Artes/cultura
08/11/2022 às 04:00•3 min de leitura
Ninguém sabe ao certo quando ou por que as pessoas começaram a consumir sangue humano como prática curativa. Desde a Roma Antiga, quando Plínio, o Velho (23-73), naturalista do primeiro século d.C., descreveu as batalhas de gladiadores como atos brutais onde os guerreiros bebiam o sangue de seus adversários mortos, essa curiosa ação provou ser ainda mais misteriosa, com implicações em rituais, na medicina e em crenças globais.
Historiadores modernos acreditam que o primeiro consumo de sangue humano ocorreu entre a civilização dos etruscos, grupo pré-romano que habitou a península itálica a partir do século IX a.C. Esse povo teria emprestado não apenas a prática para as nações posteriores, mas também suas ideias sobre valores medicinais e mágicos, chegando a alcançar culturas para além do eixo europeu — como a China.
Segundo Thomas DeLoughery, hematologista da Oregon Health & Science University, a maioria das culturas históricas provavelmente deduziu uma conexão entre o sangue e a vitalidade, observando os efeitos da perda de plasma e dos efeitos diretos no organismo. Assim, como as pessoas ficam naturalmente cansadas, pálidas e fracas quando há esse déficit, era natural acreditar que a ingestão fortaleceria alguém, incorporando a "essência" de outro ser como uma "chave para a vida".
(Fonte: Atlas Obscura / Reprodução)
Logo, essas práticas se basearam no conceito de "medicina simpática", que sustentava a teoria de que a melhor forma de curar uma aflição era o contato ou consumo de algo relacionado ao próprio corpo. Essa teoria não descartava a ingestão de partes de animais, mas reforçava essencialmente o sangue humano como um tônico superior. Romanos, por exemplo, recorriam ao tratamento para tratar a epilepsia e sorviam sangue de um portador saudável com a esperança de aliviar suas dores.
Foi assim que o método ganhou mais força: devido à natureza temporária da epilepsia. Como poucas pessoas compreendiam a doença na Roma Antiga, quando aplicavam sangue em um paciente e o viam recuperado dias depois, a ação começou a ser amplamente aceita. A hematofagia na região cessou (em maior parte) logo após o advento do cristianismo, que encerrou as disputas de gladiadores e os impediu de continuarem assassinando rivais em troca de seu sangue e da diversão popular.
A história forneceu o aval para que o sangue humano fosse visto como elemento potencialmente curativo, e cada vez mais ideias surgiam sobre seu uso. Quanto mais se imaginava que o plasma de um homem jovem e saudável era melhor, mais se imaginava como ela poderia ser preparado e destilado a fim de prover nutrientes para pessoas necessitadas. Curiosamente, nem todo sangue era válido; muitas vezes, o menstrual, por exemplo, era encarada como tóxico e impróprio para aplicação.
As primeiras críticas à hematofagia começaram a surgir no século XVI, quando o herbalista Leonhart Fuchs denunciou todas as formas de medicina de cadáver como canibalismo inconcebível. Porém, apesar desses comentários, a prática começou a perder força na Europa no final do século XVIII, quando cientistas afirmaram não haver panaceia comprovada e trouxeram implicações em tons de preocupação sobre a hereditariedade e os perigos de se comer carne humana.
(Fonte: Jordi Play - Biomedcentral / Reprodução)
Ainda é comum ouvir pessoas convictas mencionarem o poder dos “laços de sangue”. Recentemente, em 2018, uma pesquisa publicada pelo site Snopes desmistificou equívocos compartilhados na web sobre os benefícios de beber sangue para os jovens. Segundo as mensagens, a reinfusão do sangue de pessoas mais velhas em grupos de jovens e saudáveis seria capaz de gerar efeitos positivos na saúde. Porém, esses conceitos de “parabiose” foram quebrados pela própria ideia da mudança da composição sanguínea com o envelhecimento.
Estimativas apontam que, atualmente, existem cerca de 5.000 sanguinários apenas nos Estados Unidos. Em entrevistas, a maioria dessas pessoas diz que começou a beber sangue humano por influência de lendas vampíricas ou da medicina de cadáveres. Eles também indicam que o interesse foi despertado por meio de uma compulsão, ou seja, sem qualquer relação com possíveis propriedades curativas ou necessidade de melhorar o bem-estar físico — eles relatam sentir-se deprimidos, cansados ou simplesmente terríveis.
Esses casos são raros, mas não incomuns. No início deste ano, Machine Gun Kelly e Megan Fox confirmaram ter um fetiche sexual no consumo de sangue. Enquanto isso, em 2011, Jamie Vulva, uma mulher que administra um café à base de plantas em Olympia, Washington, narrou experimentar seu fluido menstrual em receitas e na culinária caseira por capricho, apesar de não sentir compulsão de beber sangue. Não necessariamente as pessoas atribuem noções antigas e poéticas sobre plasma ou suas essências vitais.