
Ciência
02/09/2019 às 11:00•3 min de leitura
A imagem acima consiste na reconstrução das feições de um hominídeo que viveu em uma região que hoje corresponde à Etiópia, na África, há cerca de 3,8 milhões de anos. A criatura é tida como possivelmente um dos nossos mais antigos ancestrais. Na realidade, fazia algum tempo que a existência desses seres era conhecida, uma vez que alguns dentes já haviam sido encontrados, além de fragmentos do crânio e ossos dos braços e das pernas.
Agora, o surgimento de outra parte levou à descoberta de um crânio relativamente completo, que permitiu a reconstrução e um vislumbre de mais um de nossos antepassados — de um passado muito, muito distante.
O hominídeo pertence à espécie Australopithecus anamensis, e o indivíduo da imagem foi recriado graças a fragmentos de crânio encontrados por um pastor chamado Ali Bereino enquanto ele limpava o terreno para manter suas cabras. Os pedacinhos de ossos foram achados sob mais de 30 centímetros de cocô dos animais, motivando a organização de uma escavação liderada pelo paleoantropólogo Yohannes Haile-Selassie, do Museu de História Natural de Cleveland.
Parte dos ossos possivelmente foi danificada depois de terem sido pisoteados pelos animais, mas ainda assim o time de Haile-Selassie conseguiu recuperar fragmentos em bom estado e suficientes para montar — feito um quebra-cabeça — as feições do A. anamensis, revelando o seu rosto pela primeira vez. E deu trabalho! Os cientistas viajaram pela Etiópia, pelo Quênia e pela África do Sul e conduziram levantamentos e comparações morfológicas com outras espécies, incluindo o Australopithecus afarensis, hominídeo conhecido em todo o mundo como Lucy.
Segundo as análises, o crânio possivelmente pertenceu a um indivíduo do sexo masculino. E, conforme pode-se observar pelas imagens, os A. anamensis tinham feições mais próximas às dos primatas do que às nossas, embora já começassem a apresentar alguns traços dos humanos modernos. Esses hominídeos são da época em que nossos ancestrais começaram a caminhar de forma ereta, e as principais diferenças em relação aos símios mais antigos são sua estrutura facial, mais robusta e resistente, para que pudessem processar os alimentos que consumiam, já que sua dieta era baseada principalmente em frutos, folhas e sementes duras, e a presença de caninos menores e cérebro com cerca de um quarto do tamanho do nosso.
Os cientistas também examinaram cuidadosamente o entorno em que os fragmentos do crânio foram encontrados e descobriram uma porção de coisas sobre o habitat dos A. anamensis. Amostras da camada de sedimentos onde os fósseis se encontravam foram datadas entre 3,8 milhões e 3,7 milhões de anos — e foram descobertos vestígios de pólen e plantas, assim como compostos que indicam que o local consistia no delta de um rio e que a área era rodeada por florestas, embora os A. anamensis normalmente perambulassem mais por regiões áridas com vegetação arbustiva ou gramíneas.
A equipe encontrou, ainda, fósseis de antílopes, rinocerontes, girafas, hienas e primatas já extintos, como da espécie Pliopapio alemui. Contudo, o mais interessante da descoberta é que os A. anamensis "preenchem" uma lacuna evolutiva que existia entre hominídeos mais antigos, datados de 6 milhões de anos, e os A. afarensis, representados por Lucy.
Embora tenham sido ancestrais dessa última espécie, os A. anamensis coexistiram com esses hominídeos pelos últimos 100 mil anos de sua existência, antes de desaparecerem. Essa constatação, aliás, contradiz a crença de que a evolução ocorre de forma linear, com uma espécie substituindo a seguinte.
Ademais, foram encontradas evidências de que, além do delta e das florestas, a área apresentava regiões montanhosas, atividade vulcânica e acidentes geológicos que podem ter isolado populações que mais tarde divergiram evolutivamente e inclusive podem ter cruzado umas com as outras e competido entre si por territórios.
Segundo os registros fósseis, os A. anamensis viveram até cerca de 3 milhões de anos atrás e estão entre os candidatos mais "cotados" como as criaturas que deram origem à linhagem da qual nós surgimos. Mas, se rolaram períodos de coexistência e a evolução dessa galera não aconteceu de forma linear, isso significa que a nossa história evolutiva se torna mais obscura.