Ciência
22/03/2023 às 04:00•3 min de leitura
Victor Noir não era um santo, tampouco algum tipo de místico cujos feitos em vida tinham alguma associação com sensualidade ou sexualidade. E ele também estava bem longe de ser um garanhão ou sex symbol de seu tempo.
Noir era apenas um homem comum, um jornalista do século XIX que acabou pagando o preço por ter uma opinião muito forte e ousada em um dos períodos mais repressores da França: quando as políticas de Napoleão III eram vigentes.
Mas o que fez o túmulo de Victor Noir ser abusado ao longo dos anos?
Victor Noir. (Fonte: Wikipedia/Reprodução)
Nascido em 29 de julho de 1848, em Paris, na França, Noir se tornou um jornalista e ficou conhecido por fazer um trabalho franco e contencioso, que falava diretamente e de maneira crua sobre política, corrupção e abuso de poder — tudo o que definia o governo repressivo e injusto de Napoleão III.
Geralmente, o jornalista criticava a classe dominante e abria diálogos provocativos que, para o governo, incitava a revolta que já ardia na mente do povo. Apesar do perigo que isso oferecia, Noir não parou de utilizar suas palavras em nenhum momento, nem mesmo diante das ameaças.
Até que em 1870, o caldo entornou depois que Noir escreveu um artigo de cunho mais pessoal, denunciando o caso tórrido de amor entre um amigo próximo e a esposa de um político poderoso, aliado a Napoleão III. Esse momento foi um divisor de águas na vida do jornalista.
Napoleão III. (Fonte: Versailles/Reprodução)
Não é para menos que, diante da repercussão do ensaio, o jornalista foi convocado para um desafio de luta – uma prática comum para resolver os impasses entre o poderio masculino da época. Em 10 de janeiro daquele ano, Noir e o político se encontraram para um duelo, do qual o jornalista saiu com um ferimento de bala mortal, morrendo ainda no local do embate.
Sua morte causou indignação e comoção pelo mundo, colocando Noir como símbolo de resistência contra o governo e reinado tirânico de Napoleão III. Victor Noir foi enterrado em uma vila no interior da França antes de ser transferido para o Cemitério Père Lachaise, em Paris, que se tornou um local popular de peregrinação para os visitantes.
Nos anos seguintes, o jornalista já havia se tornado uma espécie de mártir contra a opressão e injustiça. No final do século XIX, seu mausoléu se tornou ponto de encontro de rebeldes, onde reuniões de células revolucionárias eram feitas.
(Fonte: Litera/Reprodução)
Aqui é a parte em que os legados de Noir se confundem. Hoje, o túmulo do jornalista se tornou popular não por representar uma voz em meio aos oprimidos no século XIX, mas porque muitas pessoas se esfregam em sua estátua na crença de que o túmulo pode realizar desejos de fertilidade.
A escultura de bronze foi criada por Jules Dalou, um renomado artista francês, quando o cadáver do jornalista foi transportado para o Cemitério Père Lachaise, em 1891, após a fundação da Terceira República Francesa. Não se sabe ao certo quando Noir se tornou um símbolo de fertilidade e satisfação sexual, apenas que isso se deve por Dalou ter optado por dar à estátua uma protuberância significativa em suas calças.
Os anos foram aumentando a lenda de que se uma mulher beijar a estátua de Noir na boca, se esfregar na protuberância em sua virilha e colocar uma flor ao seu lado, terá mais fertilidade e uma vida sexual maravilhosa. Se quiser engravidar, no entanto, é necessário tocar apenas o pé direito da estátua; e se o desejo é ter gêmeos, tocar no pé esquerdo. O mito ainda diz que tudo pode se realizar em até um ano.
(Fonte: Segredos de Paris/Reprodução)
E o desgaste nos lábios, nos sapatos e na virilha da estátua mostram que existem pessoas que levam essa ideia muito a sério. Devido a esse assédio, uma cerca foi erguida em 2004 com o aviso: “Qualquer dano causado por grafite ou fricção inapropriada resultará em penalidades”. Isso apenas serviu para enfurecer as mulheres, que demoliram a cerca.
O local também se tornou uma espécie de santuário, visto que as mulheres que alcançaram seus desejos voltam ao cemitério para expressar sua gratidão, colocando fotos de seus filhos e outros objetos ao redor do túmulo.