Ciência
20/01/2023 às 13:00•3 min de leitura
Durante os períodos da Primeira e da Segunda Guerra Mundial, o governo norte-americano contou muito com a ajuda de criptoanalistas para desvendar cifras secretas de seus inimigos. Porém, enquanto alguns homens se tornaram famosos por seus esforços, o trabalho de Elizebeth Smith Friedman permaneceu incógnito por muito tempo.
Como uma verdadeira arma secreta, ela se tornou uma das principais profissionais de criptoanálise durante a Primeira Guerra, decifrando depois mais de 12 mil códigos de contrabandistas nos anos da Lei Seca, e ainda ajudando a evitar uma conspiração nazista para iniciar golpes na América do Sul, conquistas que a levaram a ser considerada a "mãe da criptologia".
(Fonte: Wikimedia Commons/Domínio Público/Reprodução)
Nascida em 1892, Elizebeth sempre nutriu um amor pelas palavras, gostando de ler e escrever desde pequena, e optando pela graduação em Literatura Inglesa na faculdade, mesmo contra a vontade do pai.
De forma inusitada, foi uma visita à Biblioteca Newberry, em Chicago, para examinar uma edição original dos Primeiros Fólios de Shakespeare de 1623 que a colocou no caminho de sua futura carreira, quando o bibliotecário recomendou que entrasse em contato com George Fabyan, um milionário determinado a usar a quebra de códigos para confirmar que os trabalhos do autor, na verdade, haviam sido escritos por Sir Francis Bacon.
Foi então que Friedman passou a trabalhar para Fabyan nos Laboratórios Riverbank, aprendendo a decifrar códigos e conhecendo seu marido, William, com a atração entre os dois surgindo pelo amor à tarefa e o desdém pelos superiores que viam padrões onde não existiam.
(Fonte: The George C. Marshall Foundation/Reprodução)
Com o início da Primeira Guerra, George Fabyan ofereceu seu time de criptoanalistas para o Departamento de Guerra, pois na época, esses profissionais eram raros nos EUA, e Elizebeth e seu marido estavam entre eles.
“Tão pouco era conhecido neste país sobre códigos e cifras, que quando os Estados Unidos entraram na Primeira Guerra Mundial, nós mesmos tínhamos que ser os alunos, os trabalhadores e os professores ao mesmo tempo”, contou Friedman em um livro de memórias não publicado e revelado pela revista Smithsonian.
Neste período tão conturbado, o casal trabalhou por quase quatro anos no único laboratório criptológico existente da nação, sendo os responsáveis por desvendar todos os códigos no país durante os primeiros oito meses do conflito, provando suas habilidades na área e desenvolvendo metodologias empregadas até hoje.
(Fonte: The George C. Marshall Foundation/Reprodução)
Após o fim da guerra, os dois estavam residindo em Washington, a capital dos Estados Unidos, com William assumindo um cargo no Corpo de Sinalização da Reserva do Exército e Elizebeth entrando para a Guarda Costeira, que era parte do Departamento do Tesouro na época.
O trabalho de Friedman envolvia lidar com o novo problema do país, decifrar os códigos utilizados pelos contrabandistas de álcool durante o período da Lei Seca.
“As agências de aplicação da lei do governo tinham tanta vontade de [fazer cumprir a Lei Seca] do que o público que amava sua bebida. Mas os funcionários do governo, que com pequenas exceções eram pelo menos honestos, não tiveram escolha a não ser seguir os caminhos rígidos e tortuosos de tentar derrotar as operações das gangues criminosas que estavam tão empenhadas em lucrar com o público”, escreveu a criptoanalista em seu livro.
Porém, após lidar com códigos de um conflito em escala mundial, investigar criminosos se provou uma tarefa muito simples para Elizebeth, com seus esforços resultando na solução de 12 mil criptografias e 650 processos criminais, dos quais ela foi testemunha 33 vezes.
"A Senhora Friedman causou uma impressão incomum. Sua descrição da arte de decifrar e decodificar estabeleceu nas mentes de todos sua inteira competência para testemunhar", afirmou o coronel Amos W. Woodcock, assistente especial do procurador-geral, sobre um dos testemunhos da especialista, segundo a revista Smithsonian.
(Fonte: The George C. Marshall Foundation/Reprodução)
Com tantos feitos incríveis em seu currículo, as conquistas mais impressionantes de Friedman ocorreram durante a Segunda Guerra Mundial, mesmo com todas as frustrações envolvidas.
Em 1941, a Marinha assumiu a Guarda Costeira, e decidiu rebaixar Elizebeth pelo simples fato de ser mulher, colocando-a para decifrar códigos de espiões nazistas na América do Sul, quando seu verdadeiro desejo era trabalhar com os mais complexos utilizados pelo Japão e Alemanha.
J. Edgar Hoover (Fonte: Wikimedia Commons/Domínio Público/Reprodução)
Mas isso não a impediu de realizar seu trabalho com maestria, espionando a rede que tentava encorajar golpes no continente para desestabilizá-lo, e conseguindo ótimos resultados mesmo quando J. Edgar Hoover, o diretor do FBI, complicou a situação ao lançar prematuramente um ataque na América do Sul, alertando os inimigos sobre a operação de inteligência na área.
Ainda assim, os talentos de Friedman prevaleceram, com o Instituto Naval dos EUA afirmando ela conseguiu decifrar 4 mil mensagens digitadas, dominar 48 comunicações de rádio e quebrar três códigos Enigma, e apesar de os nazistas terem mudado suas cifras após o ataque de Hoover, a criptocristalista e sua equipe conseguiram desvendar os novos códigos.
(Fonte: Wikimedia Commons/Daderot/Reprodução)
Contudo, suas habilidades excepcionais não receberam reconhecimento na época por ser mulher, com Hoover e Leonard T. Jones - Tenente Comandante da Guarda Costeira treinado por Elizebeth - levando os créditos por grande parte do trabalho.
Enquanto seu marido recebia o Prêmio de Serviço Excepcional com Coroa de Ouro pelo que Friedman afirmou ser "um emprego rotineiro", a criptoanalista teve que fazer um juramento da Marinha para não revelar detalhes de seu trabalho durante sua vida, o que ela levou a sério até seu falecimento, em 1980.
Porém, em 2008, muitos dos arquivos sobre Elizebeth deixaram de ser confidenciais, revelando todas as conquistas incríveis durante sua carreira. Atualmente, ela é reconhecida como uma das criptoanalistas mais influentes da história norte-americana, recebendo a alcunha de "mãe da criptologia" por seu papel na área e ganhando o reconhecimento merecido, mas que, infelizmente, só veio décadas após sua morte.