Artes/cultura
09/10/2021 às 07:00•3 min de leitura
O médico e escritor escocês ficou eternizado na história do romance policial quando começou a lançar suas histórias sobre o famoso detetive Sherlock Holmes, em meados de 1890. Enquanto seu personagem ficou conhecido através dos anos como a personificação da razão e lógica, Doyle sempre foi exatamente o seu oposto, acreditando em forças sobrenaturais e espirituais.
Na virada do século XIX, um período considerado o momento em que o avanço científico foi “abraçado”, bem como o renascimento religioso da Inglaterra vitoriana, Doyle aderiu à doutrina que ganhava força.
Foi assim que ele se tornou um nome célebre do Espiritismo, dedicando parte de sua vida a persuadir os outros a acreditar em espíritos e na vida após a morte, enquanto Holmes, sua criação, fazia o oposto.
(Fonte: Impressio/Reprodução)
Criado como católico romano, a vida religiosa de Doyle começou na escola jesuíta, onde também passou a questionar a própria fé. Ele não conseguia reconciliar doutrinas, como a concepção imaculada, com seu próprio desejo científico pela verdade e o respeito intelectual.
Quando entrou para a Universidade de Edimburgo, ele já se considerava um agnóstico, e foi durante esse período que suas crenças se alinharam mais estreitamente com as de sua futura criação, contando com a observação e dedução. Sua empreitada em estudar crenças religiosas está refletida em seu livro A Study in Scarlet, em que é possível perceber que ele estava interessado no mormonismo — apesar de sua descrição dos mórmons ter sido influenciada por autores sensacionalistas.
(Fonte: Pinterest/Reprodução)
Em Espectros Frágeis: Como as mulheres da Grã-Bretanha Vitoriana Usaram o Movimento Ocultista e Espiritualista para Criar Autonomia, Patricia Clarke ressalta que os seguidores do movimento espírita daquela época acreditavam ser possível “liberar os poderes da espiritualidade pela comunicação com o Além”. Doyle abraçou essa ideia de continuidade da vida após a morte e dos dons psíquicos que as pessoas teriam para se comunicar com os espíritos.
Muitas pessoas relacionam a morte de seu filho, Arthur Alleyne Kingsley, em 1918, com seu desejo desesperado por se agarrar à espiritualidade para tentar se comunicar com os mortos — embora esse fascínio tenha começado muito antes. De fato, tanto ele quanto outros cientistas foram impulsionados para a doutrina por suas perdas pessoais e pelo período obscuro causado pela Primeira Guerra Mundial.
(Fonte: The Public Domain Review/Reprodução)
Por incrível que pareça, Doyle se agarrou tanto ao Espiritismo porque, ao contrário de muitas religiões, foi considerada a única que prometia evidências. Nada nunca abalou a fé de Doyle sobre o movimento, nem mesmo quando as notórias Irmãs Fox, que diziam se comunicar com espíritos e fadas através de um sistema de batidas em paredes e escrita automática, confessaram em 1888 que estavam fingindo sua habilidade desde o início.
Tampouco sua esposa, Jean Leckie, que não só se tornou apaixonada pela crença de Doyle, como também se descobriu médium. Seu dom principal era a psicografia: a capacidade de escrever mensagens ditada por espíritos, um método que se tornou popular na Inglaterra vitoriana.
Leckie afirmava se comunicar com um espírito chamado Phineas, que vivia com o casal, que levaram a possibilidade muito a sério. Por outro lado, como afirmado por Christopher Sandford em um artigo do The Guardian, as coisas que o espírito queria sempre eram muito convenientes ao que a médium também desejava.
(Fonte: Pinterest/Reprodução)
A habilidade dela se tornou controversa principalmente em 1922, quando os Doyle realizaram uma sessão espírita privada em que Leckie afirmou que conseguiria contatar a amada mãe de Harry Houdini, o célebre mágico que nutria uma amizade com o escritor.
A médium criou uma mensagem de 15 páginas, supostamente canalizada da mãe de Houdini, escrita em um inglês perfeitamente correto, que revoltou o mágico em vez de emocioná-lo, contrariando as expectativas do casal. Isso porque a mãe dele pouco falava inglês, e também a mensagem começava com uma cruz, sendo que ela e Houdini sempre foram judeus.
A partir desse episódio, a amizade dos dois desmoronou, e Houdini passou a dedicar sua vida para desmascarar médiuns e diminuir o Espiritismo.
(Fonte: All About History/Reprodução)
Além da psicografia, Doyle também acreditava plenamente na fotografia espírita (arte de capturar fenômenos e aparições de espíritos em imagens), tanto que ele contatou um popular fotógrafo médium britânico, William Hope, na esperança de capturar uma imagem de seu filho que havia morrido de maneira trágica na Primeira Guerra Mundial.
Em Faces of the Living Dead: the Belief in Spirit Photography, de Martyn Jolly, Doyle afirma que era muito provável que a imagem produzida no estúdio do médium — que tinha uma semelhança geral, mas não muito exata com a aparência de seu filho — tivesse sido copiada a partir de alguma imagem existente. No entanto, ainda que tudo indicasse uma fraude, Doyle seguiu acreditando haver algo de espiritual envolvido no processo.
Essa não foi a primeira vez que o escritor se mostrou irredutível em reconhecer que o Espiritismo desencadeou uma “onda” de pessoas charlatãs e métodos criados de má-fé. Quando ele participou de uma sessão privada em 1919 com um detetive e um legista, ele se recusou também a acreditar que tudo havia sido fabricado para testar o quanto as pessoas estavam sujeitas aos truques. Ele afirmou que os artistas envolvidos estavam mentindo para esconder suas habilidades espirituais.
Ao longo de sua vida, Doyle escreveu mais de 1.200 ensaios e artigos de não ficção, muitos deles sobre a doutrina espírita. O fervor de sua crença foi tão grande que ele afirmou que ficaria feliz em desistir de sua carreira literária se em troca mais pessoas acreditassem no Espiritismo.
Como deixou claro no livro A História do Espiritismo, publicado em 1926, Arthur Conan Doyle enxergava o movimento como “o mais importante na história do mundo desde o episódio com Cristo”.