Estilo de vida
09/09/2024 às 13:11•3 min de leituraAtualizado em 09/09/2024 às 13:11
O filme Ainda Estou Aqui, que foi ovacionado no Festival de Veneza, se baseia no livro de mesmo nome do escritor Marcelo Rubens Paiva. O longa – que tem no elenco estrelas como Fernanda Montenegro, Fernanda Torres e Selton Mello – trata da história real de Eunice Paiva, mãe de Marcelo, em sua busca por informações sobre o seu marido.
Rubens Paiva, o pai do escritor, foi um deputado federal que, na época da ditadura, foi sequestrado por agentes militares e nunca mais foi encontrado – seu atestado de óbito só foi emitido 25 anos depois, em 1996.
Nascido em 26 de setembro de 1929, Rubens Beyrodt Paiva se formou em engenharia civil na Universidade Mackenzie, em São Paulo. Nesse período, ele já se interessava ele já se interessava por política e integrava o movimento estudantil. Em outubro de 1962, foi eleito deputado federal pelo Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), mesma legenda do então presidente da República João Goulart.
Paiva atuava como vice-presidente da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que foi instalada para verificar denúncias envolvendo o Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais (IPES) e o Instituto Brasileiro de Ação Democrática (IBAD), que foram acusados de receber recursos internacionais no intuito de desestabilizar o governo de João Goulart. Por conta disso, ele foi cassado como deputado logo após o golpe militar, exilando-se na França e na Inglaterra.
Quando retornou ao Brasil em 1965, foi morar com sua família em São Paulo e depois no Rio de Janeiro. Em 1971, foram encontradas cartas com as presas políticas Cecília de Barros Correia Viveiros de Castro e Marilene de Lima Corona, e um dos destinatários era Rubens Paiva. Por conta disso, ele foi abordado em sua casa e levado em seu próprio quadro para prestar depoimento no DOI-Codi do Rio de Janeiro.
No dia seguinte, sua esposa Eunice e sua filha Eliana, de 15 anos, também foram levadas. Após várias sessões de interrogatório, Eliane foi liberta e Eunice permaneceu detida, mas depois foi solta. Nunca mais se soube de Rubens Paiva. A informação que se tem hoje, por meio de investigações, é que ele foi interrogado, torturado e assassinado.
Ainda Estou Aqui conta toda a luta de Eunice Paiva em busca do seu marido e da verdade do que teria ocorrido com ele. As primeiras investigações sobre a sua morte foram divulgadas na imprensa em 1978 do Jornal do Brasil, em uma reportagem intitulada “Quem matou Rubens Paiva?”.
Durante todo esse período, Eunice fez uma árdua investigação própria atrás de informações e para o reconhecimento da morte do marido, cujo corpo nunca foi encontrado. No dia 20 de janeiro de 1981, quando seu desaparecimento completou dez anos, a família publicou um anúncio no Jornal do Brasil para uma missa no Rio de Janeiro. “Para nós, mulher e filhos, sua alegria de viver, sua generosidade, sua vontade de justiça não desaparece, onde quer que esteja”, dizia o texto.
Em 1986, Amílcar Lobo, que era médico do Exército, disse em uma entrevista à revista Veja que examinou Rubens Paiva ainda com vida, mas que ele estava muito machucado e apresentava hemorragia causada por torturas. Ele afirmou que o ex-deputado teria morrido no dia 21 de janeiro de 1971.
Em 1995, foi promulgada uma lei federal para a criação da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos, um órgão que ficaria responsável pelo reconhecimento de pessoas desaparecidas durante a ditadura. Esta legislação também estabeleceu que os presos políticos desaparecidos nessa época seriam oficialmente reconhecidos como mortos.
A Comissão Nacional da Verdade, criada em 2011, deu sequência à apuração sobre a prisão e a morte de Paiva. Em fevereiro de 2014, a CNV afirmou que o general José Antônio Nogueira Belham e o tenente Antônio Hughes de Carvalho foram os autores da morte e da ocultação de cadáver do ex-deputado.
Durante todo esse tempo, Eunice Paiva se engajou na luta pela verdade do que ocorreu com o seu marido. Formada em Direito, Eunice também se envolveu na questão do direito indígena, com várias conquistas nesse setor. Mas continuou fazendo pressão para que os familiares de outros desaparecidos políticos também obtivessem respostas.
Ela faleceu em 2018, quando tinha 86 anos, depois de uma longa batalha contra o Alzheimer. Deixou um grande legado em vida, que agora pode ser conferido também no cinema.