Estilo de vida
23/09/2021 às 04:00•3 min de leitura
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Como descrever os seres humanos? Do latim Homo sapiens, já demonstramos ao longo da história nossa capacidade de apresentar sabedoria e inteligência para construir sociedades complexas, inventar ferramentas impressionantes e sobretudo desenvolver sistemas de comunicação que nos distinguem de outras espécies de animais — e aqui fica o destaque para a palavra "animal".
Mas há quem argumente que poderíamos também nos chamar Homo ferox, uma terminologia em latim que também nos caracterizaria como seres cruéis e ferozes, capazes de elaborar grandes guerras, matar seus iguais por ódio e cometer vários tipos de atrocidade.
Esse é o tema de estudo do livro Homo Ferox: as origens da violência humana e o que fazer para derrotá-la (2021), do autor Reinaldo José Lopes, repórter e colunista da editoria de Ciências da Folha de S.Paulo. Em entrevista ao Mega Curioso, Lopes falou um pouco mais sobre o que os leitores podem esperar de seu trabalho.
(Fonte: Pixabay)
Por mais diferenciados e únicos que os seres humanos se sintam pelo potencial de seus cérebros e por serem os "únicos seres racionais do universo", nós nunca deixamos de ser mais que "animais" — é o que ressalta Reinaldo José Lopes em sua obra. Para ele, a ideia de que existe um abismo entre humanos e animais é antiga em nossas sociedades, mas foi muito aumentada com o passar dos séculos.
Embora tenhamos aprendido a trabalhar com a natureza de uma forma que outras espécies nunca foram capazes, ainda temos as mesmas origens. "A própria Bíblia diz que nós somos animais, que temos poucas diferenças entre eles na hora de comer, beber, morrer, nascer e crescer", destacou o escritor, que tem base cristã-católica.
Para o autor, o verdadeiro abismo que existe entre seres humanos e demais animais é, de fato, a linguagem, inegavelmente mais complexa e sem paralelos no reino animal. "Quando analisamos outros símios, como os chimpanzés, orangotangos, bonobos ou os grandes cetáceos, como golfinhos, orcas, algumas baleias, todos eles têm comportamentos sociais e emocionais muito próximos à racionalidade", ele acrescentou.
Apesar da existência da racionalidade nos seres humanos, Lopes aponta que ela é normalmente usada como "segundo passo" nas nossas tomadas de decisão. Nesse ponto, critérios como a empatia podem até surgir para evitar desastres e, para que tenhamos compaixão por um inimigo, mas são frequentemente deixados de lado pelos instintos de guerra.
(Fonte: Wikimedia Commons)
Então, se os homens são razoavelmente racionais e têm consciência social, automaticamente nos tornamos as criaturas mais violentas do universo, certo? Para Lopes, não é bem assim que as coisas funcionam: "Eu não acho que a gente é o animal mais cruel da natureza. A gente é apenas um animal razoavelmente cruel, assim como outros primatas, mas que ganhou poderes muito acima do normal".
Com 20 anos de carreira como jornalista científico, Reinaldo enxerga no potencial armamentício humano um verdadeiro potencializador da violência. De acordo com o escritor, os Homo sapiens nasceram como criaturas caçadoras-coletoras e têm um nível de violência não tão fora da curva quando em comparação com outros primatas.
Para Lopes, animais que desenvolvem grandes grupos sociais e são territorialistas costumam apresentar um grau de violência elevado. Entretanto, o grande cérebro humano abriu uma brecha para criarmos ferramentas muito mais complexas para o bem e para o mal. "Se dessem uma metralhadora na mão de um chimpanzé ou para um macaco-prego, isso seria igualmente algo horroroso", ele brincou. Na visão do autor, a questão passa longe de uma maldade intrínseca ao ser humano, mas sim aos meios que ficaram a nossa disposição para a arquitetar o estrago.
(Fonte: Wikimedia Commons)
Por mais vastas e complexas que sejam as sociedades humanas ao passar dos séculos, algumas coisas se repetem com frequência ao longo da história. Como aponta o jornalista, 90% da violência física humana está associada ao ser masculino — o que aponta para similaridades para machos de outras espécies — e uma cultura territorialista batizada de "nós contra eles", o que normalmente gera os conflitos de larga escala.
Além das grandes guerras e dos conflitos entre grupos, preconceitos como o racismo e a homofobia surgem da maneira como os seres humanos constroem suas identidades em relação à identidade de outros grupos. Dessa forma, nossa evolução biológica e também cultural fez com que desenvolvêssemos um fio condutor comum para a violência humana.
(Fonte: Unsplash)
Em Homo Ferox: as origens da violência humana e o que fazer para derrotá-la, Reinaldo José Lopes destaca que a mensagem final do livro deve ser dupla: nós não podemos subestimar os aspectos violentos da nossa espécie, mas ainda temos um espaço para evoluir como criaturas e é por esse percurso que as coisas têm caminhado.
"A avaliação sobre o século XXI é que temos algumas tendências ainda preocupantes, como a volta do nacionalismo político, o fundamentalismo religioso — embora a religião não seja o problema — e o crescimento desenfreado das redes sociais. Porém, ainda temos um cenário muito positivo como espécie para caminharmos no futuro", ele alertou.
No livro, Lopes cita dados que mostram como a violência humana comparativamente vem diminuindo em relação ao que ocorria nas sociedades antigas. "Nós precisamos aprender a lidar com a polarização política, ter um pouco mais de imaginação para criarmos uma sociedade que se enxerga como pessoas semelhantes e que, mesmo lá no fundo, todos nós temos conceitos parecidos do que é o bem e do que é o mal", pontuou Reinaldo.
Sendo assim, a busca pela paz ainda é algo que está em nossas mãos e que podemos mirar no futuro, mas de maneira alguma podemos relaxar na luta por esse objetivo em qualquer momento.