se à camponesa.
Por isso, quando a Nestlé abriu sua primeira fábrica no país, em Araras no ano de 1921, começou a produzir o produto com o nome criado espontaneamente pelos consumidores: Leite Moça. Em pouco tempo, o Brasil se transformaria no maior mercado mundial de leite condensado, posição que mantém até hoje.
Durante a Segunda Guerra Mundial, o leite condensado deixou de ser consumido apenas como leite, e chegou às cozinhas do mundo, passando a ser utilizado pelas donas de casa como um ingrediente fundamental no preparo de doces e sobremesas. A partir daí, as vendas do produto dispararam.
No Brasil, a chegada foi ainda mais espetacular, aproveitando uma paixão pelos doces que vinha dos nossos colonizadores portugueses. Em 1945, um relato folclórico garante que o docinho brigadeiro foi criado por apoiadoras do Brigadeiro Eduardo Gomes à Presidência da República. O militar perdeu, mas o repertório das festas infantis ganhou mais um docinho.
No início dos anos 1960, as receitas passaram a vir no rótulo do Leite Moça: pudim, doce de leite (cozido em banho-maria). Nos anos 1970, os rótulos traziam sugestões para festas típicas: Festas Juninas, Festas de Aniversário, Natal, entre outras. Durante 60 anos, a marca não teve concorrentes no Brasil.
Com o surgimento dos primeiros concorrentes diretos, na década de 1980, como o Mococa e o Glória, o Leite Moça, mesmo com uma liderança de 60% do mercado, decidiu lançar o leite condensado em sabores, o que se revelou um tremendo fracasso. A empresa recuou e apostou tudo no Leite Condensado Tradicional.
Hoje, após diversificar o produto e lançá-lo sob a forma de cereais, chocolates e sorvetes, a marca é líder absoluta. Segundo estatísticas da própria Nestlé, são consumidas por segundo no Brasil aproximadamente 8 latas de Leite Moça, um número que pode ter se elevado a julgar pela relevância do produto nas compras do governo do Brasil.