Ciência
16/08/2023 às 14:00•2 min de leitura
Em 13 março de 2020, às 18h de uma sexta-feira, os cidadãos da Itália programaram uma espécie de concerto para mostrar ao mundo que resistiriam ao avanço mortal do coronavírus. Naquela época, a Organização Mundial da Saúde havia decretado estado de calamidade internacional devido à disseminação da doença, tendo a Itália como o epicentro do problema na Europa.
A iniciativa dos italianos isolados deu certo e a internet foi inundada com vídeos de pessoas cantando da janela de suas casas a música Bella Ciao (popularmente traduzida como “querida, adeus”). Essa não foi a primeira vez que a canção Bella Ciao foi usada como hino de resistência, na verdade, ela ganhou esse aspecto em 25 de abril de 1945, quando a Itália foi liberta do fascismo.
(GettyImages/Reprodução)
Nem mesmo os historiadores conseguem determinar o surgimento exato da música Bella Ciao, apenas que no século XIX ela já era entoada pelos trabalhadores dos arrozais do Vale do Pó, no nordeste da Itália. As mondinas, trabalhadoras sazonais das plantações de arroz no norte da Itália, cantavam a canção como uma forma de lamentar as duras condições de trabalho de uma vida sofrida da qual elas não viam saída. Permanece a ideia de que elas cantavam as palavras "bela" e "adeus" em referência à fase considerada mais bela da vida, a juventude, e como elas se despediam não só dela, mas também de sua liberdade.
Durante a Primeira Guerra Mundial, a canção reapareceu como uma espécie de protesto contra o sistema militar após o fracasso da Batalha de Caporetto, que terminou com a vitória dos exércitos austro-húngaro e alemão, em 1917. Já na década de 1940, a resistência antifascista a absorveu como hino ideológico e de liberdade contra a invasão nazista, em 1943, no norte da Itália.
(GettyImages/Reprodução)
Os guerrilheiros aterrorizaram seu inimigo ao combatê-lo de igual para igual sob uma força extremamente bem treinada, tal como eram as tropas do Eixo. Naquele período, a resistência era formada por democratas-cristãos, comunistas, socialistas, republicanos e até monarquistas, cujas discrepâncias eram superadas ante a necessidade de combater o fascismo. Um exemplo disso é que o comandante da resistência era Raffaele Cadorna, um monarquista, e seu vice era Luigi Longo, um comunista.
E no que é considerado a luta mais importante da história da Itália, Bella Ciao é responsável por dar voz a todo esse movimento contra o fascismo porque foi usada pelos manifestantes quase como uma oração, que podia ser recitada a qualquer momento sem represália, sobretudo pelo povo em geral.
Não é para menos que Carlo Pestelli, autor do livro Bella Ciao: La Canzonne Della Libertà, disse que a música era destinada àqueles que não queriam manchar as mãos. Ao contrário de Fischia Il Vento, entoada pelos guerrilheiros garibaldinos e comunistas.
(Fonte: GettyImages/Reprodução)
O ator e cantor franco-italiano Yves Montand é creditado como o responsável por levar Bella Ciao a uma audiência global. Nascido na Toscana, de uma família que fugiu para o sul da França durante o fascismo, ele apresentou a canção pela primeira vez fora da Itália em 1964.
Desse momento em diante, ela foi cantada em vários momentos de protestos, como o do Parque Gezi, em 2013, em Istambul, contra o governo de Erdogan. Em 2012, François Hollande usou uma adaptação de Bella Ciao durante sua campanha presidencial francesa, sendo que no mesmo ano a canção foi usada como hino do movimento de ativismo ambiental "Do it Now".
(Fonte: GettyImages/Reprodução)
Até o Brasil a absorveu durante a campanha eleitoral de 2018 que elegeu Jair Bolsonaro como presidente. Os manifestantes do movimento #EleNão protestaram pelas ruas contra a ascensão de um governo repleto de falas e ideias fascistas.
Bella Ciao se tornou uma canção popular tão usada porque é contra um invasor e a favor de algo que todos gostam: a liberdade. Esse invasor pode ser tanto o próprio homem, com seu capitalismo desenfreado, destruindo o meio ambiente, até mesmo o aparato de repressão de um governo.