Ciência
27/03/2023 às 10:08•3 min de leitura
Durante a Segunda Guerra Mundial, a Alemanha nazista foi palco de um dos conflitos mais destrutivos da história da humanidade, recebendo diversos bombardeios dos Aliados que deixaram em ruínas milhares de construções em 62 cidades.
Quando o confronto finalmente acabou, o país estava completamente arrasado, repleto de casas destruídas e estruturas — como pontes e estradas — devastadas, e o pior de tudo: sem a mão de obra necessária para o trabalho de reconstrução, afinal 15 milhões de homens haviam sido mortos ou capturados pelos inimigos.
Foi então que surgiram as Trümmerfrauen, termo em alemão que pode ser traduzido literalmente para "mulheres dos escombros", uma referência direta ao trabalho feito por aquelas que eram contratadas ou até mesmo obrigadas a auxiliar a reerguer a nação em colapso.
(Fonte: Deutsche Fotothek/Wikimedia Commons/Reprodução)
Durante a Segunda Guerra, o recolhimento de escombros após bombardeios era realizado por indivíduos encarcerados nos campos de concentração, mas com a rendição dos nazistas, os Aliados ocupando a Alemanha passaram a recrutar mulheres de 15 a 50 anos para assumir esse papel, removendo em 1946 até mesmo medidas trabalhistas restritivas que as protegiam.
No começo, a organização era precária e ineficiente, e as trabalhadoras tinham que realizar suas tarefas sem ajuda de maquinários e, em alguns casos, sem itens importantes, como luvas para proteger suas mãos. O trabalho era árduo, e envolveu a remoção de 500 milhões de metros cúbicos de detritos, uma quantidade que poderia ser utilizada para firmar 150 pirâmides de Gizé, além da limpeza das vias e até a reconstrução completa de edifícios.
(Fonte: Deutsche Fotothek/Wikimedia Commons/Reprodução)
"Lembro que você podia caminhar pela rua Hohe Strasse praticamente em uma massa de rochas tão alta quanto um primeiro andar. Fui posicionada no distrito de Ehrenfeld e tive que carregar escombros com uma pá para pequenos vagões o dia todo. Os destroços eram então colocados em caminhões e levados embora", explicou Käthe Lindlar, que serviu como uma mulher dos escombros na região de Colônia.
Porém, ao contrário do que se imagina, a motivação dessas trabalhadoras não estava ligada a um sentimento de patriotismo ou obrigação. O serviço era árduo e mal remunerado, mas elas o aceitaram devido a uma das necessidades mais básicas de qualquer humano: a fome.
(Fonte: Arquivos Federais Alemães/Wikimedia Commons/Reprodução)
Com uma situação tão precária na qual todos estavam batalhando para sobreviver, o alimento era extremamente racionado, com pessoas passando horas na fila para conseguir um pouco de pão e manteiga, correndo ainda o risco de acabar sem nada. Em um ambiente como esse, aqueles que realizassem tarefas mais extenuantes recebiam mais bilhetes de rações, então, para muitas, era uma simples questão de necessidade.
Contudo, nem todas estavam preocupadas com seu sustento, com algumas mulheres dos escombros sendo antigas funcionárias do partido nazista obrigadas pelos Aliados ao trabalho forçado, e outras eram estudantes que não poderiam se inscrever na universidade sem antes cumprir um papel na reconstrução do país.
Depois de um tempo, empresas passaram a ser contratadas para cuidar da limpeza dos escombros, com muitas das mulheres que trabalharam na primeira parte dessa árdua empreitada sendo contratadas para continuar o processo.
(Fonte: Arquivos Federais Alemães/Wikimedia Commons/Reprodução)
Com a necessidade de cuidar de sua família e filhos, e o trabalho reconstruindo as cidades bombardeadas, as alemãs passaram a se tornar mais independentes e autoconfiantes, o que foi um problema para os homens que puderam finalmente voltar para casa no pós-guerra, pois muitas de suas companheiras já não se encaixavam na imagem tradicional de dona do lar.
Isso levou a um aumento de duas a três vezes na taxa de divórcios no final da década de 1940, porque vários maridos não conseguiam aceitar essa mudança radical no comportamento de suas esposas.
(Fonte: Deutsche Fotothek/Wikimedia Commons/Reprodução)
Esse conflito de valores juntamente com o cansaço das árduas tarefas levaram diversas simplesmente a desistir da função e voltar ao seu papel tradicional.
"Muitas mulheres certamente não tinham força e energia para lidar com os homens e lutar de outra forma para se afirmarem. É assim que eu explicaria o fato de parte dessas mulheres autoconfiantes mais uma vez terem atendido aos desejos de seus maridos, porque os tempos eram difíceis e elas queriam acabar com esses tempos difíceis", explicou Bettina Bab, historiadora especializada na história das mulheres no pós-guerra.
(Fonte: Deutsche Fotothek/Wikimedia Commons/Reprodução)
As mulheres dos escombros se tornaram um símbolo de heroísmo na Alemanha, com diversas estátuas erguidas em cidades nas quais elas auxiliaram na reconstrução.
"Colônia como a conhecemos hoje não teria sido possível sem as Trümmerfrauen. Foi realmente uma conquista inacreditável", disse Josef Müller, um dos prefeitos de Colônia, que também era filho de uma dessas trabalhadoras.
Mas para alguns estudiosos, incluindo a historiadora Leonie Trebe, a realidade das Trümmerfrauen foi ampliada como uma campanha de mídia do governo. Mesmo reconhecendo o papel importante que elas desempenharam, eles acreditam que a história se tornou mais elaborada para trazer um sentimento de heroísmo.
"Em Berlim, cerca de 60 mil mulheres participaram da retirada dos escombros. Esta é apenas uma parte do total de mulheres que moravam no local naquela época. Embora seja verdade que muitos homens haviam morrido e outros estavam presos, a realidade é que, na Alemanha, muitos também participaram dessa reconstrução. O Conselho Aliado contratou empresas dirigidas por homens para fazer esse trabalho", explicou Trebe.
Estátua em Desdren em homenagem às mulheres dos escombros. (Fonte: Getty Images/Reprodução)
Aumentada ou não, a história dessas trabalhadoras é um exemplo de como as mulheres tiveram um papel importante na reconstrução da Europa após a Segunda Guerra Mundial, merecendo todo o reconhecimento pelo trabalho árduo para sobreviver a tempos assustadores e reconstruir uma nação.