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11/03/2020 às 13:23•6 min de leitura
O macarrão é um dos alimentos mais acessíveis do mundo, sendo extremamente popular e barato, apresenta versões exclusivas em vários países diferentes. Na Alemanha e Hungria, existe o spaetzle. Na Grécia, o orzo. Os japoneses adoram o udon, que no verão é consumido gelado e mergulhado em um molho.
A verdade é que, quando pensamos em macarrão, acreditamos que foi criado na China e trazido por Marco Polo à Itália. Inclusive, já teve outra matéria aqui no site falando sobre isso. Porém, a real origem desse alimento é um pouco mais complexa.
E relaxem, não vou mandar um “é verdade este bilhete”apenas por ser descendente de italianos, eu vou usar fatos históricos! Um alerta final: essa matéria provavelmente vai abrir o seu apetite (com certeza abriu o meu).
Esse debate é muito antigo, inúmeras teorias já foram apresentadas, e algumas são bem exageradas. Se levarmos em consideração que as massas são uma combinação de farinha, água e às vezes ovos, veremos que elas estão presentes no mundo inteiro há muito tempo.
Diversos escritores italianos argumentaram que uma tumba do século IV a.C. tinha um uma espécie de equipamento para fazer massas, sugerindo que o prato já era apreciado na Itália pré-romana. Mas esse fato foi contestado por historiadores de comida, os quais ressaltaram que as referências na era romana a qualquer coisa semelhante às massas são escassas.
Outros historiadores observaram vários marcos lexicais relevantes às massas, que possuem as mesmas características básicas. Nas obras do médico grego Galeno do século II d.C., é mencionado o itrion, um composto homogêneo feito de farinha e água. O Talmude de Jerusalém registra que o itrium, uma espécie de massa cozida, era comum na Palestina do século III ao V a.C. Um dicionário compilado por Isho bar Ali, médico e lexicógrafo árabe do século IX, fala do itriyya, um alimento em formato de cordas e feito com sêmola, o qual era deixado para secar antes de ser preparado.
Além disso, existem relatos desde o século I d.C. sobre um prato conhecido como lagnum, que consistia em folhas finas de uma massa frita que faziam parte da alimentação diária. Um livro de receitas do século V também apresenta registro das lagana (o plural de lagnum) — prato feito com camadas de massa recheadas com carne, ou seja, um ancestral bem distante da "lasanha moderna". Porém, o método de cozinhar essas folhas de massa não corresponde à nossa definição moderna de um produto de massa fresca ou seca, então talvez a única ligação aqui sejam os ingredientes básicos e o formato.
Levando em consideração as descrições dos pratos acima, a versão mais aceita pelos historiadores é a do alimento árabe que foi levado para a Sicília no século IX d.C., quando eles conquistaram a maior ilha italiana. Porém, a iguaria provavelmente estabeleceu-se na Itália como resultado do extenso comércio no Mediterrâneo, na Idade Média. Nessa época, a Sicília tornou-se o centro mais importante do comércio e da exportação de macarrão. Os navegadores genoveses transportavam o produto para importantes portos de comércio, como Nápoles, Roma, Piombino e Viareggio.
As primeiras informações concretas sobre massas alimentícias na Itália datam do século XIII ou XIV. Em 1279 (16 anos antes do retorno de Marco Polo), foi registrada uma cesta de massas no inventário de bens de um soldado genovês chamado Ponzio Bastione. A palavra usada na descrição é macaronis, derivada do verbo maccari, palavra de um antigo dialeto da Sicília cujo o significado é "achatar". Esse verbo, por sua vez, veio do termo grego makar, que significa "sagrado".
O famoso mito de que as massas foram trazidas da China para a Itália apareceu pela primeira vez no Macaroni Journal, publicado por uma associação de indústrias de alimentos com o objetivo de difundir as massas nos Estados Unidos; originou-se de uma interpretação ruim de uma passagem famosa nas Viagens de Polo. Nela, o viajante menciona uma árvore na qual havia algo como macarrão. A planta provavelmente era a palmeira-sagu, que produz um alimento rico em amido, o qual parece macarrão. Essa comida provavelmente deve ter lembrado o viajante veneziano das massas de seu país de origem.
Achou que eu iria falar só da origem? De jeito nenhum! Este é o MegaCurioso e ainda temos mais curiosidades para compartilhar!
O macarrão ficou tão popular entre os italianos que chegou até a ser mencionado no século XIV pelo famoso escritor Giovanni Boccaccio. Em sua coleção de contos, O Decamerão, ele apresenta uma fantasia de abrir qualquer apetite sobre uma montanha de queijo parmesão, pela qual chefes rolam macarronis e raviólis para os glutões que aguardam ansiosamente.
Em 1390, Franco Sacchetti, outro poeta e escritor de contos, também conta como 2 amigos se encontram para comer macarrão. Eles comem do mesmo prato, como era costume na época, mas um deles tem mais apetite do que o outro. Noddo, um dos rapazes, é um comilão que vai empilhando todo o macarrão no seu lado do prato, mandando 6 garfadas enquanto Giovanni, o outro amigo, ainda estava na sua primeira, esperando a comida esfriar um pouco.
Mas qual era o sabor desse macarrão que Noddo comeu com tanto gosto, mesmo com o risco de queimar a língua? Durante o período da Idade Média, até o início do século XVI, as massas eram consumidas de uma forma totalmente diferente da atualidade. Elas eram cozidas por mais tempo, não existia a preferência moderna por massas "al dente". Além disso, eles ainda não tinham descoberto o tomate, então as massas eram misturadas com ingredientes que seriam vistos como surpreendentes hoje, combinando sabores doces, salgados e picantes.
No começo, as massas eram consideradas um alimento para os ricos, ocupando lugar de destaque nos banquetes aristocráticos durante o Renascimento. Por exemplo, Bartolomeo Scappi, um chefe papal de meados do século XVI, criou um terceiro prato para um banquete — o qual era composto de frango cozido acompanhado de ravióli recheado com uma pasta feita de barriga de porco cozida, úbere de vaca, porco assado, queijos parmesão e fresco, açúcar, ervas, especiarias e passas (não falei que eles misturavam ingredientes julgados inusitados atualmente?).
A receita do chefe para o maccheroni alla romanesca era igualmente elaborada. A massa era uma composição de farinha e farelos de pão, misturada com leite de cabra e gema de ovo, achatada até parecer uma folha, e então cortada em tiras finas. Depois de secar, o macarrão era cozido por meia hora, coado e coberto com queijo ralado, fatias de manteiga, açúcar, canela e pedaços de provatura — uma variante romana do queijo muçarela. Finalmente, o prato era levado ao forno por 30 minutos com um pouco de água de rosas para que o queijo derretesse enquanto a massa incorporava o sabor dos temperos. Não é nenhuma surpresa que Giulio Cesare Croce, outro autor do século XVI, tenha colocado essa iguaria em sua lista de “pratos de engorda”.
Em Nápoles, no final do século XVII, as massas passaram a se tornar o principal alimento da dieta da plebe. Tanto que, a partir de 1700, os napolitanos foram apelidados de mangiamaccheroni (comedores de macarrão). Várias explicações foram apresentadas para tal fato, uma delas foi a deterioração do padrão de vida dos plebeus, que limitava significativamente o acesso deles à carne. Já os grandes proprietários de terras no Reino de Nápoles ou na Sicília vendiam trigo a um preço relativamente barato.
Outro ponto importante foram os costumes religiosos. Estes tornavam a massa o alimenta ideal nessa época em que era proibido consumir carne. Talvez o principal motivo para a dramática disseminação desse alimento tenha sido sua produção industrial a partir do século XVII, com o desenvolvimento de máquinas como o torchio — uma prensa mecânica para fazer macarrão ou aletria.
Com o aumento do consumo, as massas passaram a ser associadas aos lazzaroni (mendigos). Com isso, surgiu até um ditado: "Quando um lazzarone reúne quatro ou cinco moedas para comer macaroni naquele dia, ele deixa de se preocupar com o amanhã e para de trabalhar".
É lógico que essa popularização não impediu que as massas continuassem a ser um dos pratos favoritos das classes altas, sendo o Rei Fernando IV de Nápoles um grande apreciador do alimento (ele comia com tanto gosto que não usava nem talheres para isso).
Com o tempo, as receitas foram mudando drasticamente até chegarem ao estilo que conhecemos hoje. Dentre as alterações mais drásticas, estão os temperos adicionados às massas. O doce foi substituído pelo salgado quando passaram a usar vegetais no lugar de açúcar, o que também aumentou o nível nutricional dos pratos. E os tomates, que atualmente são amplamente associados ao macarrão, só foram introduzidos no início do século XIX. Uma curiosidade engraçada é que os italianos o evitaram por muito tempo, por considerarem a fruta exótica demais. Na verdade, a 1ª receita que mais se assemelha ao nosso prato de macarrão atual e mais comum só apareceu em 1844: o espaguete com molho de tomate.
O cientista francês Paul-Jacques Malouin foi o responsável por levar o comércio da aletria a Paris. E, com isso, também importou as técnicas de produção industrial que tinha visto em Nápoles para a capital francesa, incluindo a amassadeira e uma espécie de prensa de parafuso para macarrão.
Nesta gravura do livro publicado por Malouin em 1767, podemos ver um operador sentado em uma barra (A) se movendo para cima e para baixo amassando a massa (B). Esse processo levava 2 horas para ser finalizado. Depois de amassado, o preparo era colocado em um cilindro comprimido por um parafuso (C). A prensa era girada usando um sistema de alavancas e cabos movidos por outra pessoa (D). Então, finalmente, os fios de macarrão saíam na parte mais baixa (E).