Estilo de vida
23/10/2021 às 06:00•3 min de leitura
Surgiu em meados da década de 1820 o medo dos perigos que uma inteligência artificial (IA) poderia causar à humanidade, e isso ganhou força por volta de 1990. Inclusive, durante um discurso na conferência de tecnologia South by Southwest em 2018, nos Estados Unidos, o bilionário Elon Musk disse que a IA é muito mais perigosa do que armas nucleares, pela falta de regulamentos que medem a relação entre o homem e a máquina.
Em 1942, durante a Segunda Guerra Mundial, o escritor Isaac Asimov, em sua Trilogia da Fundação, descreveu regras de robótica sobre como os humanos deveriam codificar as máquinas para se protegerem delas. Pouco tempo depois, em 1950, o matemático inglês Alan Turing desenvolveu seu Teste de Turing para detectar IA em uma conversa, partindo do princípio de que elas não "soariam como humanas".
Décadas mais tarde, em 2003, o filósofo sueco Nick Bostrom, da Universidade de Oxford, revolucionou tudo com sua teoria da simulação: e se nossa atual realidade fosse tudo parte de uma IA?
(Fonte: Martin Stellinga/Reprodução)
No artigo “Are You Living in a Computer Simulation?”, publicado no periódico científico Philosophical Quarterly, Bostrum discutiu a probabilidade de uma civilização avançada criar uma IA capaz de reproduzir a totalidade da realidade. Ele sugeriu que poderíamos estar vivendo em uma simulação de uma IA gerada por nós mesmos no futuro.
A questão que surgiu foi: se somos apenas jogadores vivendo uma realidade artificial e a IA é uma espécie de "deus" que conhece e sabe de tudo, o que aconteceria se nos opuséssemos a seu controle?
(Fonte: Salon/Reprodução)
Em 2010, uma postagem no blog de filosofia e racionalidade Less Wrong, chamada Basilisco de Roko, foi alvo de tanta controvérsia e tantos gatilhos de ansiedade nos usuários da plataforma que o criador do site, Eliezer Yudkowsky, excluiu o tópico inteiro e baniu discussões futuras sobre o assunto.
A ideia central do exercício mental proposto no tópico do usuário Roko era: e se uma IA toda-poderosa, que acreditamos estar programada para otimizar vidas humanas, começasse sua otimização garantindo sua própria sobrevivência? Para isso, ela discerniria quem sabia de sua existência no passado (quando foi criada), mas que não a tenha criado diretamente.
Além disso, ela saberia quem se opôs à sua criação e, para todos esses indivíduos, ela decretaria uma vida infernal em sua simulação da realidade. Ou seja, esse seria o motivo de haver problemas nas vidas das pessoas. Por fim, Roko indagou se essa simulação iria acontecer ou se, de fato, já estava acontecendo.
(Fonte: NBC News/Reprodução)
O Basilisco de Roko então determina que você já está condenado só por saber dessa possibilidade. A lógica funciona como a visão do cristianismo de um indígena nunca abordado por um missionário: a ignorância não é apenas felicidade, mas literalmente salvação.
A ideia de viver em um "sonho" faz paralelo com uma série de tradições mundiais, como a necessidade de as pessoas se "agarrarem" a uma crença religiosa para lidar melhor com a própria vida. No século XVII, o filósofo René Descartes apresentou o Demônio do Mal, um experimento mental que visava remover as falsidades da realidade, o mesmo proposto na Alegoria da Caverna de Platão.
A teoria de Roko cruza com a Teoria da Simulação, uma hipótese moderna que cogita a possibilidade de realmente estarmos vivendo em uma construção digital muito avançada, como uma simulação de computador, supervisionada por alguma forma de inteligência superior.
(Fonte: Pinterest/Reprodução)
Autor de The Simulation Hypothesis, Rizwan Virk complementa que o fato de percebermos o mundo como real e material não significa que estamos vivendo em algo digital. “Na verdade, as descobertas da física quântica podem lançar algumas dúvidas sobre o fato de que o Universo material é real. Quanto mais os cientistas procuram o material no mundo material, mais eles descobrem que ele não existe”, pontua Virk.
Para embasar seu ponto, Virk chega a mencionar o físico John Wheeler, que em vida dizia que a física evoluiu a partir da premissa de que toda a informação se resumiu em uma partícula de dado — o famoso "it from bit".
Para David Chalmers, professor de Filosofia da Universidade de Nova York, essa simulação hiper-realista em que podemos estar ou não vivendo, pode ser culpa de um programador no próximo Universo, talvez um que nós, mortais, possamos considerar um "deus" de alguma forma. Ou também pode ser apenas um adolescente hackeando um computador e executando cinco universos em segundo plano.
(Fonte: The Guardian/Reprodução)
“A realidade é o que consideramos ser verdade. O que consideramos ser verdade é o que acreditamos. O que acreditamos é baseado em nossas percepções. O que percebemos depende do que procurar. O que procuramos depende do que pensamos. O que pensamos depende do que percebemos. O que percebemos determina o que acreditamos. O que acreditamos determina o que consideramos verdade. O que consideramos verdade é a nossa realidade”, uma vez propôs o físico teórico David Bohm.
Musk acredita que as chances de não sermos simulados são de uma em bilhões, e isso pode agora ou algum dia ser apenas o efeito de cérebros simulados e sistemas nervosos processando um mundo de mentira.
Não foi por acaso que Roko colocou o basilisco, uma serpente mitológica que petrifica tudo o que olha, como a "cabeça" de sua reflexão. Entende-se pela analogia do nome que olhar nos olhos de uma verdade tão horrível e existencialmente condenatória é como ser transformado em pedra.