Ciência
18/06/2023 às 07:00•3 min de leitura
A pornochanchada foi um gênero cinematográfico essencialmente brasileiro que fez um enorme sucesso de público na década de 1970. O termo (que foi dado pelos críticos, e não pelos diretores dos filmes) remete a uma junção entre pornô (pois eram filmes repletos de erotismo e imagens de mulheres nuas) e chanchada (gênero que se sustenta em um humor ingênuo e popular).
Esses filmes passaram a ser criados por uma série de razões, como o baixo orçamento exigido nas produções, a influência das comédias italianas e a liberação de costumes que começava a se manifestar a partir da década de 1960. Tudo isso deu margem para que muitos realizadores (incluindo aqui produtores, diretores e atores) se aventurassem nesse tipo de filme.
O resultado foi que, na década de 1970, uma grande parte dos filmes com maior bilheteria no cinema nacional era formada por pornochanchadas. E isso comentou a incomodar muita gente.
(Fonte: Arte Cines/Reprodução)
No fim dos anos 1960, muitos diretores e atores começaram a ver que era possível ganhar dinheiro explorando esse nicho. Dentre as obras consideradas principais do gênero estão filmes como A dama da lotação (1978), de Neville d'Almeida, com Sonia Braga e Nuno Leal Maia; A viúva virgem (1972), de Pedro Carlos Rovai; Os paqueras (1969), de Reginaldo Faria; e Os Sete Gatinhos (1980), também de Neville d'Almeida.
A produção intensa desses filmes levou à ascensão do que se chamou de Boca do Lixo, uma região informal localizada no centro de São Paulo que abrigou um reduto de produtoras cinematográficas. Lá, muitos cineastas independentes, que não tinham apoio governamental, começaram a produzir suas obras.
Uma curiosidade é que, antes de receber os diretores brasileiros de pornochanchadas, a mesma região (próxima à estação Luz, em São Paulo) comportou produtoras internacionais como Paramount, Fox e Columbia. Estas empresas se instalaram no bairro por conta da proximidade com as ferrovias e rodoviárias através das quais os filmes eram transportados.
Vera Fischer em A Super Fêmea, de 1973. (Fonte: Cinedistri/Reprodução)
Um aspecto que deixa muita gente curiosa é esse: como a pornochanchada pode existir em um período histórico de ditadura, em que havia uma forte censura sobre as produções culturais e jornalísticas? E o fato é que não foram poucas as críticas que incidiram sobre esses filmes à época. As pessoas vinculadas à esquerda achavam que elas eram obras alienantes e, por isso mesmo, favoráveis ao contexto político, já que manteriam as pessoas desinformadas. Já os conservadores caíam em cima do teor sexual das histórias e das cenas.
Por outro lado, há muitos pesquisadores que afirmam que o gênero usava o erotismo para tratar questões políticas e sociais da época. Tendo se tornado extremamente popular (a ponto de levarem milhões de brasileiros aos cinemas), as pornochanchadas teriam carregado para a opinião pública, sob a superfície de uma história leve e sexual, temas como racismo, violência, homofobia, e até apresentava assuntos que eram relativamente novos à população, como o divórcio e o aborto.
Para completar, algumas pornochanchadas carregavam até críticas ao próprio regime militar, que acabam passando pela censura. Um exemplo disso seria o filme Agora, José? – A Tortura do Sexo, produzido por Ody Fraga em 1979, que fala da perseguição dos militantes e exibe uma cena de tortura.
Para a crítica de cinema Sheila Schvarzman, é preciso assumir um olhar desmoralizante sobre essa produção brasileira. "Esse novo olhar sobre a pornochanchada é muito importante porque nos faz refletir sobre as leituras que fazemos dos filmes atuais, ou seja, do nosso próprio tempo histórico. A verdade é que ainda há um enorme preconceito com o cinema popular, sempre associado à alienação", afirmou em entrevista concedida ao Memórias Reveladas, do Ministério da Justiça.
(Fonte: Cinedistri/Reprodução)
Da mesma forma que subiu rapidamente, a pornochanchada também caiu em crise e praticamente acabou logo na entrada dos anos 1980. A decadência do gênero também teve várias origens, como um certo cansaço do público sobre esses filmes e a crise econômica que o Brasil enfrentava.
Mas há ainda um fator bastante relevante que explica este fim: a entrada da pornografia americana no mercado brasileiro, com filmes muito mais "pesados" (entenda-se aqui: com sexo explícito) do que as cômicas pornochanchadas.
Embora seja até hoje um gênero relegado do cinema nacional, o fato é que essa linguagem tipicamente brasileira é capaz de fazer um retrato histórico de certa época do país.