Ciência
02/07/2020 às 07:00•3 min de leitura
Embora os eruditos do século XIX, estudassem o mito por uma perspectiva de "fábula", "invenção" ou "ficção", muitas das criaturas que habitavam aqueles relatos eram incorporadas à literatura científica, até mesmo porque não havia meios de provar a sua existência ou não.
Na falta de mecanismos para o estabelecimento de um conhecimento empírico, os naturalistas daquela época se baseavam nas suas próprias percepções e nos relatos fantasiosos, e muitas vezes delirantes, de viajantes, aventureiros, e exploradores.
Assim, os periódicos científicos da segunda metade do século XIX ainda eram parcialmente preenchidos com ilustrações de criaturas fantásticas, cuja realidade os cientistas da época não tinham como investigar. Produzidas pelos ilustradores a partir de relatos secundários, as imagens coexistiam com dados concretos de animais reais.
Fonte: Wikimedia Commons
Dentre o conteúdo compartilhado em acesso aberto, estão disponibilizados na data de hoje impressionantes 156.957 títulos, 257.288 volumes e 58.393.809 páginas.
Operada sob a forma de um consórcio, a BHL é fruto de um trabalho de colaboração internacional entre acadêmicos, especialistas, pesquisadores, cientistas e o grande público. O acervo compreende livros de história natural a partir do século XV até os dias de hoje.
Fonte: Lisa Larson-Walker/BHL - Reprodução
As imagens da flora e da fauna terrestre estão disponíveis no banco de dados da forma como foram representadas pela primeira vez por pesquisadores. Como falamos de um tempo onde a fotografia ainda não existia, o que se tem são ilustrações desenhadas à mão, muitas vezes belas, porém confusas.
Fonte: Wikimedia Commons
Um dos destaques entre os textos científicos da BHL é o relato sobre o Cefalópode de 1910, que cataloga animais marinhos encontrados por uma expedição que, a bordo do vapor Valdivia, se propôs a estudar a fauna abissal nas Ilhas Canárias.
Liderados pelo biólogo alemão Carl Chun, esses exploradores chegaram a uma profundidade de quase um quilômetro, o que foi um grande feito para a época, quando se acreditava que nenhum tipo de vida pudesse existir em águas tão profundas.
Fonte: BHL
Considerado uma obra fundadora da teratologia, que é o estudo dos defeitos congênitos e suas causas, o livro De monstros e prodígios, de 1573, escrito pelo cirurgião-barbeiro Ambroise Paré, é uma das obras mais famosas da BHL.
O texto tem inúmeras ilustrações com gravuras de sereias aladas, crianças com rabo de cachorro, outras com cara de rã, mulheres de duas cabeças, cavalos com cabeças humanas e outras criaturas concebidas, segundo Paré, por intervenção divina ou como resultado da ação de bruxos e demônios.
Fonte: Musée de la Chasse et de la Nature/Reprodução
Outro livro que traz uma iconografia riquíssima sobre criaturas híbridas e mitológicas, como sereias e ciclopes é Criaturas curiosas em zoologia, de autoria de John Ashton que é fundamental para os criptozoólogos que estudam justamente as espécies animais lendárias, mitológicas, hipotéticas ou vistas por poucas pessoas.
Fonte: Wikimedia Commons
Muitos dos animais amplamente conhecidos, como antílopes e elefantes, foram desenhados pela primeira vez de forma bem imprecisa, simplesmente porque eram de difícil visualização, e a representação de quem os observava imprimia características fantásticas, os primeiros como dragões escamosos e os segundos sem suas tradicionais orelhas.
Fonte: Wikimedia Commons
Entrevistado pelo site All That's Interesting, o historiador de cartografia norte-americano Chet Van Duzer esclarece que "aos nossos olhos, quase todos os monstros marinhos em todos esses mapas parecem bastante bizarros, mas, na verdade, muitos deles foram tirados do que os cartógrafos viam como livros científicos e oficiais".
O que os cartógrafos da época faziam, segundo Van Duzer, era tentar reproduzir, da maneira mais fiel possível, o que viam representado em mapas e diários de bordo que muitas vezes descreviam serpentes e dragões do mar.
Fonte: BHL
Mesmo as baleias, hoje consideradas animais gentis, inclusive para as outras espécies, eram retratadas como monstros terríveis, com cabeças dotadas de chifres e presas afiadas.
Van Duzer teoriza que "as baleias, as maiores criaturas do oceano, não são mais monstros, mas depósitos naturais de mercadorias a serem colhidas". Essa visão utilitarista teve início, segundo o historiador por volta do século XVII, quando os antigos monstros passaram a ser vistos como fontes naturais de óleo.
No entanto, a eliminação definitiva das ilustrações imaginárias só ocorreu com a invenção da fotografia nas décadas finais do século XIX.