Ignaz Semmelweis: o 'pai da higiene hospitalar' que parou no manicômio

05/09/2023 às 14:004 min de leitura

Entre os períodos que compreendem a Idade Média e a Idade Moderna, foram denominados hereges todos os que ameaçaram a autoridade intelectual que também era a Igreja Católica. Por isso foram caçados, presos, enforcados ou queimados na fogueira. No centro desse problema estão os filósofos, cientistas e pensadores, como Galileu Galilei, Michael Servetus, Thomas Aikenhead e Giordano Bruno.

Tudo o que se propuseram a descobrir serviu para revolucionar os campos científicos, revelar aspectos do universo, do pensamento e funcionamento humanos; contribuindo para que evoluíssemos ao longo da história humana e da sociedade. Naquela época, a manutenção da dissidência, instabilidade e controle da informação, sempre frequentemente alinhada à Igreja, fez com que fossem interrompidas de maneira permanente ideias que questionassem a mínima ordem estabelecida sobre as coisas.

(Fonte: Aish/Reprodução)(Fonte: Aish/Reprodução)

Com o passar do tempo, perderam espaço nos códigos legais e culturais das sociedades a influência, eficácia e o propósito dramático das punições públicas sustentadas pelo Tribunal da Inquisição, mas não a necessidade de coibir ideias dissidentes. O diagnóstico de “louco” e o encerramento de pessoas em hospitais psiquiátricos se tornou a medida das autoridades do século XIX.

Os hospitais psiquiátricos se tornaram verdadeiros "depósitos humanos", onde os pacientes eram abusadas e estudados inescrupulosamente. A maioria das pessoas sãs que iam parar lá acabavam, muitas vezes, se perdendo ou ficando doentes por conviverem em meio à loucura e também pelo excesso de abuso. Esse pode ter sido o caso de Ignaz Semmelweis, o médico que inventou a higiene hospitalar.

Uma mente inquieta

Ignaz Semmelweis. (Fonte: GettyImages/Reprodução)Ignaz Semmelweis. (Fonte: GettyImages/Reprodução)

Desde que ingressou na medicina, o húngaro Semmelweis foi tratado com descaso, apesar de ser brilhante. Quando se candidatou a uma posição no Hospital Geral de Viena, em 1846, ele foi relegado a administrar a divisão menos desejável da obstetrícia, a parte de trabalhos de parto. Naquela época, esse campo era considerado rejeitado devido à crueza do trabalho, que não era considerado "suficientemente científico", e pelo tabu que envolvia homens tocando nas partes íntimas de uma mulher.

Contudo, o motivo pelo qual o médico parou nessa posição foi por ser húngaro e judeu. Ainda assim, isso não impediu que Semmelweis tivesse sucesso. 

Ao presidir as duas maternidades do hospital, ele começou a notar que a enfermaria administrada por parteiras sustentava uma taxa de mortalidade 17% menor em relação a outra, que ficava perto da sala de autópsia. Nessa, normalmente as crianças não conseguiam sobreviver, sempre acometidas por casos mortais do que os médicos denominavam "febre infantil".

(Fonte: Publicados Brasil/Reprodução)(Fonte: Publicados Brasil/Reprodução)

As mulheres tinham tanto medo de serem encaminhadas para a segunda enfermaria, que preferiam dar à luz sozinhas ou nas ruas do que arriscar serem internadas lá. Diariamente, Semmelweis ouvia grávidas da segunda enfermaria implorando para receberem alta porque acreditavam que os médicos que as tratavam eram verdadeiros "arautos da morte".

Muito diferente do que acontecia, o obstetra húngaro foi o único que parou e ouviu as queixas de suas pacientes. Sua mente inquieta desenvolveu uma obsessão em encontrar uma resposta para todo aquele medo e epidemia de febre infantil que matava quase um terço dos seus pacientes.

O apelo

(Fonte: Memoria Chilena/Reprodução)(Fonte: Memoria Chilena/Reprodução)

Constava na literatura médica do século XIX, a teoria de que as infecções e propagação de doenças que causam surtos epidêmicos eram frutos de miasmas: vapores ou emanações fétidas transmitidas pelo ar. Acreditava-se que, ao serem inalados, esses vapores podiam infectar as pessoas e causando doenças graves, como cólera, malária e febre tifoide. Elas vinham de vapores considerados nocivos por serem provenientes de matéria orgânica em decomposição, água estagnada, esgoto e outras fontes de poluição do ar.

Isso levou o governo a propor medidas de isolamento em áreas insalubres da cidade, a drenagem de pântanos, melhorias nos sistemas de esgoto e na ventilação dos edifícios. Tudo isso para prevenir o contágio da população.

Na teoria, a desinfecção do ambiente e do ar era fundamental para o tratamento médico na época, feito por meio do uso de substâncias aromáticas e queima de incenso, porém, nada disso era sendo usado no Hospital Geral de Viena. 

Com isso, Semmelweis refletiu: como as duas alas estavam tão próximas e uma tinha maior qualidade de vida do que a outra? Nada disso parecia certo.

(Fonte: Bettman, Corbis/Reprodução)(Fonte: Bettman, Corbis/Reprodução)

Ao investigar, Semmelweis pensou que deveria haver alguma relação entre a rotina das enfermarias. As parteiras nunca entravam na sala post-mortem, tampouco manuseavam cadáveres, enquanto os médicos realizavam uma autópsia e iam direto para a maternidade ao lado dar à luz a um bebê.

Semmelweis concluiu que a febre puerperal poderia ser causada pelos médicos transmitindo algum tipo de "veneno mórbido" dos cadáveres dissecados na sala de autópsia para as mulheres em trabalho de parto.

Demorou até 1847 para que o médico pudesse finalmente confirmar sua teoria, após um incidente de trabalho. Um de seus colegas de profissão, Jakob Kolletschka, morreu de sepse ao se cortar com o bisturi que usava para inspecionar um cadáver. Durante a autópsia do seu amigo, Semmelweis notou que as lesões no corpo dele correspondiam àquelas no cadáver que dissecava quando se cortou acidentalmente. Ou seja, o "miasma" foi transferido pelo bisturi, não pelo ar.

Em 15 de maio de 1850, o médico húngaro subiu ao pódio da sala de conferências do Hospital Geral de Viena, em frente a todos os médicos do quadro da instituição, e fez um apelo simples: "lavem as mãos".

Loucura e sensatez

(Fonte: Science Museum/Reprodução)(Fonte: Science Museum/Reprodução)

Semmelweis exigiu que todos os funcionários esfregassem as mãos com cloreto de cálcio antes de tocar seus pacientes. Dois anos após o novo protocolo, a taxa de mortalidade em ambas as enfermarias despencou.

Engana-se, porém, quem imagina que as ideias do médico húngaro foram aceitas por todos. Semmelweis foi muito perseguido por aqueles que não aceitavam que eram culpados pela morte miserável dos seus pacientes. O médico não poupou palavras para discutir com os superiores mais poderosos do hospital, que não só questionaram suas ideias como determinaram sua demissão.

Ao apresentar seu trabalho de uma vida à comunidade médica com a publicação de A etiologia, o conceito e a profilaxia da febre infantil, em vez de sua descoberta ter sido celebrada, foi rejeitada, ridicularizada e evitada pela maioria da comunidade, que preferiu se ater às velhas ideias de miasmas se espalhando pelo ar.

Semmelweis se mudou para Budapeste, onde continuou a pregar a importância dos procedimentos antissépticos no hospital onde foi admitido e a receber comentários hostis. Toda essa ridicularização afetou o médico húngaro a ponto de deprimi-lo. É quase um consenso entre os historiadores que toda essa ridicularização o tenha deprimido e contribuído para o desenvolvimento de demência precoce.

O fim de uma mente brilhante

(Fonte: All That's Interesting/Reprodução)(Fonte: All That's Interesting/Reprodução)

Com isso, seu comportamento errático começou a se tornar cada vez mais agressivo com os críticos. Até que, em 30 de julho de 1865, ele foi atraído e internado em um hospital psiquiátrico, como parte de um plano orquestrado pela comunidade médica e as autoridades de Budapeste.

A luta que Semmelweis travou para tentar sair do local, associada aos seus proeminentes problemas de saúde mental, apenas serviram para piorar seu quadro. Ele recebeu todo o tratamento que um paciente comum teria, sendo submetido a banhos com água fria e alimentado à força com laxantes.

Duas semanas depois, o médico morreu aos 47 anos, abandonado em uma cela da instituição. Existe um debate até hoje sobre o que causou a sua morte precoce. Há quem diga que foi a sífilis, adquirida durante uma operação, o que também poderia explicar sua insanidade repentina. Outros acreditam que o obstetra foi espancado até a morte.

Ignaz Semmelweis, o homem brilhante que revolucionou a história da medicina moderna, foi vítima de um tempo que ainda não estava pronto para ouvir o que ele tinha a dizer.

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