Ciência
24/07/2018 às 04:30•5 min de leitura
Concluímos a primeira parte de nossa História dos Efeitos Especiais no Cinema citando a incrível obra de Georges Méliès chamada “Viagem à Lua” como um dos primeiros marcos importantes do avanço dos efeitos especiais no cinema. Certamente, trata-se de um filme que colocou na tela praticamente todos os recursos até então inventados para “enganar” os espectadores, mas não foi o único.
O mesmo Méliès aplicou suas técnicas avançadas para a época em uma série de outras obras, como em “Cinderella”, de 1899, onde era possível ver uma abóbora se transformando em uma carruagem, ou em “O Homem da Cabeça de Borracha”, com cenários desenhados e um efeito que fazia a cabeça do protagonista inflar até explodir. Não é à toa que o ofício original de Méliès era o ilusionismo.
Norman Dawn criou o matte shot, uma técnica em que parte do filme tinha sua exposição coberta por papelão para receber o registro de imagens de locais ou objetos diferentes
As primeiras décadas do século XX foram acompanhadas por novidades no mundo dos efeitos especiais, que se tornavam cada vez mais inventivos e complexos – e, por consequência, mais ambiciosos e realistas.
Nos anos 1910, Norman Dawn criou o matte shot, uma técnica em que parte do filme tinha sua exposição coberta por papelão para receber o registro de imagens de locais ou objetos diferentes – como uma versão extremamente primitiva do que é feito hoje com a chroma key, aqueles fundos verdes ou azuis que são trocados em pós-produção por outras cenas. Essa técnica também serve para substituir fachadas de lojas ou prédios com outros nomes ou aplicar uma paisagem diferente em um fundo de cenário.
Avançando para os anos 1920 e 1930, o grande efeito da moda era o Schüfftan, famoso por ter sido usado bastante no filme “Metropolis”, de 1927, uma das películas que revolucionaram a história dos efeitos especiais. Criado por Eugen Schüfftan, esse processo usa espelhos, vidros e iluminação para criar a ilusão de algo estar em um lugar diferente.
Uma técnica similar já era usada nos teatros e era conhecida como fantasma de Pepper. Até hoje esse efeito é usado para criar a ilusão de “espíritos” em parques de diversão e até no Walt Disney World. Foi esse mesmo processo que trouxe de volta para os palcos Tupac Shakur e Michael Jackson mesmo depois de ambos terem falecido – em forma de hologramas, é claro.
Essas mesmas décadas trouxeram outra técnica que melhorou muito os filmes da época: a retroprojeção de cenários. Assim, em vez de usar pinturas como fundo para as cenas, um projetor emitia imagens em movimento no background de filmagem, dando mais realismo as películas que precisavam de uma paisagem mais viva por trás dos atores.
Além de Méliès, Dawn e Schüfftan, outros grandes nomes contribuíram muito para o desenvolvimento do cinema primitivo no início do século XX. Robert W. Paul construiu sua própria câmera copiando o sistema desenvolvido por Thomas Edison e, com isso, conseguir produzir filmes que colaboraram muito para a evolução dos efeitos especiais.
Com tantas melhorias nos quesitos técnicos, os efeitos especiais começaram também a ser enriquecidos por atores
O inglês G.A. Smith também criou uma câmera e patenteou a exposição dupla com a qual “filmou fantasmas” em 1909, além de usar miniaturas de avião para representar um ataque aéreo a Londres em 1919. Albert Smith e J. Stuart Blackton filmaram batalhas usando fotos, pinturas e miniaturas, inclusive armas que atiram água para simular o trabalho de bombeiros para apagar um incêndio.
Porém, com tantas melhorias nos quesitos técnicos, os efeitos especiais começaram também a ser enriquecidos por atores. Especialistas em realizar cenas peculiares, até perigosas, esses profissionais arriscavam suas vidas para encenar situações absurdas e entreter os espectadores. Era uma atividade parecida com a desempenhada hoje por dublês, mas antigamente eram os próprios atores que encaravam esse fardo. Entre eles, sem dúvida o pioneiro e mais importante foi Buster Keaton.
O ator sobreviveu a uma série de lesões graves ou saiu ileso de situações de alto risco; morreu aos 70 anos, em decorrência de câncer no pulmão
Buster Keaton foi um produtor, diretor, roteirista e ator de comédia que revolucionou o cinema com seu humor físico que ainda faz parte do cinema até hoje. Muito além disso, Keaton colocava a vida em risco em cenas de tirar o fôlego e se feriu muitas vezes gravando seus inúmeros filmes, tudo isso sempre para tirar risadas do público e espantá-los com a magia do cinema.
Nascido em uma família de artistas, Keaton, juntamente com seus pais, já fazia parte dos números encenados de Vaudeville, um gênero de entretenimento popular em circos na virada do século XIX para o XX, com apenas 6 anos de idade. Seu pai era um grande amigo do lendário ilusionista Harry Houdini, que teria apelidado o pequeno Joseph Keaton de Buster – algo como “destruidor” – após o garoto, com 1 ano e meio de idade, ter caído por diversos degraus de uma escada e saído ileso do acidente.
Fato ou ficção, essa história acabou sendo carregada por Buster por toda sua vida: o ator sobreviveu a uma série de lesões graves ou saiu ileso de situações de alto risco; morreu aos 70 anos, em decorrência de câncer no pulmão – desse perigo, Keaton não foi capaz de escapar nem por um triz.
Os efeitos especiais usados foram os cálculos matemáticos exaustivos da produção e, claro, o principal ingrediente: a coragem e o sangue frio do ator
Keaton nunca em sua carreira se negou a participar de alguma cena, independentemente do quão perigosa fosse. Ele, inclusive, inventava situações ainda mais arriscadas para serem filmadas e chegava a servir como dublê para outros atores que não tinham a mesma coragem para encarar tomadas mais complicadas.
Uma das cenas mais memoráveis de toda sua carreira é uma em que a fachada de uma casa de madeira – enorme, por sinal, pesando mais de 2 toneladas – despenca em cima de Keaton, e ele escapa por estar perfeitamente posicionado no vão da janela. Nesse caso, os efeitos especiais usados foram os cálculos matemáticos exaustivos da produção e, claro, o principal ingrediente: a coragem e o sangue frio do ator. A cena, que é engraçadíssima a princípio, torna-se apavorante quando a analisamos mais profundamente:
Outro grande nome dos efeitos especiais para o cinema no começo do século XX foi Linwood G. Dunn. O cineasta é responsável por criar técnicas avançadas para a época que permitiram a filmagem de grandes clássicos, como “King Kong”, de 1933, e “Cidadão Kane”, de 1941, considerado uma das maiores obras da história da Sétima Arte.
Talvez, de todas as obras desse período do cinema, a maior referência em termos de efeitos especiais seja 'Metropolis', do cineasta alemão Fritz Lang
Dunn usou técnicas como o stop-motion e diversas miniaturas de todos os tamanhos para retratar o gorila gigante que perambula por Nova York e acaba subindo no Empire State Building. As imagens de Xanadu em “Cidadão Kane” também contaram com processos de efeitos especiais para ganhar vida no cenário da película, que apresenta imagens muito mais realistas do que os filmes anteriores.
Isso foi possível com o uso da impressora óptica, um dispositivo que liga mecanicamente um projetor de filmes a uma câmera de cinema, tornando possível a refotografia de cenas, efeitos como fade in e fade out, câmera lenta e muito mais. Esse aparelho foi completamente reformulado por Dunn, que mostrou que era possível utilizá-lo para combinar imagens e novas maneiras e criar novas e mais realistas ilusões para os espectadores.
Talvez, de todas as obras desse período do cinema, a maior referência em termos de efeitos especiais seja “Metropolis”, do cineasta alemão Fritz Lang. O filme de ficção científica trouxe para os espectadores um universo completamente novo em termos de visual, mostrando um cenário urbano distópico e abusando de técnicas expressionistas alemãs.
No final dos anos 1920 e começo da década de 1930, os filmes passaram a ter uma novidade que também mudou a história do cinema: sons sincronizados e falas
A direção de fotografia ficou a cargo de Karl Freund e Gunther Rittau. A criatividade de ambos foi a principal responsável pelas técnicas que deram vida ao filme. Para representar a cidade de Metropolis, foi usada uma combinação de elementos em duas e três dimensões, consistindo de desenhos e pinturas, modelos planos de relevo de madeira e outros tridimensionais com escala de 1/16 das alturas simuladas.
Trezentos modelos de carros foram usados nas cenas da cidade, e cada um era movido apenas alguns milímetros para a frente para ser registrado em cada quadro, resultando em uma imagem em movimento do tráfego urbano, enquanto os aviões eram movidos por arames. Além disso, o efeito Schüfftan foi bastante usado e aprimorado.
No final dos anos 1920 e começo da década de 1930, os filmes passaram a ter uma novidade que também mudou a história do cinema: sons sincronizados e falas. Era o fim da era dos títulos mudos e o início do uso dos efeitos sonoros, que são parte importantíssima dos efeitos especiais de uma película. Esse assunto, porém, fica para a próxima parte da História dos Efeitos Especiais no Cinema.
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História dos efeitos especiais no cinema #2: tecnologia e risco de vida via TecMundo