Ciência
13/06/2024 às 18:00•2 min de leituraAtualizado em 13/06/2024 às 18:00
Durante a Idade Média, uma série de ilustrações colocadas nas margens dos livros, que eram verdadeiras obras de artes feitas à mão, permanece até hoje como um mistério. Produzidas principalmente no final do século XIII, por iluministas que decoravam apenas as margens (a chamada arte Marginalia), as figuras representam caracóis gigantes lutando contra cavaleiros com armaduras.
Esse tipo de arte, que na maioria das vezes nada tinha a ver com o tema principal do livro, funcionando apenas como um floreio final, era composto por bordas ornamentadas por folhas, seres fantásticos e ilustrações aleatórias. Esses acréscimos eram colocados depois de o livro ter sido terminado, muitas vezes com pigmentos caros como o lápis-lazúli, uma pedra preciosa, ou realces de ouro.
A fixação repentina por moluscos gastrópodes guerreiros levou a historiadora da arte Lilian Randall a produzir um estudo, chamado “O caracol na guerra marginal gótica”. Na pesquisa, a autora encontrou 70 exemplos em 29 livros diferentes, produzidos entre os anos de 1290 e 1310.
Embora os caracóis guerreiros aparecessem em diversos cenários de livros variados, havia um mote comum: uma espécie de caracol agressor oprimindo um cavaleiro de armadura. Em muitas cenas, os gastrópodes apontam suas antenas, que são, na verdade, tentáculos superiores, na direção dos cavaleiros, como se fossem espadas.
Segundo os professores entrevistados pela BBC, essa unidade cultural replicante, que pode ter sido um dos primeiros memes da história, começou a transcender os livros e se espalhar para outros locais, como construções. Em algumas catedrais, os caracóis lutadores aparecem esculpidas em fachadas.
Para a professora de arte medieval da Universidade de Chicago, Marian Bleeke, a ideia básica da luta caracol-cavaleiro "é a derrubada de hierarquias existentes ou esperadas. Supõe-se que seja surpreendente e até engraçado — acho que hoje entendemos isso implicitamente", diz ela à BBC.
No entanto, a intenção pode ter sido apenas satírica, aponta Randall em seu estudo, uma vez que grande parte dos cavaleiros retratados aparece ajoelhada em oração, encarando seu oponente viscoso, com sua espada deixada de lado. O que fica claro na postura dos cavaleiros em relação aos caracóis é sua flagrante covardia, que, colocada em textos religiosos, pode ser uma espécie de zombaria aos ideias de bravura e piedade.
Bleeke acrescenta que a submissão dos cavaleiros aos caracóis pode reformular nossa ideia da visão idealizada do cavaleiro no mundo medieval. "Para mim, essas imagens nos mostram que o gênero nunca foi tão estável ou seguro como algumas pessoas gostariam de pensar. Sempre foi um campo de disputa", conclui a professora.