Estilo de vida
27/04/2020 às 09:04•4 min de leitura
Em 1990, o 1º McDonald's foi aberto em Moscou, a homossexualidade deixou de ser uma doença, as duas Alemanhas tornaram-se uma só e, no Japão, foi lançado o Super Nintendo. Em 24 de abril daquele ano, subiu à órbita terrestre o ônibus espacial Discovery, levando a bordo aquele que carregava as esperanças por um novo salto na Astronomia e na Física: o telescópio espacial Hubble.
O Hubble sobe ao espaço a bordo do ônibus espacial Discovery.
Em 3 décadas de atividade, ele se provou mais do que uma fonte de “imagens bonitinhas”, como era desdenhado dentro de alguns círculos da NASA. Graças a ele, os cientistas olharam mais longe e perceberam detalhes antes desconhecidos em nosso quintal planetário. O Hubble nasceu na esperança, cresceu alimentado de expectativas e falhou miseravelmente quando foi posto em ação.
Quando foi posto em órbita, os engenheiros de voo soltaram a respiração ao perceber que o telescópio havia sobrevivido incólume ao lançamento. Em 20 de maio, as primeiras imagens começaram a chegar, mas a única coisa que se via eram borrões. O Hubble era míope.
A primeira imagem do Hubble era apenas um pouco melhor do que a captada por um telescópio na Terra.
Um de seus espelhos havia sido polido incorretamente e esse erro (menor que a espessura de um fio de cabelo) tornava-o um dos maiores e mais caros fiascos da história da NASA.
A produção do espelho principal começou em 1977, quando foi feito seu molde em vidro. Ele não tinha um espelho convencional (que o faria muito pesado) e sim, 2 fatias finas de silicato de titânio. Estas não podiam se encostar, então tubos de vidro — pelos quais apenas ar passava — foram colocados entre elas.
Duas empresas rivais foram chamadas: a Perkin-Elmer (empresa americana especializada em instrumentos ópticos e eletrônicos) e a gigante das máquinas fotográficas Eastman-Kodak. A primeira ganhou o contrato.
Um dos espelhos do Hubble sendo polido nas instalações da Perkin-Elmer.
A fase final do polimento envolveu um suporte feito de barras de titânio (cada uma com uma safira em cima) ajustado nas costas do espelho. Deitado nesse berço caro (US$ 2 milhões), o espelho foi polido por meses, dias e noites, usando-se algo como piche e pó de arroz.
O polimento consistia em esfregar cada milímetro do espelho com esse piche e, para que ele não riscasse o vidro, sobre ele os técnicos aplicavam algo parecido ao pó de arroz. Para saber onde polir, foi usado um laser que, ao deslizar sobre a superfície, produzia um gráfico com irregularidades na superfície, em bilionésimos de milímetro.
Ao fim do processo de polimento, o espelho foi levado para uma câmera de vácuo — era novembro de 1981. Os canhões de elétrons começaram seu trabalho de vaporizar o alumínio que seria a superfície refletora do espelho (e a camada não poderia ter mais que 80 nanômetros de espessura). Três minutos depois, os técnicos abriram a câmara, mas não havia nada lá, a não ser uma sala vazia e um teto estranhamente mais alto.
“Percebi depois que estava olhando para o reflexo de um espelho de brilho fantástico”, conta Jack Kurdock, na época engenheiro na Perkin-Elmer. A NASA, nas palavras do engenheiro William Fastie, considerou que “o telescópio espacial Hubble tem o espelho mais perfeito já construído. Não temos dúvidas de que, com ele, enxergaremos centenas de milhões de anos-luz além do que esperávamos”.
Por três anos, o Hubble permaneceu em um galpão esterilizado na Califórnia à espera de seu lançamento, adiado inúmeras vezes por conta dos atrasos no programa espacial americano. Se foi o clímax de uma longa espera quando o Discovery lançou-o na órbita terrestre, o fatídico 20 de maio de 1990 foi como um anticlímax: o Hubble "precisava de óculos", e não havia ninguém que pudesse entregá-los a 612 km de altitude.
No dia em que o telescópio espacial abriu os olhos pela primeira vez, a sala de imprensa do Centro Espacial Goddard estava lotada, obrigando jornalistas atrasados a ocupar o centro de visitantes. "Os astrônomos murmuraram algo. Todos ali ficaram um pouco perplexos e desconfortáveis quando a imagem apareceu, porque estava muito fora de foco. Alguém disse: 'É isso mesmo?' “, lembra o cientista sênior do projeto, o físico e astrônomo Dave Leckrone.
Mais 3 anos foram necessários para que uma equipe do ônibus espacial Atlantis consertasse o Hubble. Foram 35 horas trabalhando no espaço, mas finalmente o telescópio viu o universo.
Os famosos "Pilares da Criação" aglomerados de poeira e gás na nebulosa da Águia, a cerca de 7 mil anos-luz da Terra.
A Nebulosa da Borboleta, a cerca de 2 mil anos-luz da Terra.
O mais longe que o Hubble foi capaz de ver: uma pequena região do espaço na constelação da Fornalha, a 45 milhões de anos-luz da Terra.
Além de ter popularizado o universo e a Astronomia como nem mesmo Carl Sagan conseguiu, o telescópio espacial ajudou a compreender melhor tópicos ainda nebulosos para a Ciência, como a natureza dos buracos negros e a matéria escura.
O Hubble passou por sua última manutenção em 2009; não haverá outra. Seu sucessor, o Telescópio Espacial James Webb (JWST), deverá ser lançado em 30 de março de 2021 – dessa vez, não na órbita terrestre, mas a 1,5 milhão de quilômetros da Terra. Enquanto ele não é lançado, o Hubble continuará a fotografar, medir e bisbilhotar o universo para nós.
Hubble, o telescópio míope que viu mais longe, faz 30 anos via TecMundo