Ciência
26/03/2021 às 12:00•3 min de leitura
Você sabia que até o dia 31 de janeiro de 2013 era considerado ilegal para uma mulher na França utilizar calças? Instaurada em 1800, após a Revolução Francesa, a lei exigia que mulheres que desejassem "se vestir como homens" tivessem que pedir autorização à polícia para o uso da vestimenta, ou poderiam ser levadas sob custódia.
No início do século XX, uma emenda na legislatura francesa abriu uma brecha para que as mulheres pudessem usar calças, mas apenas em duas situações específicas: se estivessem andando de bicicleta ou montando um cavalo. Por fim, a história ficou como um lembrete de como algo tão simples quanto usar um jeans podia ser uma verdadeira pedra no sapato na vida da população feminina.
(Fonte: Wikimedia Commons)
Apesar da proibição do uso de calças para as mulheres ter sido algo bastante comum entre os países ocidentais ao longo da história, o sentimento não era compartilhado por muitas culturas orientais. De acordo com historiadores, estima-se que na Ásia Central elas eram já podiam usar a vestimenta há séculos, o que inclusive foi documentado por visitantes ocidentais do Império Otomano.
Era bastante comum acreditar que o desejo das mulheres de usarem calças vinha de uma vontade de parecerem menos femininas na hora de lutar pela igualdade de gênero, mas o histórico dos povos orientais contradizem as suposições. O provável, na verdade, é que outras comunidades tenham sido inspiradas pelas mulheres muçulmanas otomanas.
Mary Wortley Montagu, uma aristocrata feminista inglesa, foi um dos raros exemplos de mulheres que puderam viajar para o exterior durante o Iluminismo. Então em 1716, quando seguiu seu marido embaixador britânico para Constantinopla, Lady Mary acabou caindo de amores pelo jeito turco das mulheres se vestirem e voltou a Europa com ideais de liberdade.
(Fonte: Wikimedia Commons)
Ao contrário do que foi visto no Ocidente anos depois, o surgimento do uso de calças nas sociedades orientais não teve nada a ver com moda, mas sim com praticidade. Na antiga cultura turca, homens e mulheres costumavam usar vestimentas bastante parecidas e o conforto das roupas "unissex" parecia um facilitador para cavalgar por longas distâncias.
Calças turcas típicas eram chamadas de salvar, um tecido longo e largo que dava bastante respiro nas pernas até se fechar bem nos tornozelos. Inclusive, esse estilo é muito mais semelhante às calças modernas do que o visual europeu antes de adotarem algo parecido. No século XVIII, os homens costumavam usar shorts e meias que aumentavam a panturrilha.
Foi apenas quando Lady Mary escreveu sobre sua visita ao Império Otomano que parte da elite da moda europeia começou a se sentir intrigado sobre a cultura oriental. Em suas cartas, a britânica foi concisa em suas opiniões sobre a liberdade de vestir, direitos de propriedade e outras liberdades sociais, econômicas, legais e conjugais que as mulheres eram negadas na Europa.
Conforme mais mulheres também passaram a viajar e descobrir outros cantos do mundo e culturas estrangeiras, a disparidade de direitos foi se tornando evidente. De certa forma, os europeus pareciam estar bastante atrás do Oriente em relação a diversos tópicos envolvendo os direitos das mulheres.
(Fonte: Reprodução Internet)
Apesar das saias longas ainda serem o padrão para as mulheres ocidentais, o "Movimento de Reforma do Vestido" passou a tomar grandes proporções pela Europa e pelas Américas durante a Era Vitoriana, que durou entre 1837 e 1901. Nesse período, as mulheres clamavam abertamente pelo seu direito de usar calças, principalmente devido a suas características práticas e confortáveis.
Segundo o movimento, a proibição do uso de calças parecia ser apenas mais um instrumento social de repressão feminina que se prolongou por tempo demais. Entretanto, sobretudo sobre a perspectiva cristã, a vestimenta ainda parecia inadequada para a feminilidade e adotar parte da cultura turca soava como algo não-cristão.
Apesar de anos de luta, foi apenas em 1940, quando a Segunda Guerra Mundial escalava, que as mulheres foram encorajadas a levar calças para seu guarda-roupa diário, pois elas desempenhavam um papel vital no esforço de guerra. Já na segunda onda do feminismo, que durou entre 1960 e 1970 nos Estados Unidos, diversos estados norte-americanos declararam ilegal para um empregador negar o direto de usar calças às funcionárias.
(Fonte: Pixabay)
Atualmente, é bastante comum que a maioria das mulheres nem pense em algo tão comum quanto a facilidade de vestir calças em um dia de trabalho, mas grande parte disso ser possível pode ser atribuído a influência oriental sobre a sociedade europeia e anos de luta que se deram nos anos consecutivos.
Quanto ao ocorrido na França, inúmeras tentativas de derrubar a lei que aplicava a proibição do uso de calças pelas mulheres foram feitas e ignoradas pelo sistema legislativo, em parte porque as autoridades disseram que a regra não aplicada não era uma prioridade e parte da "arqueologia jurídica" francesa. Resumindo, a lei ficou esquecida por décadas até que houve uma pressão aumentada para derrubá-la.