Saúde/bem-estar
19/05/2023 às 13:00•6 min de leitura
A AIDS (Síndrome da Imunodeficiência Adquirida) é uma doença que já fez milhões de vítimas em todo o mundo. Identificada pela primeira vez na década de 1980, ela foi inicialmente vista como um mistério assustador, causando pânico e discriminação em todo o mundo, e rapidamente se tornou uma das doenças mais temidas do planeta.
Porém, o que muitos podem não saber é que sua origem é muito mais antiga, surgindo no início do século XX, para ser identificada apenas décadas depois, quando os primeiros casos passaram a surgir nos Estados Unidos.
Neste artigo, que marca os 40 anos da identificação do vírus causador da AIDS — o HIV —, vamos explorar a história dessa síndrome, sua origem e as principais formas de transmissão, além de apresentar a evolução de tratamentos que permitiram diminuir o impacto que ela causa na vida de seus portadores.
A Síndrome da Imunodeficiência Adquirida é uma condição causada pelo vírus HIV, que pode ser transmitido por contato sexual, compartilhamento de agulhas ou transfusão de sangue contaminado. Dentro do organismo, ele passa a atacar o sistema imunológico humano e facilita o surgimento de infecções oportunistas e cânceres.
A doença foi reconhecida pela primeira vez em 1981, nos Estados Unidos, mas sua origem remonta ao início do século XX, na África Central. A teoria mais aceita atualmente é que ela surgiu a partir de um vírus chamado SIV, que infecta símios, e teria passado para os humanos por meio do contato com sangue ou carne desses animais, que eram caçados ou domesticados por alguns povos africanos.
Existem dois tipos principais de HIV: o HIV-1 e o HIV-2. O primeiro é mais virulento e se originou dos chimpanzés, já o segundo é menos agressivo, e teria vindo dos macacos-verdes. Ambos se espalharam pela região ao longo das décadas, mas só ganharam notoriedade mundial nas décadas de 1960 e 1970, quando foram levados para outros continentes por mercenários, trabalhadores e turistas.
O primeiro caso comprovado de morte ocorreu em 1959, em Kinshasa, na República Democrática do Congo. A cidade é considerada o epicentro da epidemia, pois ali houve uma combinação de fatores que favoreceram a disseminação do vírus, como urbanização, mobilidade, prostituição e uso de seringas contaminadas.
Luc Montagnier. (Fonte: Getty Images/Reprodução)
Os esforços iniciais para entender e combater a doença foram marcados por desafios e controvérsias. Um dos maiores avanços na história da medicina foi a descoberta do vírus responsável pela AIDS em 1983, que permitiu que os cientistas entendessem melhor a origem, a transmissão e o tratamento para algo que já havia matado milhares de pessoas no planeta.
Esse feito foi resultado do trabalho de dois grupos de pesquisa independentes, liderados por Luc Montagnier, do Instituto Pasteur, na França; e Robert Gallo, do Instituto Nacional de Saúde dos EUA. Porém, por usarem métodos diferentes para isolar e identificar o vírus, acabaram entrando em uma disputa por patente e nomenclatura que só foi resolvida em 1987, quando decidiram dividir os créditos e lucros.
Montagnier e sua equipe foram os primeiros a publicar um artigo sobre o patógeno em maio de 1983, no qual o chamaram de LAV (Lymphadenopathy Associated Virus — "Vírus Associado à Linfadenopatia"). Eles o isolaram em um paciente francês com sintomas da síndrome e mostraram que ele infectava e matava células do sistema imunológico humano.
Gallo e seu time publicaram quatro artigos, em agosto de 1984, referindo-se ao agente causador da AIDS como HTLV-III (Linfotrópico da célula-T humana 3). Eles obtiveram o agente de vários indivíduos americanos com a doença e demonstraram que ele era capaz de provocar a enfermidade em células cultivadas em laboratório. Além disso, os pesquisadores dos EUA também desenvolveram um teste sanguíneo para detectar a presença do agente — contudo, ele tinha limitações de sensibilidade e especificidade.
Em 1986, a Organização Mundial da Saúde (OMS) e o Comitê Internacional de Taxonomia de Vírus renomearam o vírus como HIV (Vírus da Imunodeficiência Humana), que é o nome pelo qual é conhecido até hoje.
Essa descoberta no início dos anos 1980 foi fundamental para o avanço da pesquisa. Ela permitiu que os cientistas rastreassem sua origem em primatas africanos e estimassem quando ele surgiu pela primeira vez em humanos. Além disso, possibilitou o desenvolvimento de novas formas de prevenir e tratar a infecção, como drogas antirretrovirais e terapias genéticas.
Ativistas do Act Up realizaram vários protestos em Wall Street na década de 80 (Fonte: Timothy Clary/Reprodução)
A identificação do HIV foi um marco para a medicina e a ciência, abrindo novas frentes de pesquisa para entender a complexidade e a diversidade do vírus, e gerando uma colaboração internacional e o financiamento público que foram fundamentais para o avanço da luta contra a síndrome.
No campo social, ela auxiliou a lidar com a desinformação e o preconceito gerados em torno da doença, mas não foi capaz de erradicá-los por completo. Muitos ainda viam a AIDS como a "peste gay", ou uma espécie de punição divina contra homossexuais, e alguns acreditavam que poderia ser até mesmo uma conspiração para eliminar grupos marginalizados. Para piorar esse estigma, a mídia muitas vezes sensacionalizou os casos, criando manchetes alarmistas e perpetuando estereótipos negativos.
Devido a isso, começou a surgir uma mobilização de ativistas e organizações não governamentais para defender a dignidade das pessoas infectadas, bem como para promover a educação e a prevenção da doença, levantando também questões éticas, políticas e culturais sobre a sexualidade, a saúde pública e os direitos humanos.
Conforme mais informações se tornaram disponíveis e as campanhas de prevenção e tratamento se intensificaram, o medo e a histeria em torno da AIDS começaram a diminuir. No entanto, ela continua altamente estigmatizada e a discriminação contra seus portadores permanece um problema em muitas partes do mundo.
(Fonte: GettyImages/Reprodução)
Na época, não havia nenhum tratamento específico para a infecção pelo HIV e muitos pacientes morriam em poucos anos após o diagnóstico. A primeira droga antirretroviral aprovada foi a zidovudina (AZT), em 1987, que inibia a enzima reversa transcriptase do vírus e impedia sua replicação nas células. No entanto, o AZT tinha muitos efeitos colaterais e não era suficiente para controlar a doença.
Nos anos seguintes, novas classes de antirretrovirais foram desenvolvidas, como os inibidores da protease, que bloqueavam outra enzima essencial para o ciclo viral, e os inibidores da entrada do vírus na célula, que impediam sua ligação aos receptores das células CD4+.
Esses medicamentos permitiram a combinação de diferentes drogas em um coquetel antirretroviral que aumentava a eficácia do protocolo e reduzia o risco de resistência viral. A terapia antirretroviral combinada (TARV) foi introduzida em 1996 e transformou a AIDS de uma sentença de morte em uma doença crônica gerenciável. Os pacientes que aderiam ao tratamento podiam viver mais e melhor, com menos complicações e infecções.
O Brasil é um dos países que mais se destaca na resposta à epidemia de AIDS, tanto pela sua política de distribuição gratuita dos antirretrovirais (ARV) pelo Sistema Único de Saúde (SUS), quanto pelas suas ações de prevenção, testagem, diagnóstico e assistência às pessoas vivendo com HIV. A história do tratamento da doença pode ser dividida em algumas fases principais:
A fase inicial foi marcada pelo surgimento dos primeiros casos da doença no país, no começo da década de 1980, e pela falta de conhecimento sobre ela e o vírus causador. Nessa época, não havia tratamento específico e os pacientes morriam em pouco tempo após o diagnóstico. O estigma e a discriminação eram muito fortes e a enfermidade era associada a grupos considerados marginalizados, como homossexuais, usuários de drogas injetáveis e hemofílicos.
A segunda etapa foi caracterizada pelo reconhecimento da AIDS como um problema de saúde pública e pela mobilização da sociedade civil organizada, especialmente dos movimentos sociais ligados aos direitos humanos e à saúde. Nessa época, surgiram os primeiros medicamentos antirretrovirais (ARV), como o AZT, que começaram a ser distribuídos pelo SUS em 1991. Também foram criados os primeiros serviços especializados, como os Centros de Referência e Treinamento (CRT) e os Serviços de Assistência Especializada (SAE). Além disso, foram implementadas as primeiras campanhas de prevenção e conscientização, enfatizando a importância do uso do preservativo nas relações sexuais.
A terceira trouxe a consolidação da política nacional de enfrentamento à doença e o fortalecimento do SUS como responsável pelo acesso ao tratamento. Nessa fase, o Brasil se tornou referência mundial ao adotar uma postura soberana e ousada na negociação com as indústrias farmacêuticas para a produção nacional e a importação compulsória de medicamentos genéricos mais baratos e eficazes. Em 1996, o nosso país passou a oferecer gratuitamente o coquetel antirretroviral (combinação de vários ARV) a todas as pessoas infectadas que necessitavam de cuidados. Em 1999, foi assinado um acordo com o Banco Mundial para impulsionar as ações de controle e prevenção.
A quarta fase foi caracterizada pela ampliação das estratégias de prevenção combinada e pela incorporação de novas tecnologias para o tratamento do HIV. Nela, surgiram novas classes de ARV, como os inibidores de protease, os inibidores de integrase e os de entrada, que aumentaram as opções de tratamento e melhoraram a qualidade de vida dos indivíduos vivendo com o vírus.
Também foram introduzidas novas intervenções biomédicas baseadas no uso de antirretrovirais para reduzir o risco de infecção, como a profilaxia pós-exposição (PEP), a profilaxia pré-exposição (PrEP) e o tratamento como prevenção (Tasp). Além disso, foram reforçadas as medidas de prevenção clássicas, como o uso do preservativo masculino ou feminino, a testagem regular para a doença e outras infecções sexualmente transmissíveis (IST), a redução de danos para usuários de drogas injetáveis e a prevenção da transmissão vertical (de mãe para filho).
Atualmente, cerca de 920 mil pessoas vivem com HIV no Brasil, segundo o Ministério da Saúde. Dessas, 89% foram diagnosticadas e 77% fazem tratamento com ARV. O número de casos e mortes por AIDS vem caindo nos últimos anos, graças ao avanço do tratamento e da prevenção. No entanto, ainda há desafios a serem enfrentados, como a ampliação do diagnóstico precoce, a adesão ao tratamento, a eliminação do estigma e da discriminação e a garantia dos direitos das pessoas convivendo com o vírus.
Paciente Londres (Fonte: John Attenborough - The Times/Reprodução)
Apesar dos avanços na intervenção medicamentosa, ainda não existe uma cura definitiva para a AIDS. O vírus permanece latente em alguns reservatórios celulares, como nos linfócitos T memoriais, que escapam da ação dos antirretrovirais e podem reativar a infecção se o tratamento for interrompido. Por isso, os pesquisadores buscam desenvolver terapias que eliminem ou controlem o problema sem depender de medicamentos.
Uma das estratégias é o transplante de medula óssea com células-tronco hematopoiéticas de doadores que possuem uma mutação genética que confere resistência ao HIV. Essa mutação impede a expressão do receptor CCR5 nas células CD4+, que é usado pelo vírus para entrar na célula.
Essa abordagem foi bem-sucedida em dois casos conhecidos como o "paciente de Berlim" e o "paciente de Londres", que se tornaram os primeiros e únicos indivíduos curados da síndrome até o momento. No entanto, esse procedimento é muito arriscado e inviável para a maioria das pessoas.
Outras terapias em estudo envolvem o uso de anticorpos monoclonais, vacinas terapêuticas, edição genética e imunoterapia. Essas táticas visam eliminar ou silenciar o vírus nos reservatórios celulares, ou estimular o sistema imunológico a reconhecer e eliminar as células infectadas. Apesar dos desafios e limitações, essas terapias representam uma esperança para os milhões de pessoas que convivem com HIV no mundo.