Ciência
10/12/2021 às 13:00•2 min de leitura
Recentemente, a casa de leilões londrina MacDougall's recebeu um lance final de US$ 1,3 milhão (cerca de R$ 7,3 milhões, em conversão direta) por um conjunto raro pertencente à ex-imperatriz russa Catarina, a Grande (1729–1796), da Rússia. Além de incluir uma arte pintada pelo célebre retratista Dmitry Levitsky, o kit revelava uma carta escrita à mão pela monarca que apoiava o ato de vacinação em uma época caracterizada pelo combate a um surto local de varíola.
A carta de Catarina II é datada de 20 de abril de 1787 e contém instruções ao governador-geral e vice-regente de Malorossiya — antiga Pequena Rússia — para tratar a crise sanitária de varíola na província, visto que a responsabilidade foi confiada à autoridade como um dos principais deveres do cargo. A essa altura, a imperatriz, seu futuro marido e o herdeiro do trono, Pavel Petrovich, já estavam imunizados há quase vinte anos, mas a população encontrava uma severa resistência em aderir à iniciativa tomada pela realeza.
(Fonte: Shutterstock)
Nessa época, epidemias de menores proporções eram terrivelmente graves na Europa, especialmente por conta da ausência de medidas adequadas de combate e pela ineficácia parcial da vacina — conhecida como “variolação” —, com inúmeros registros de pessoas morrendo mesmo após estarem completamente imunizadas. Além disso, marcas de reinfecção atingiram todas as classes sociais e o medo se instaurou de forma voraz entre as populações, fazendo com que toda decisão fosse tomada com cautela e desconfiança.
O método de medicação contra a varíola era bastante perigoso, consistindo na identificação de pústulas da doença no corpo e na injeção do material vacinal na corrente sanguínea da mácula. Porém, a imperatriz optou por servir de exemplo para seu povo e estimulou sobre a importância da imunização quando decidiu que tomaria novamente o imunizante, agora ao lado de seu filho mais novo, Paul. O feito foi relatado em uma carta formal escrita ao rei prussiano Frederico, o Grande, em que Catarina II confessou seu sentimento após a administração da substância em seu corpo.
A carta enviada a Frederico renovou o sentimento de esperança da população e inspirou que populações vizinhas iniciassem os procedimentos de vacinação local, amparadas pelo mesmo médico que cuidou da imunização de Catarina II e seu filho, o inglês Thomas Dimsdale (1712-1800), convidado para viajar à capital São Petersburgo para tratar da família real. Logo, seu nome foi recomendado para outros nobres e a iniciativa sanitária foi disseminada como medida confiável e essencial, com dados afirmando que a taxa de redução de mortalidade caiu para 2%, ou seja, 20 vezes menos que a anterior.
Confira abaixo um trecho da carta de Catarina, a Grande.
(Fonte: MacDougall's/Reprodução)
“Desde minha infância, acostumei-me com o horror da varíola, e em uma idade mais madura custava muito esforço aliviar aquele horror… Na primavera passada, quando a doença era galopante aqui, eu costumava correr de casa em casa, sem querer colocar meu filho em perigo ou a mim mesmo. Fiquei tão impressionada com a crueldade de tal situação que considerei uma fraqueza não evitá-la. Fui aconselhada a inocular meu filho com varíola. Eu costumava responder que seria uma vergonha não começar por mim mesma, e como eu poderia introduzir a vacinação contra a varíola sem dar um exemplo pessoal? Comecei a estudar o assunto… Devo permanecer em perigo real, com milhares de pessoas, ao longo da minha vida, ou devo preferir um perigo menor, muito breve, e assim salvar muitas pessoas? Achei que ao escolher este último, estaria selecionando o melhor curso…”