Ciência
25/11/2021 às 12:00•3 min de leitura
A Letônia é um país em que a introspecção costuma ser destacada como parte da cultura — e mesmo celebrada. Isso se expressa, por exemplo, na literatura do país. Em 2018, uma história em quadrinhos apresentada pela organização Latvian Literature na Feira do Livro de Londres mostrava um sujeito letão que sorria diante de um dia "perfeito" em que chovia muito. A razão? Ele tinha bem menos chances de encontrar alguém na rua.
A HQ, portanto, fazia piada com essa característica da população local e foi acompanhada de uma campanha intitulada #IAMINTROVERT ("Eu sou introvertido"), na qual as pessoas eram encorajadas publicamente a assumirem sua tendência a preferirem ficar isoladas, imersas em seus pensamentos.
Imagem da HQ The Life of I.
O projeto, chamado The Life of I., foi idealizado pela publicitária Anete Konste e buscava retratar com humor esse suposto traço da personalidade dos letões. "Nossa campanha não tem exagero. Na realidade, é até pior", comentou ela.
A grande questão que o projeto sugere é: por que os letões são tão reservados, preferindo o isolamento à convivência com outros? Essas resposta é complexa e há várias hipóteses que tentam explicar se isso é verdade ou não. Estudos mostram que há uma relação entre a solidão e a criatividade — algo que Konste confirma quando observa seus colegas de profissão.
A publicitária Anete Konste.
Há outros dados também importantes. Segundo a Comissão Europeia, a Letônia seria o país europeu com o maior porcentual de trabalhadores em áreas criativas. O fato é que, lá, a introspecção e a criatividade se tornaram um traço identitário e começaram, inclusive, a ser priorizadas nos planos educacional e econômico do governo.
Isso não quer dizer que os letões não costumem enxergar sua introspecção (que se expressa, por exemplo, na falta de hábitos como tomar cafés com outras pessoas, sorrir para estranhos ou conversar no trem) com um olhar autodepreciativo. Mas há elementos do próprio país que podem ajudar a explicar essa tendência.
Philip Birzulis, que é guia turístico na cidade de Riga, diz que notou esse aspecto cultural quando se mudou para o país em 1994. Ele conta que se surpreendeu ao ver que os letões atravessam a rua para evitar contato com pessoas conhecidas. "Percebi que as pessoas deliberadamente evitavam umas às outras e mantinham entre 5 e 10 metros de distância", conta.
Mas há letões que esclarecem que essa característica não significa que sejam antipáticos ou frios. A jornalista Justine Vernera, moradora da cidade de Cesis, afirma: "No país, não manter uma conversa o tempo todo não é rude ou desconfortável. Falar o tempo todo é mais visto como arrogância do que ficar em silêncio às vezes".
Um elemento que ajudaria a explicar esse comportamento dos letões seria a geografia do país, que tem baixa densidade populacional e grandes florestas. Ou seja, as pessoas não costumam cruzar com as outras na vida cotidiana. A arquiteta Evelina Ozona opina: "Simplesmente não estão acostumados a ver muitas pessoas ao redor. É bastante incomum ter de esperar uma mesa no restaurante ou se sentar muito perto de outra pessoa no jantar. Há espaço suficiente no país para manter a distância".
Boa parte da população da Letônia vive isolada em apartamentos.
Ozona acredita que essa introspecção também reflete uma característica da arquitetura das cidades letãs, em que dois terços da população vivem em apartamentos pequenos — e, segundo ela, sonham em viver em casas isoladas.
Mas os psicólogos letões alertam ainda sobre possíveis aspectos nocivos dessa característica cultural; por exemplo, o de não acolherem refugiados que escolhem o país como nova casa. No entanto, Vernera afirma que essa "timidez" também revela a sinceridade do povo. "Quando o estrangeiro conhece um letão e passa um tempo com ele, percebe que somos realmente amigáveis. Não somos uma nação muito teatral, somos geralmente bastante honestos. Não vamos dizer a todos que gostamos deles — então se um letão diz isso, é realmente verdade".