Ciência
17/04/2024 às 20:00•4 min de leituraAtualizado em 17/04/2024 às 20:00
Como o final de todos os conflitos com grandes baixas, os teatros bélicos da Segunda Guerra Mundial enfrentaram um problema: a grande quantidade de cadáveres em campos de batalha. Em 6 de junho de 1944, os Aliados desembarcaram cerca de 73 mil americanos e 83 mil britânicos e canadenses na costa da Normandia, no norte da França ocupada pela Alemanha nazista de Adolf Hitler. Esse episódio ficou conhecido como Dia D, em que os nazistas foram derrotados, mas sua resistência brutal também causou milhares de baixas.
Estima-se que nas primeiras 24 horas da invasão, cerca de 4,5 mil mortes aconteceram, com baixas piores e maiores na praia de Omaha, sendo cerca de 2 mil soldados americanos e 9 mil baixas nas forças alemãs. Esses, no entanto, são apenas números aproximados porque é impossível obter a quantidade exata de mortes. Uma das grandes questões para os Aliados, no entanto, era o que fazer com a quantidade de cadáveres em meio a um conflito em um local inóspito.
O mesmo aconteceu com os cadáveres da Batalha de Okinawa, considerada a mais sangrenta do Pacífico, na qual pelo menos 200 mil pessoas foram mortas.
Entre 1939 e 1945, a Segunda Guerra Mundial testemunhou cerca de 30 grandes batalhas e operações, que, no total, vitimaram mais de 60 milhões de pessoas, entre militares e civis. Da Batalha de Dunquerque à Batalha de Bataan, nenhum conflito foi mais sangrento do que a Batalha de Okinawa, que durou de 25 de março a 7 de setembro de 1945. Particularmente, o conflito foi o maior ataque anfíbio da história e também responsável por moldar o combate convencional durante a guerra do Pacífico.
A moral e a honra japonesas tornaram a guerra ainda mais perturbadora, visto que os soldados se mostraram defensores selvagens mais do que dispostos a morrer, mesmo que por suicídio, para vencer o conflito. Afinal, um dos motivos pelos quais os EUA atacaram era gerar uma pressão ao capturar Okinawa, podendo enfraquecer o Japão e acelerar uma rendição – tudo o que eles queriam.
A Operação Iceberg, codinome para Batalha de Okinawa, lançou um intenso bombardeio naval e aéreo contra a ilha japonesa, visando preparar o terreno para o desembarque de suas tropas. Enquanto os navios de guerra lançaram uma barragem de artilharia contra as posições costeiras japonesas, os aviões destruíram fortificações, bunkers e bases deles.
Após o intenso bombardeio inicial, quando as tropas americanas começaram a desembarcar em Okinawa, em 1º de abril de 1945, os japoneses responderam com foguetes, torpedos, navios e aviões kamikaze para tentar destruir a defesa dos inimigos.
O mau tempo só tornou a cena de guerra ainda pior, em meio à lama, incêndios e crateras, Okinawa se tornou um inferno de desolação e morte. Em 83 dias, 50 mil americanos morreram em comparação a 84 mil a 117 mil japoneses, incluindo nativos okinawanos recrutados pelo exército japonês.
O horror foi tamanho que chegou a abalar o então presidente americano Harry S. Truman, que percebeu como era caro invadir o continente, e como batalhas de tropas contra tropas geravam apenas perdas. Acredita-se, inclusive, que o resultado de Okinawa tenha influenciado muito a decisão dos EUA em lançar as bombas atômicas sobre o Japão.
Diante da exaustão, do desgaste, da perda de suprimentos e armamento, além do avanço incansável dos americanos contra as defesas japonesas, em 22 de junho de 1945, o Japão se rendeu aos Aliados. No entanto, demorou até 2 de setembro para que a resolução se tornasse oficial e a Segunda Guerra Mundial fosse encerrada após 7 anos intensos de conflito.
Foi só então que o Departamento de Guerra dos Estados Unidos voltou a Okinawa para tentar recuperar os cadáveres dos soldados que haviam sido provisoriamente enterrados nos cemitérios temporários. Eles recuperaram 10.243 corpos e os enviaram para Sainpan, ao norte de Guam, no oceano Pacífico. Lá, os parentes decidiram se queriam que os restos mortais fossem enviados de volta aos EUA ou sepultados em um cemitério militar no exterior.
As autoridades emitiram um relatório atestando que os mortos de Okinawa chegaram a cerca de 12,5 mil, dos quais 7,5 mil eram fuzileiros navais e 5 mil, marinheiros.
Quando a guerra alcançou Okinawa, sua população era de aproximadamente 500 mil habitantes, dois terços dos quais viviam na porção sul da ilha sob um sistema de sociedade baseado na agricultura e uma vida predominantemente rural. Por mais de 400 anos, Okinawa foi um reino independente, conhecido como reino Ryukyu, com sua própria cultura e identidade distintas, até que foi imperializado pelo Japão durante a Era Meiji, em 1875.
A Batalha de Okinawa destruiu sua cultura e seu povo, causando até 150 mil mortes de civis nativos, enquanto 70 mil soldados japoneses morreram no confronto com os americanos. A maioria dos moradores fugiu para o sul pelos campos de batalha ativos, pois era a única saída, e acabaram fuzilados por japoneses e americanos.
Foram os nativos os responsáveis por recolher e sepultar os cadáveres que a guerra deixou, tanto daqueles que morreram no fogo cruzado quanto dos que tiraram a própria vida temendo cair nas mãos dos americanos. Até 1955, quando o governo japonês interveio, a população construía monumentos ao redor de Okinawa e queimava os mortos.
Um ossário complexo, parte de um memorial, foi estabelecido em Itoman, ao sul de Naha, capital de Okinawa. Apesar dos esforços de anos, cerca de 2,8 mil pessoas continuam perdidas até hoje, certamente porque foram mutiladas ou queimadas ao serem capturadas pelos americanos.
Tanto do lado americano quanto do japonês, restos mortais ainda são encontrados, graças ao trabalho de recuperação de algumas organizações sem fins lucrativos, como Kuentai-USA, uma joint venture nipo-americana. Em 2021, oito indivíduos foram escavados em uma caverna no sul de Okinawa, e em 2023, os restos mortais de 46 mulheres e uma criança foram descobertos juntos.
Há dois anos, o Ministério de Defesa japonês anunciou um plano para construir uma nova base militar dos EUA em Okinawa para facilitar o trabalho das pessoas que ainda cavam os restos mortais daqueles que pereceram durante a última batalha da Segunda Guerra Mundial.