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03/06/2020 às 14:00•3 min de leitura
“Era tão aguda e mortal que nunca ouvi falar ou tenho a lembrança de qualquer homem que sofrera de algo parecido”, assim declarou um homem para o escritor Raphael Holinshed no livro Crônicas da Inglaterra, Escócia e Irlanda, em meados de 1577. O Cardeal Du Bellay, em junho de 1528, afirmou que a doença era a mais fácil do mundo para morrer. Segundo ele, a morte vinha quando você atravessava o período de dores e começava a suar.
Em 1485, fazia pouco tempo que a Europa havia perecido com a devastadora Peste Bubônica, que obliterou cerca de 60% da população europeia. Porém, logo surgiu outra doença, que era silenciosa e tão mortal quanto à peste, ceifando vidas em um prazo de 8 horas e por motivos desconhecidos.
(Fonte: Ranker/Reprodução)
A devastação veio em "ondas" que duraram ao todo 70 anos. A primeira aconteceu no verão de 1485, assim que Henrique VII desembarcou na cidade de Londres, no dia 28 de agosto. Seis dias antes da chegada do rei, a doença vinha acontecendo de modo mais "tímido", tanto que ele adiou a sua coroação no campo de Batalha em Bosworth por medo de contraí-la.
Em menos de 1 mês, cerca de 15 mil londrinos morreram do dia para a noite. O caos tornou a se espalhar pela cidade, e a doença foi considerada pior do que a Peste Bubônica, principalmente por sua evolução fatal. Começaram a chamá-la de "Doença do suor", "Suor maligno" ou, simplesmente, "O suor".
Tudo começava com uma febre muito alta e abrupta, dores fortes no pescoço, nos ombros, nas extremidades do corpo e no abdômen. O vômito precedia calafrios intensos que culminavam em uma onda de suor tão profusa que "inundava" as camas. Com fraqueza profunda, falta de ar, pulso acelerado e palpitações cardíacas, essa enfermidade determinava a morte que aconteceria em pouquíssimas horas. Essa onda durou até novembro daquele ano e depois desapareceu da mesma maneira insólita que surgiu.
(Fonte: Britannica/Reprodução)
Não se sabe quem foi o paciente zero da "Doença do suor". Alguns historiadores acreditam que ela chegou à Inglaterra por meio dos mercenários trazidos da França por Henrique VII (para conseguir fazer a sua ascensão ao trono). Outros especialistas apresentam a possibilidade de que o exército de soldados trazido de longe pelo rei também estivesse infectado com essa sudorese.
Em 1507, ocorreu o segundo surto, o qual devastou milhares de pessoas, mas sumiu em poucos meses. A terceira onda da doença foi considerada pior do que as anteriores, teve início no final de maio de 1528 e matou cerca de 200 mil pessoas em 4 semanas. Até lá, Henrique VIII já dormia em uma cama diferente a cada noite, não por conta de seus casos, mas pelo terror de contrair a doença durante aquele verão. A sudorese assassina foi registrada em várias cidades e chegou a dizimar metade da população.
(Fonte: The Armchair Anglophile/Reprodução)
No final da primeira onda, o médico Thomas Le Frontier tinha retornado à França e escrito um artigo sobre a doença, dando informações e detalhes do impacto que o surto causou. Contudo, foi John Caius o responsável por descrever a "Doença do suor" e promover estudos durante o quarto surto epidêmico em 1551. Ele discorreu em seu ensaio Conselho Contra a Doença Conhecida como "O Suor".
O quinto ciclo da doença foi o mais avassalador. Surgiu no epicentro, em Londres, novamente em maio. O impacto foi tanto que a corte Tudor foi dispensada, e Henrique VIII fugiu mais uma vez. A patologia apareceu em Hamburgo e matou mil pessoas em 1 semana. Em pouco tempo, uma temerosa taxa de mortalidade se espalhou por toda a Europa oriental. Chegou à Suíça em dezembro e depois correu pela Dinamarca, Suécia e Noruega. A leste, afetou a Lituânia, Polônia, Rússia e Holanda. O rastro deflagrado de desespero e caos era refletido nos corpos abandonados nas ruas. Como uma praga, essa enfermidade não fazia distinção entre ricos e pobres, afetando todos.
(Fonte: The New Yorker/Reprodução)
John Caius não conseguiu descobrir qual era a real origem da doença. Então, ele a atribuiu à sujeira das ruas e ao clima úmido inglês, principalmente por sempre aparecer no final da primavera ou no verão.
Ao longo dos séculos, especialistas tinham tudo para acreditar que a "Doença do suor" era infecciosa, como a escarlatina, a malária ou o tifo. Diferente do que se possa imaginar, descobriram que ela era mais frequente entre os ricos e os jovens saudáveis. Um escritor do século XX associou a sudorese à febre aguda causada pela contaminação por piolhos e carrapatos. Era improvável que tivesse algo relacionado com a gripe ou o tifo.
Em 1933, a comunidade do povo Navajo, localizada na região de Gallup (Novo México), foi acometida por uma síndrome pulmonar causada por um hantavírus que possuía os mesmos sintomas que a Doença do Suor. O episódio ficou conhecido como "O surto de Four Corners", cujo causador era o vírus Sin Nombre. Anteriormente, na Europa, o hantavírus causava uma síndrome de insuficiência renal e também era responsável por vários vírus da febre tropical que eram transmitidos por insetos. A doença foi intitulada Síndrome Pulmonar por Hantavírus (HPS).
Até hoje não se tem conhecimento de qual seja a origem exata da "Doença do suor", embora os sintomas naquele tempo apontassem para a possibilidade de um envenenamento por antraz residual em lã contaminada ou de ser uma variante precoce do HPS. Sendo assim, poderia ter se espalhado pelas fezes de roedores que eram varridas por empregadas domésticas para debaixo de pesadas tapeçarias, criando nuvens de poeira quando sacudidas na área externa do castelo.
A transição para um clima cada vez mais frio pode ter sido o motivo do desaparecimento dessa doença, assim como as medidas sanitárias que foram adquiridas com o tempo e que não envolviam "varrer a sujeira para baixo do tapete".