Artes/cultura
11/05/2021 às 12:00•4 min de leitura
“Quando eu era adolescente, virgindade parecia um grande problema. Falei com os meus amigos sobre perdê-la e me preocupei se seria a última 'virgenzona' do grupo. Eu pensei que perder a virgindade significava a relação de pênis na vagina, e que nada mais contaria”, contou Katy Elliot para o estudo da School of Sexuality Education. “Eu tinha ouvido falar sobre o hímen e me preocupava que, quando eu fizesse sexo, eu sangraria e seria constrangedor. Francamente, a virgindade e o sexo me deixaram ansiosa e com medo”.
Laura Carpenter, pesquisadora de sociologia e autora de Perda da Virgindade: Um Retrato Íntimo das Primeiras Experiências Sexuais, em entrevista à ABC Net, deixou claro que a perda da virgindade descreve apenas um estado, como ser iniciante em qualquer processo de aprendizagem. Além disso, tratar a virgindade como "prêmio" ou "medalha de honra" há séculos permitiu que a sociedade objetificasse e causasse a morte das mulheres – que foram sempre as mais afetadas.
(Fonte: Who/Reprodução)
Isso tudo acontece devido à construção social, que nada mais é do que as ideias e crenças que existem na sociedade. A perda da virgindade é um produto criado pelos próprios humanos baseado em crenças religiosas e no hábito de colocar mulheres em um pedestal de honra e “bons costumes”.
Apesar de os homens tratarem entre si a virgindade como um "rito de passagem", a própria construção social "esmaga" milhares deles com a pressão de que eles precisam fazer sexo pela primeira vez para se tornarem "machos". São enxergados como “desviados” pelos outros homens os que não fazem isso rapidamente, uma vez que proezas sexuais e libertinagem constituem um estereótipo de masculinidade no senso comum – o que demonstra o quão danoso o conceito de virgindade pode ser para os seres humanos em geral.
"A diferença entre os níveis de opressão sexual e como ele sempre acaba beneficiando o homem, é que as mulheres são rotuladas como 'arruinadas' após a primeira vez que fazem sexo, enquanto os homens apenas amadurecem", explica o terapeuta sexual clínico Cat O’Dowd. Ele salienta que, apesar de ambos sofrerem com a estrutura social, os homens nunca morreram por perder a virgindade.
(Fonte: New Indian Express/Reprodução)
Nos tempos da Grécia Antiga, o povo "sabia" que uma garota era virgem analisando seu corpo, pois elas deveriam ter mamilos pequenos, rosados e apontados para cima. Por outro lado, aquelas que já haviam sido iniciadas sexualmente deveriam ter mamilos escuros, grandes e apontados para baixo.
Na Idade Média, esse conceito já era mais agressivo e diferente. Em um texto chamado Os Segredos da Mulher, uma virgem era descoberta pela cor de sua urina, que deveria ter uma tonalidade clara se ela não tivesse sido "corrompida" ainda.
Além disso, eles determinavam a castidade a partir do comportamento de uma mulher, que deveria ser modesta e temer a presença de um homem. Os médicos também mediam a virgindade comparando a circunferência da testa das jovens com seus pescoços.
(Fonte: First Post/Reprodução)
Já na época rural dos Estados Unidos, nas comunidades negras, existia uma tradição de que um homem podia testar a virgindade de uma mulher ao pressionar sua cera de ouvido na vulva dela. A cera deveria causar dor apenas naquelas que mantinham sua "pureza", pois a castidade seria capaz de "queimar" em contato com secreções do corpo masculino.
Os testes de virgindade começaram a se tornar um problema em 1979, quando funcionários do aeroporto de Heathrow, em Londres, realizaram o procedimento em uma mulher indiana de 35 anos que estava indo para a Inglaterra para se casar com seu noivo britânico-indiano. As autoridades suspeitavam que ela estava mentindo sobre os motivos da viagem, e que só o teste "provaria" o contrário.
Ao longo de toda a década de 1970, o Ministério das Relações Exteriores do Reino Unido cometeu esse tipo de abuso doentio.
(Fonte: LINE/Reprodução)
No século XXI, os testes de virgindade começaram a causar alarde em novembro de 2019, quando o rapper T.I foi criticado após alegar que exigia que sua filha de 18 anos fizesse anualmente testes de virgindade com seu ginecologista. O caso repercutiu de maneira muito negativa na mídia, levantando preocupação a esse método e fazendo legisladores da Assembleia do Estado de Nova York apresentarem um projeto para proibir os médicos de realizarem o exame.
O teste é realizado inserindo dedos na vagina para inspecionar o hímen e ver se há rupturas, bem como analisar o canal vaginal para determinar se a mulher fez sexo alguma vez. A Organização Mundial da Saúde (OMS) afirma que não há evidências de que os testes provem que uma mulher teve relações sexuais vaginais ou não. De acordo com a Organização das Nações Unidas (ONU), o aumento da globalização no século passado resultou em solicitações e casos de testagem em países que não tinham histórico anterior da prática, como a Bélgica, Holanda e o Reino Unido; sendo que eles já eram um problema em pelo menos 20 países ao redor do mundo, incluindo Egito, Afeganistão, Indonésia e África do Sul.
Em muitos lugares, os testes são administrados para determinar se uma mulher pode ir à escola, se casar, conseguir um emprego ou se foi vítima de estupro – embora esse último represente o menor dos casos de uso. Desde 2018, Farhad Javid, ativista dos direitos reprodutivos, tenta libertar 190 jovens e mulheres que foram presas por falharem em um teste de virgindade na província de Balque, no Afeganistão. No país, o sexo antes do casamento é considerado um crime moral.
(Fonte: Quora/Reprodução)
Quantificar a prevalência dos testes de virgindade em países da América e da Europa é uma tarefa difícil, visto que eles são solicitados de maneira confidencial entre os pais, a paciente e o médico. Em 2017, um estudo indicou que de 288 obstetras e ginecologistas dos Estados Unidos que foram consultados, pelo menos 16% deles já foram solicitados alguma vez para realizar o teste ou fazer a restauração do hímen de uma mulher – sendo que 13% obedeceram.
Apesar de muitos estudos terem desmistificado a existência do hímen, ainda assim ele é responsável por graves problemas. De acordo com o The Guardian, a empresa HymenShop, que produz kits com hímen falso que jorra sangue quando é rompido pelo parceiro na relação sexual, disse que a maioria dos produtos são vendidos para mulheres que moram na Califórnia e na Carolina do Norte.
(Fonte: SBS/Reprodução)
A empresa alemã VirginiaCare, também relatou que comercializa anualmente milhares de kits para os Estados Unidos. Segundo ela, a maioria das clientes entra em contato alegando que precisa do hímen falso para "se proteger". As mulheres virgens costumam adquirir o produto só para terem certeza de que sangrarão na noite de núpcias. Inclusive, na maioria das vezes, seus parceiros sabem o que elas vão fazer porque é uma trama para enganar os pais, que verificam os lençóis após o ato.
A Dra. Jennifer Gunter, ginecologista e autora de The Vagina Bible, disse que, enquanto uma mulher fica traumatizada durante sua primeira relação sexual, isso reforça a estrutura de rito de passagem para os homens. “O patriarcado mantém as mulheres dentro de padrões biológicos impossíveis. Eles marcam elas como propriedade e fazem temerem o sexo, em vez de desfrutá-lo”, enfatizou a médica.
Sobre os testes de virgindade, a Dra. Gunter ressaltou que as mulheres gritam, choram e desmaiam durante o procedimento. Depois, muitas delas relatam ódio a si mesmas e perda contínua de autoestima, levando à depressão e, consequentemente, ao suicídio.