Artes/cultura
14/12/2021 às 09:30•2 min de leitura
No Japão, quando alguém decide desaparecer, vai se refugiar em San'ya, uma área localizada entre os bairros Taito e Arakawa, em Tóquio. Antes de 1966, San’ya era um bairro completo, mas acabou sumindo entre vários bairros para acomodar a população pobre crescente.
O local é considerado uma "terra de ninguém" desde o período Edo, em que trabalhadores muito pobres de castas inferiores viviam em pensões ou casas de aluguéis insalubres. Ainda que o bairro tenha sofrido um processo de gentrificação, que transformou algumas pensões decrépitas das redondezas em hostels para mochileiros do mundo inteiro, a região permanece uma "mancha" na sociedade japonesa.
Conforme uma pesquisa levantada pela Live Japan, cerca de 14 milhões de pessoas vivem espalhadas entre os 23 distritos centrais de Tóquio. Entretanto, o Ministério da Saúde, Trabalho e Bem-Estar do Japão contabilizou 3.824 desabrigados em todo o país, que tem 38 milhões de habitantes, ou seja, um valor que corresponde a apenas 0,00003% da população. Talvez você já saiba onde está a parcela real de desabrigados.
(Fonte: Tokyo Times/Reprodução)
Sim, San'ya se tornou um grande "depósito social", onde o governo "enfiou" aqueles que não tinham mais vaga na estrutura rigorosa de sobrevivência da sociedade japonesa. O bairro é como uma cidade fantasma com vários prédios de tijolos aparentes pichados, que estão ruindo sobre os próprios alicerces em função de anos de falta de reparo. Espremendo-se entre o concreto armado, estão as casas de telhados de metal corrugado devastados pela ferrugem, com caixas de correio repletas de lixo dos proprietários que já se foram.
O comércio no local é resumido em lanchonetes e lojas familiares decadentes espalhadas por toda a extensão de San'ya para alimentar os muito pobres, bêbados, viciados e aqueles que se mudaram para lá com o intuito de desaparecer.
Em 2002, Masaki Yamamoto fundou as Casas da Esperança (Kibo no le em japonês), habitações provisórias para acolher aqueles que enfrentam a morte iminente, como ela disse em entrevista ao Japan Times, bem como os que caíram pelas "fendas da sociedade".
(Fonte: Trek Earth/Reprodução)
Com sua esposa Mie, Yamamoto reúne indivíduos desprezados por serem soropositivo, terem câncer, Parkinson ou que têm algum tipo de transtorno mental — um dos piores problemas de saúde do país.
Como apontou uma matéria de 2019 do The Guardian, a esmagadora maioria das pessoas que vivem sem teto ou que moram em San'ya são mulheres que são diaristas, isso porque "o rolo compressor social" japonês espera que uma pessoa conclua seus estudos e entre para algum cargo de uma entidade corporativa. Qualquer um que não seguir esse padrão social, é considerado automaticamente uma escória da natureza, desprezado por todos ao seu redor, inclusive pelo próprio governo.
(Fonte: Tokyo Times/Reprodução)
Ironia ou não, os que acabaram em San'ya por motivos econômicos são também os responsáveis pela reconstrução da cidade antes da histórica Olimpíadas de 1964, que colocou o Japão no mapa novamente após ter sido bombardeado pelos Estados Unidos em 1945.