Eko e Iko: os irmãos negros e albinos sequestrados pelo 'freak show'

08/05/2021 às 12:004 min de leitura

Entre o final do século XIX e início do século XX, tanto a cultura europeia quanto norte-americana exaltavam a existência dos "freak shows" como uma forma de entretenimento, especificamente para a classe média branca daquela época. Os programas apresentavam pessoas com deficiências físicas ou congênitas como "aberrações" em um sistema de emprego escravagista e humilhante do qual apenas os proprietários se beneficiavam.

Para manter o negócio funcionando, o circo alegava que eles forneciam benefícios e uma vida estável para as pessoas nascidas "diferentes", uma vez que eles eram marginalizados e condenados à miséria por serem incapazes de conviver no meio social ou conseguir um emprego.

Contudo, o "freak show" era um antro de exploração e tortura institucionalizada sob a fachada de um abrigo, onde todo mundo considerado "diferente" era bem-vindo. Só em meados do século XX, quando as diferenças físicas consideradas misteriosas foram cientificamente explicadas como mutações ou doenças genéticas, o "freak show" entrou em declínio.

O sequestro dos Muse

(Fonte: Pinterest/Reprodução)(Fonte: Pinterest/Reprodução)

Até que a prática fosse proibida, com a inserção da lei Americanos com Deficiência, em 1990, nos Estados Unidos, criminalizando a discriminação de pessoas com qualquer tipo de doença e a exploração delas –, o negócio continuou abusando de pessoas como as irmãs siamesas Daisy e Violet Hilton; o homem negro com microcefalia chamado William Henry Johnson; e Joseph Merrick, o "Homem Elefante".

Então, foi uma comoção em massa quando o famoso circo Ringling Brothers chegou na cidade de Roanoke, em Virgínia (EUA), naquele outubro de 1927. Com um comboio de 100 vagões, com cerca de 1.600 funcionários, 5 ringues e 6 palcos, o "freak show" montou seu espetáculo no espaço de festivais da cidade, onde, no ano seguinte, membros da Ku Klux Klan fizeram seu primeiro comício.

(Fonte: The Guardian/Reprodução)(Fonte: The Guardian/Reprodução)

Entre as atrações do circo, estavam os famosos George e Willie Muse, dois irmãos afro-americanos albinos conhecidos pelo nome artístico Eko e Iko, respectivamente. Mas ninguém sabia que estar ali em Roanoke significava uma volta para a casa para os dois. Eles cresceram na minúscula cidade rural de Truevine, no Condado de Franklin, a poucos quilômetros de Roanoke, onde a população negra era massacrada pelo racismo segregacionista do sul reforçado pelas Leis Jim Crow.

Desde muito cedo, os irmãos acompanharam sua mãe, Harriet Muse, aos campos de tabaco perto de sua casa para que ela pudesse trabalhar enquanto eles brincavam em meio às plantações. Até que em 1899, quando tinham entre 6 e 9 anos de idade, eles foram sequestrados por James Herman Shelton, um "caçador de aberrações" que os colocou no sistema de "freak show".

O homem os transformou nos personagens Eko e Iko, os “Canibais com cabeça de ovelha”, cuja cor da pele demonstrava o lado "selvagem" e "canibal" deles, enquanto o albinismo era justificado como uma espécie de "dom" ao mesmo tempo que uma aberração. A sociedade os enxergava como duas "criaturas" que foram amaldiçoadas e abençoadas ao mesmo tempo.

Objetos de estudo

(Fonte: The Guardian/Reprodução)(Fonte: The Guardian/Reprodução)

Shelton se tornou o empresário deles por mais de 13 anos, enquanto os fazia viajar pelos Estados Unidos e outras partes do mundo em diversos circos diferentes, cada um contando um tipo de história sobre a origem dos dois. John Ringling, o proprietário do Ringling Brothers, declarou a um jornal que havia encontrado os irmãos à deriva na costa de Madagascar. Ele também não deixou de reforçar que eles eram uma espécie de "elo perdido de Darwin" devido à mutação genética que tinham.

O público chegava a pagar mais de US$ 30 para ter uma foto ao lado dos irmãos, que foram forçados a deixar os cabelos crescerem para serem colocados em dreadlocks, que eles enfiavam em bonés e soltavam diante de uma plateia boquiaberta. Todo o dinheiro que a aparência deles rendeu foi desfrutado apenas por Shelton, que alimentava a ideia de que sua mãe estava morta para impedir qualquer tentativa de fuga ou sonho de voltar para casa.

(Fonte: The Mirror/Reprodução)(Fonte: The Mirror/Reprodução)

No entanto, Shelton não se conformou em vender a imagem de Eko e Iko apenas como entretenimento, por isso permitiu que o movimento eugênico dos Estados Unidos estudasse o albinismo deles. No livro You and Heredity, o autor Amram Scheinfeld escreveu que eles tinham a pele branca, os olhos azuis claros com nistagmo (globos oculares oscilantes) e cabelos loiros. A aparição deles era uma crítica no livro, pois Scheinfeld promovia a esterilização e controle de natalidade para reduzir a proporção dos "inadequados" e estimular o nascimento dos "aptos".

Na época em que Eko e Iko voltaram para a casa pela primeira vez em 13 anos, a vanguarda da eugenia instalou um programa que esterilizou à força mais de 8 mil pessoas sob a alegação de deformidade física, falta de moradia em nome da "proteção à pureza da raça americana" e também por doença mental. De acordo com a jornalista Beth Macy, autora de Truevine, esse programa serviu como inspiração para os primórdios da eugenia na Alemanha de Adolf Hitler, começando com o programa Ação T4.

O apelo de uma mãe

(Fonte: Washingtonian/Reprodução)(Fonte: Washingtonian/Reprodução)

Desde o sequestro de seus filhos, Harriet Muse confrontou as mais altas e poderosas autoridades brancas para tê-los de volta, e sua força de vontade aumentou ainda mais quando descobriu que eles estavam voltando para Roanoke.

Depois de tentar reaver seus filhos enfrentando os proprietários do circo e os policiais brancos da cidade, Harriet deu início a um processo judicial contra o Ringling Brothers e Shelton, em que alegou que George e Willie foram transformados em escravos e detidos contra sua vontade. A mulher lutou até fechar um acordo em que o circo concordou em devolver os salários e ficou responsável por informar-lhe o paradeiro de seus filhos.

(Fonte: Pinterest/Reprodução)(Fonte: Pinterest/Reprodução)

Harriet usou o dinheiro para comprar um terreno no Condado de Franklin, no intuito de que os filhos tivessem um lugar para morar quando decidissem voltar para casa. Infelizmente, ela não viu isso acontecer, pois morreu em 1942, aos 68 anos, antes que George e Willie se aposentassem, no final da década de 1950.

Eles ficaram na casa comprada e se tornaram dois dos poucos afro-americanos proprietários de terras daquela época, tal como os habitantes de Seneca Village. George Muse morreu em 1972, enquanto seu irmão Willie Muse viveu até os 108 anos, falecendo em 2001.

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