Ciência
11/12/2021 às 09:00•2 min de leitura
Até o início dos anos 2000 as programações de comédia eram caracterizadas por apresentar conteúdos amigáveis e descompromissados, revelando piadas e situações embaraçosas que envolviam os mais diversos ramos da vida cotidiana. Porém, o advento de uma série de plataformas e do conjunto voltado à qualidade audiovisual transformaram quase completamente o gênero, que passou a revelar seu lado mais sombrio e melancólico em tramas recheadas de drama e estranhezas metafísicas.
A explicação mais clara para a mudança drástica de substância nas programações de comédia sugere uma resposta natural a um mundo que parou de fazer sentido. O que era engraçado de forma abusiva e apelativa, como houve na franquia American Pie e nos seriados Two and a Half Man e Os Simpsons, por exemplo, sofreu uma grande reviravolta como consequência da própria ideia do realismo, amplamente exigido com a concorrência causada pelo surgimento dos streamings e expansão da internet.
Dois homens e meio. (Fonte: Warner Channel/Reprodução)
Na teoria, isso quer dizer que, com tantas opções, a necessidade do espectador em visualizar e experimentar algo criativo e que fugisse do clichê, seja com base nas famosas risadas de fundo ou com os temas recorrentes sobre sexo, relacionamentos, amizade e outros, partiu para um ponto de vista mais sensível, diretamente impactada por efeitos externos como crises econômicas e políticas, alterações climáticas, preocupações com causas sociais e outras esferas.
Essa sensação de que o mundo está constante e violentamente mudando ecoa pelas redes sociais e pelo boca-a-boca, transferindo para os produtores uma responsabilidade inerente em seguir a onda, já que as preferências do público também se adaptam constantemente. Programas que antes refletiam informações jogadas e entulhavam o espectador com uma “cultura inútil” — termo amplamente utilizado no início do milênio — passaram a exibir linhas temporais em que inanidade, tragédia e banalidade estão todas misturadas, gerando um novo formato narrativo que logo serviria de inspiração para diversos projetos.
Fleabag. (Fonte: Prime Video/Reprodução)
Rapidamente os personagens acompanharam as tendências e, independentemente de sua personalidade nativa, mostraram um desenvolvimento mais próximo e de maior impacto. Em vez de contribuir unicamente com risadas, eles riem, choram, pensam, estimulam e agem como “pessoas normais”, vivenciando dramas reais — apesar de existirem produções que apresentem humor "absurdo", como Rick & Morty, as novas temporadas de Os Simpsons e Brooklyn 99 — e usando a quebra da quarta parede como quem diz "eu entendo o que você está passando".
O humor foi reduzido a um nível molecular e a comédia em si deixou de existir — e fazer sucesso — de forma isolada. Com isso, tiveram origem os conceitos de “sadcom” ou “dramédia”, em que as estruturas tradicionais de configuração e conclusão dão lugar a uma experiência subjetiva e subversiva que podem funcionar para algumas pessoas, enquanto para outras não se adequa.
Modern Family. (Fonte: ABC/Reprodução)
Aqui, os papeis se inverteram: antes, onde existia pitadas de choro em shows de risadas, dão lugar, hoje, a conteúdos que mostram que é possível encontrar um pouco de alegria mesmo nas situações mais duras da vida. Agora, as vulnerabilidades do mundo ganharam espaço e coexistem com a comédia clássica, de forma a fazer o espectador questionar qual, de fato, seria o gênero audiovisual que está sendo contemplado no momento.
Por fim, as grandes mentes criativas da comédia trágica apontam um futuro rico para a televisão e cinema através da interação com conteúdos voltados para a reflexão e para mostras de um mundo cru, com seus detalhes sórdidos e cruéis aliados a momentos de beleza, onde muitas vezes a única solução é rir para esquecer de tantos pesares que batem constantemente à nossa porta.
Será que apenas hoje estamos despertando a ideia de que os dois gêneros estiveram sempre juntos? É uma coisa na qual vale a pena se pensar.