Ciência
24/01/2022 às 02:00•3 min de leitura
Há mais de duas décadas, a cada janeiro, boa parte dos brasileiros fica diante da televisão para assistir a anônimos que, basicamente, compartilham sua intimidade. Falamos, claro, do programa Big Brother Brasil, reality show criado pela empresa holandesa Endemol que se baseia na exposição da convivência de pessoas anônimas e, mais recentemente, de famosos.
Independentemente da opinião que se tenha sobre esse tipo de programa, a verdade é que os brasileiros adoram reality shows. Para se ter uma ideia, o Brasil é um dos países em que o formato do Big Brother foi mais bem-sucedido. Na estreia do BBB 22, a Globo registrou 28 pontos de audiência em São Paulo e 30 pontos no Rio de Janeiro. São números muito expressivos para um programa exibido há tanto tempo e com uma fórmula tão simples.
Mas o sucesso do Big Brother Brasil diz mais a respeito do brasileiro do que pode parecer. Por isso, discutiremos aqui a questão: por que gostamos tanto de reality shows?
(Fonte: Record)
Programas reality shows se sustentam em uma premissa básica: não são produtos de ficção, não criam um universo imaginado — típico, por exemplo, das novelas. Os personagens desse tipo de programa são pessoas que “representam a si mesmas”, ou seja, estão lá com seu nome real e sua história.
Mas o mais essencial desses programas é que eles prometem captar coisas que outros programas não conseguem: as interações “não ensaiadas”, como se as pessoas que participam neles estivessem sendo filmadas em suas casas, ou em lugares em que estão relaxadas, e não diante de uma emissora de TV. Não por acaso, em programas como BBB, os participantes ficam meses confinados — a ideia é que eles cansem dos “papéis” que gostariam de representar para o público e comecem a se mostrar como realmente são.
(Fonte: SBT)
Se você é jovem, possivelmente não acompanhou os reality shows mais antigos que estrearam no Brasil no início dos anos 2000. O primeiro programa nacional neste estilo se chamava Vinte e poucos anos, e era uma produção da MTV Brasil — uma versão tupiniquim do reality show The Real World, da MTV americana. 2000 também foi o ano em que a Globo lançou No Limite, competição de provas de resistência — que também era uma franquia do programa Survivor.
A estreia dos reality shows de convivência também foi marcada por uma disputa. A Globo havia comprado os direitos da franquia Big Brother, mas o SBT estreou um programa com a mesma lógica, chamado Casa dos Artistas, em 2001 — antes que a Globo estreasse sua nova atração. O resultado foi que a Globo processou a rival e conseguiu a suspensão temporária do reality show do SBT. Mesmo assim, o programa foi até o fim e teve novas temporadas até 2004.
Desde então, muitos outros reality shows foram criados pelas emissoras. Dentre eles, destacam-se A Fazenda e Power Couple Brasil, da Record; os reality shows culinários, como MasterChef Brasil, da Band, Mestres do Sabor, na Globo, e Bake Off Brasil, no SBT, além de outras atrações menos conhecidas.
(Fonte: Band)
Mesmo com essa tradição, para muita gente, ainda resta a dúvida: por que os brasileiros continuam gostando tanto de reality shows? As possíveis respostas a essa pergunta são várias. O fenômeno, aliás, já foi estudado por muitos pesquisadores, por diferentes óticas.
"Tudo que envolve o processo de produção de um reality show é pensado para satisfazer as necessidades e desejos do consumidor", comentou a professora Mariana Munis, da Universidade Presbiteriana Mackenzie, em entrevista à BBC. "As provas precisam ser emocionantes, os participantes devem ser pessoas muito diferentes entre si para causar conflito e até mesmo o tempo de duração do programa é planejada para que haja uma história envolvente, com começo, meio e fim".
Já o professor Elmo Francfort, da Universidade Anhembi Morumbi, enxerga proximidade deste tipo de programa com o consumo feito das novelas. "Os realities conservam um elemento que era central aos folhetins e que também foi herdado pelas novelas que é a imprevisibilidade. Os brasileiros foram fisgados pelos sentimentos de curiosidade e antecipação despertados por esse gênero e adoram torcer pelos personagens, sejam eles fictícios ou reais", explicou à BBC.
Vale dizer também que o aspecto "conversação" é um dos grandes trunfos da edição brasileira — isto porque o programa se estende para além da televisão e vira tema de conversas cotidianas entre as pessoas. Não é possível desconsiderar que o fator de crise financeira tenha influência, pois há uma vasta camada da população que não tem dinheiro para outros tipos de entretenimento para além da TV aberta.
"A crise econômica, o desemprego e o ainda limitado acesso de parte da população à banda larga de qualidade explicam essa situação. Diante de um mercado de TV por assinatura em declínio, perdendo espaço para plataformas de streaming, quem dita as conversas ainda é a TV aberta", escreveu Maurício Stycer na Folha de São Paulo.