
Ciência
10/10/2022 às 02:00•3 min de leitura
O significado mais antigo, comum e, provavelmente, aquele que a maioria das pessoas conhece para "apito de cachorro" é bastante óbvia: um apito para cães.
Os ouvidos desses animais são capazes de detectar frequências muito mais altas que as captadas pelo ouvido humano. Nesse sentido, um apito para cachorro nada mais é que um instrumento que emite um som, uma espécie de assobio extremamente agudo que os nossos amigos de quatro patas podem ouvir, mas nós não.
(Fonte: Adam York / Pexels/ Reprodução)
No entanto, figuradamente, o termo "apito de cachorro", ou Dog Whistle, em inglês, é uma mensagem codificada comunicada por meio de frases inteiras ou apenas algumas palavras aparentemente aleatórias que, geralmente, só pode ser compreendida por um grupo de pessoas, mas não por todo mundo.
Mas, na prática, como funciona o "apito de cachorro"?
Os EUA são um bom exemplo para explicar a política do "apito de cachorro". Nos últimos anos, especialmente durante o período em que Donald Trump permaneceu na presidência do país, os estadunidenses viram o ressurgimento e a intensificação das tensões e turbulências raciais e étnicas.
(Fonte: Life Matters / Pexels/ Reprodução)
Por lá, essa panela de pressão resultou em protestos violentos em várias cidades, mortes e na invasão do Capitólio por apoiadores de Trump, em 6 de janeiro de 2021.
Mas teve muito mais coisas antes disso. Apenas para pontuar alguns eventos, em 2017, a cidade de Charlottesville serviu de palco para o comício nazista Unite the Right. Em 2018, o tiroteio na sinagoga de Pittsburgh e no ano seguinte, outro tiroteio, mas em El Paso.
Ou seja, os EUA simplesmente vinham vivenciando a continuação de um fenômeno preocupante e perigoso, e que só aumentou durante o governo Trump: a política do "apito de cachorro".
A política do "apito de cachorro" se refere a uma prática bastante antiga na história humana: enviar mensagens políticas codificadas, projetadas de uma forma que apenas um determinado público-alvo as pudesse compreender.
É aqui que entram os apitos para cães que citamos anteriormente, isto é, os instrumentos que emitem sons em frequências agudas que apenas os ouvidos dos caninos conseguem registrar o som, enquanto que para os ouvidos humanos nem mesmo são percebidos.
Por isso a expressão é usada para mensagens que são entendidas por membros de certos grupos, mas não pela população em geral.
(Fonte: cottonbro/ Pexels/ Reprodução)
Alguns pesquisadores do tema apontam que a primeira vez que a expressão "apito de cachorro" foi usada em sentido figurado ocorreu em 1947.
Na época, um livro intitulado American Economic History descreveu um dos discursos de Franklin Delano Roosevelt, o 32° presidente dos EUA, como algo sendo “projetado para ser como um "apito de cachorro" moderno, com uma nota tão alta que o ouvido sensível da fazenda captaria perfeitamente, enquanto o Leste antipático não ouviria nada.”
Porém, até meados da década de 1990 a expressão permaneceu adormecida. Mas, atualmente, retornou com força sendo usada principalmente para mensagens codificadas de ódio.
Para a sociedade em geral, não é aceitável fazer declarações intolerantes, xenófobas, sexistas ou racistas. Logo, os políticos que queiram fazer isso precisam fazer uso de uma linguagem codificada ou, em outras palavras, um "apito de cachorro" que apenas seus apoiadores escutem e entendam.
Contudo, bem antes dos anos 1990 já era possível observar um ou outro uso da política do "apito de cachorro".
Por exemplo, boa parte dos analistas políticos é da opinião que Ronald Reagan (presidente dos EUA de 1981 a 1989) estava usando um "apito de cachorro" quando falou sobre os “direitos dos estados”, durante uma campanha no Mississippi, em 1980.
Para os pesquisadores, Reagan estava focando os segregacionistas do sul, ou, mais amplamente, para qualquer possível eleitor com crenças racistas.
Como xenofobia e racismo já não era algo bem visto, sendo mesmo um tabu para a sociedade da época, a única forma encontrada pelo então candidato à presidência para apelar diretamente para o público racista era por meio de uma mensagem codificada.
(Fonte: Matheus Bertelli / Pexels/ Reprodução)
Cada país tem seus próprios apitos, afinal, são culturas e sociedades com pensamentos diferentes. No Canadá, por exemplo, a política do "apito de cachorro" é bem fraca. Mas, então, eis que surge um partido político nacional convocando a população para “Recuperar o Canadá”, sem deixar claro exatamente quem o roubou em primeiro lugar.
Para alguns especialistas, esse é justamente o momento em que devemos prestar mais atenção, já que mensagens de ódio se espalham com uma velocidade surpreendente, não importando o código que usem. E quase sempre surgem “do nada” e explodem na cara da sociedade.
Por fim, é importante destacar que a finalidade de quem usa o "apito de cachorro" é demonizar seus oponentes ou, então, se colocar como protetor contra o demônio, um verdadeiro salvador.
Obviamente que isso não tem nada de racional, mas é esse o ponto. Pois aqueles que valorizam o uso da razão acabam sendo marginalizados ou ridicularizados, tendo debates ineficientes sobre as ações irracionais e até bizarras de quem apela para o "apito de cachorro".
E o alerta é sempre válido: a política do "apito de cachorro" pode fazer um demagogo nascente se tornar uma importante liderança em um piscar de olhos.