Ciência
16/02/2021 às 06:00•3 min de leitura
Comumente, muitas pessoas, quando escutam histórias provenientes do Oriente ou quando falam acerca de culturas orientais, tendem atribuir a elas adjetivos como “místico” ou “exótico”. Em meio a vários povos que lá vivem, diversas culturas, costumes, gastronomias e expressões artísticas, há uma em especial que desperta a curiosidade dos ocidentais: a dança do ventre.
Quem não se lembra dessa dança e das ideias que a permeiam — misteriosa, mística, com odaliscas sensuais em haréns, repleta de joias, perfumes, incenso, etc.? Pois é, seja pelas novelas, propagandas, algumas literaturas ou mesmo pelo senso comum, existe toda uma fantasia sobre a origem dessa expressão artística e de quem a dança.
Alguns exemplos dessas “teorias” são: é uma dança que teve origem em rituais ligados a sacerdotisas, à feminilidade, à religião ou ao sagrado no Antigo Egito; surgiu nos haréns de sultões entre suas várias esposas; as mulheres dançavam para agradar os seus maridos e “segurar o casamento”; é uma dança com movimentos sensuais porque se originou em rituais de fertilidade.
Enfim, o imaginário “vai muito longe”, mas nada disso está correto. Na realidade, essas opiniões estão repletas de pré-conceitos muito atrelados à figura da mulher e às regiões orientais, funcionando como rótulos que alimentam o imaginário do senso comum da população mundial. Além disso, outra incoerência é a quantidade de histórias inventadas acerca disso, pois realmente não há historiografia em abundância sobre esse tema.
Desse modo, o que sabemos sobre a origem da dança vem de poucos registros que temos sobre ela. Um exemplo disso são relatos de viajantes pelo Egito, como do explorador italiano Giovanni Belzoni, que esteve nessa região de 1816 a 1819 e escreveu em um diário as suas diversas impressões sobre os povos nativos dos locais pelos quais passou.
Segundo o historiador Edward Said, esses registros, como os descritos por Belzoni, refletem estereótipos que fazem parte de um discurso do Ocidente em relação ao Oriente, isto é, são opiniões que têm berço na cultura europeia. Dessa forma, para designar todo esse universo de rotulações, o pesquisador criou a expressão “Orientalismo”.
Ainda na perspectiva de Said e de acordo com o Hunna Coletivo (grupo de pesquisadoras, historiadoras e bailarinas de dança do ventre), isso é reflexo do processo colonial do século XIX quando esses estereótipos eram utilizados pelos europeus para caracterizar os orientais como primitivos, exóticos, irracionais e atrasados. Mas qual é a relação disso tudo com a dança do ventre?
Bem, como esses estereótipos eram aplicados a tudo e a todos do Oriente, as mulheres não ficaram de fora. Assim, os europeus criaram uma imagem da mulher e da dança oriental. Naquela época, os homens ocidentais tiveram contato com as dançarinas de regiões do Oriente Médio e do Norte da África, as chamadas ghawázees. A dança delas se caracterizava por movimentos de quadril, o que logo levou os europeus a ligarem esse tipo de movimentação a uma dança de sedução. Na visão deles, aquela dança tinha apelo erótico.
Considerando isso, as ghawázees despertaram muito o interesse dos europeus. Então, segundo o Hunna, vistas como a representação do exótico, primitivo e colonial, essas dançarinas foram levadas à Europa e aos EUA para serem exibidas em Exposições Universais. Desse modo, elas foram ficando cada vez mais populares no Ocidente e obtendo bastante influência no Oriente Médio, chegando até o cinema egípcio e sendo amplamente conhecidas no mundo (principalmente pela chamada Golden Era).
Assim, a dança do ventre foi sendo disseminada pelo mundo, sendo praticada em muitos locais e recebendo diversas influências. Com isso, mostrando-se em estilos diversos, na dança do ventre das russas, argentinas, norte-americanas, africanas, egípcias, libanesas e, é claro, brasileiras. Portanto, todo esse imaginário “exótico”, com histórias eróticas sobre mulheres e que julgam culturas como atrasadas, não passa de uma visão deturpada que os ocidentais criaram dos orientais e a que conhecemos como “orientalismo”.