Artes/cultura
24/11/2023 às 10:00•3 min de leitura
As gueixas fazem parte da cultura japonesa, tendo se popularizado ao longo da Era Edo. Hoje elas ainda são conhecidas por receber e entreter convidados em eventos. No entanto, muitos fatos envolvendo o passado dessa antiga profissão permanecem sendo alvo de dúvidas ou mesmo ofuscados pelas aparências que a tradição visava preservar.
Uma delas diz respeito ao próprio exercício da profissão, em que muitos imaginam que apenas as mulheres que eram gueixas. As gueixas masculinas também existiam, e acredita-se ainda que foram os homens os primeiros a ocupar essa posição. Com o tempo, isso mudou, e as mulheres passaram a predominar.
(Fonte: Getty Images/Reprodução)
Hoje, só é permitido ingressar na profissão no Japão após completar o ensino médio, mas no passado, jovens eram vendidas antes de chegar na adolescência para locais especializados na formação de gueixas, chamados de okiya. Todo o investimento que esses anos de preparo demandavam se convertiam numa dívida a ser paga com a okasan ("mãe") até quando a gueixa estivesse pronta para conquistar maior autonomia.
Até que se tornasse uma gueixa, a jovem seria uma maiko (aprendiz de gueixa, com idade entre 9 e 12 anos), quando poderia trabalhar servindo bebidas aos convidados. Seus gestos e forma de falar também passavam por constante treinamento. Enquanto isso, elas recebiam um subsídio.
Um evento marcava mudança de status, quando chegavam ao estágio de geiko, uma gueixa completa, geralmente por volta dos 20 anos: o mizuage. Antes dançando, conversando e tocando instrumentos em casas de chá, restaurantes, banquetes e eventos importantes, hoje as gueixas estão na televisão e aparecem em eventos variados.
Pode não parecer, mas por trás da aparência, muitos detalhes eram cuidadosamente pensados, passando pelos trajes, penteados, chinelos e maquiagens utilizadas. Anos de preparo para exercer a profissão também escondiam, na mesma medida, muitas marcas de sofrimento.
(Fonte: Getty Images/Reprodução)
O famoso penteado, que consistia num coque dividido atrás e variava de posição conforme o status, exigia que a gueixa adotasse todos os cuidados possíveis para não mover um único fio de cabelo até mesmo enquanto dormia, o que muitas vezes significava permanecer numa posição desconfortável.
As gueixas mais experientes até usavam perucas, mas antes disso, lavar as madeixas com frequência era algo fora de questão, já que o penteado era feito semanalmente. E por passar tanto tempo preso, além do incômodo, o cabelo acabava ficando frágil, suscetível a danos permanentes. A maquiagem, da mesma forma, feita para esboçar um rosto delicado e bem delineado, também oferecia danos.
E isso se devia sobretudo ao uso do chumbo branco na composição das maquiagens do período, já que conferia um aspecto que era bastante apreciado. Foi questão de tempo para os sinais de intoxicação pelo metal pesado tornarem seus malefícios mais óbvios.
A pele envelhecia mais rapidamente, os dentes e os cabelos caíam, e os enjoos e a forte dor de cabeça estavam entre os sintomas de envenenamento por chumbo. Em 1877, ele foi proibido pelo governo japonês, mas não antes de deixar muitas vítimas.
(Fonte: Getty Images/Reprodução)
As gueixas até poderiam se casar, caso sua dívida com a okiya estivesse paga. Mas isso significaria desistir de forma permanente da profissão. Ainda assim, muitas seguiam como gueixas ao longo da vida, o que fazia com que conquistassem cada vez mais segurança e reputação.
No passado, seu grande objetivo era encontrar um danna, patrocinador, que iria proporcionar todos os quimonos, joias, maquiagens e despesas particulares. Alguns casos se convertiam em relacionamentos, mas não era a regra. A sociedade das gueixas, como evidenciam os seus estágios iniciais, é bastante organizada e hierarquizada.
Mas mesmo após passar por todo o período de formação, como shikomi (observadora que auxiliava nas tarefas domésticas do lar) e maiko (aprendiz), quando cursava disciplinas para dominar a arte de ser agradável, uma gueixa de maior beleza e prestígio tinha mais chances de ter seus custos patrocinados. Ela poderia, da mesma forma, ser mais requisitada que outras para participar de eventos.
(Fonte: Getty Images/Reprodução)
Após a Segunda Guerra Mundial, com o avanço da prostituição em terras japonesas, muitas gueixas eram confundidas com essas profissionais e se sentiam desvalorizadas. Historicamente, as gueixas não vendiam seu corpo, ainda que obras que tratam da vida delas na literatura abarquem episódios onde a própria virgindade era posta à venda na mizuage, transição de status maiko para geiko.
E como tal prática da venda da relação sexual é oficialmente proibida desde a década de 1950 no Japão, se é incentivada e ainda ocorre, é de forma silenciosa. No entanto, prostitutas fingiam ser gueixas para atrair interesse.
Diante dos novos padrões de beleza ocidentais, as gueixas gradualmente deixaram de ser um ícone de beleza entre os japoneses. Vale lembrar que após o grande conflito, a sociedade oriental passou por transformações profundas que geraram impactos no próprio mercado de trabalho.
A partir disso, muitas gueixas largaram a profissão para ocupar postos em fábricas, o que não mudou com o passar do tempo, dado o constante processo de industrialização que o Japão vivenciou. E se antes elas eram tão numerosas que era difícil escolher uma, atualmente elas mal passam de mil. Muitas desistem quando ainda estão na fase de aprendiz (maiko), antes mesmo de se tornarem gueixas.