Ciência
12/06/2023 às 13:00•2 min de leitura
Antes de as bruxas serem queimadas em fogueiras, a Europa chegou a condenar animais a morrerem queimados, torturados ou enforcados por “crimes” que haviam supostamente cometido. A convicção de que os bichos eram perigosos e deveriam responder pelas suas infrações partia do princípio que, por vezes, eles machucavam os humanos, de maneira direta ou não. Fosse por meio de uma nuvem de besouros que destruía uma plantação ou porque uma vaca empurrou sua dona, que caiu e morreu. A natureza do culpado era irrelevante.
Esse tipo de procedimento considerado padrão foi cimentado com mais força com a ascensão dos sangrentos Tribunais da Inquisição a partir do século XIII. Segundo a historiadora Sara McDougall, professora associada da Faculdade de Justiça Criminal de John Jay, boa parte dessa prática de colocar animais em julgamentos estava relacionada com a necessidade da sociedade em depositar a culpa de seus atos em algo ou alguém a qualquer custo.
(Fonte: GettyImages/Reprodução)
Dessa forma, foi construída uma cultura da culpabilidade, que também era uma maneira que as sociedades daquela época encontraram de manter toda uma hierarquia nos eixos, uma vez que as pessoas acreditavam em uma ordem divina pré-estabelecida, em que humanos estavam no topo, como Deus desejava, e que qualquer ruptura precisava ser restaurada como uma medida formal.
Até o século passado, partes desse conceito ainda prevaleciam na sociedade, tanto que um cachorro foi julgado por matar um gato nos Estados Unidos.
(Fonte: Pinterest/Reprodução)
Isso só aconteceu porque estava previsto em lei. Em 1921, em São Francisco, nos EUA, se um cão fosse declarado perigoso ou cruel, seu dono era culpado de uma contravenção e o animal deveria ser condenado à morte. Simples assim.
Um terrier chamado Dormie colocou toda essa lei à prova naquele ano quando supostamente matou 14 gatos pela vizinhança onde morava. Ele nunca ofereceu perigo para nenhum outro animal ou ser humano, portanto, só parecia estar seguindo seu instinto em caçar gatos. Foi por isso que seu proprietário Eaton McMilan, um vendedor de carros, fez de tudo para levar seu caso aos tribunais.
O homem contratou o advogado James Brennan que, para o choque de todos, solicitou um julgamento com júri. Isso foi o suficiente para que a imprensa noticiasse o caso como uma piada que estava sendo levada muito a sério.
Como testemunha do caráter do seu cachorro, McMillan trouxe Rowdy, irmão do Laddie Boy, um cachorro que pertencia ao presidente americano Warren G. Harding. Não se sabe exatamente como um juiz colheu o testemunho dos animais, tampouco o advogado articulou sua defesa.
Fora argumentar que Dormie não deveria ser responsabilizado pela morte dos gatos, Brennan também questionou se o cachorro havia realmente matado algum deles. Afinal, a principal reclamação veio de uma vizinha chamada Marjorie Ingalls, cujo gato persa havia morrido. Quando o advogado pediu para que a mulher identificasse o agressor em uma fila de cães, ela não conseguiu apontar Dormie como culpado.
(Fonte: Una Penna Spuntata/Reprodução)
Em 28 de dezembro de 1921, mais da metade dos 12 jurados votaram pela absolvição do cachorro. Vale ressaltar que Brennan tentou manter as mulheres fora do júri porque, segundo sua lógica, elas eram mais "propensas" a apoiarem irracionalmente os gatos.
Com isso, Brennan pediu ao tribunal que rejeitasse as acusações, e o juiz assim o fez. Dormie foi liberado e mandado de volta para sua casa.
Ao longo da história, a condenação de animais em tribunais formais foi muito usada como uma maneira de difamar qualquer um que estivesse relacionado ao caso, e talvez também como uma forma de confundir os registros.
Esses tipos de julgamentos foram cimentados na história social como relíquias de um sistema jurídico diferente, que flertava com fronteiras entre o direito religioso e o secular. Eles desapareceram à medida que o procedimento legal se tornou mais definido, bem como as leis.