Ciência
07/07/2023 às 13:00•2 min de leitura
Na língua portuguesa, a gente sempre se refere aos navios no masculino. O navio, o Titanic, o Icon of the Seas. Afinal, as palavras no nosso idioma sempre tem algum gênero, mesmo que as coisas às quais elas se referem não tenham gênero.
Um navio é uma coisa, logo não pode ser masculino ou feminino. Mesmo assim, a palavra que se refere a essa coisa continua sendo masculina pelas regras do nosso idioma.
Essa é uma situação muito diferente do inglês, onde as coisas não costumam ter gênero. The book (o livro), the bottle (a garrafa) ou the car (o carro) sempre aparecem em frases com artigos e pronomes neutros. Eles não são nem he (ele), nem she (ela), mas sim it.
Uma das poucas exceções são os navios. Apesar de serem uma coisa — it —, virou tradição se referir a eles no feminino. Por exemplo: em artigos sobre o Titanic você provavelmente vai ver a explicação de que o acidente ocorreu during her maiden voyage (durante a viagem inaugural dela). Her é um pronome objeto feminino da língua inglesa.
Mas por que isso acontece, afinal de contas?
Fonte: GettyImages
Existem algumas hipóteses um tanto misóginas para esse costume de se referir aos navios no feminino, em inglês. Há quem diga que isso acontece porque "navios são imprevisíveis, como as mulheres" ou que "navios precisam de um homem para controlá-los". Porém, ainda que essa tradição tenha nascido com homens, essa não é a justificativa.
Na verdade, acredita-se que o costume tenha nascido por uma combinação de fatores. Para começar, ela surgiu em uma época onde apenas os homens se lançavam ao mar nos navios, buscando desbravar o mundo. Como esses homens passavam muito tempo nos navios, eles acabavam criando uma relação quase sentimental com eles. Pela lógica heteronormativa da época, o objeto desse afeto seria uma figura feminina.
Também contribui para isso o fato de que muitos navios eram, de fato, batizados com nomes de mulheres. Além disso, pela tradição religiosa, os marinheiros recorriam a figuras femininas em busca de proteção. Cristovão Colombo, por exemplo, batizou um de seus barcos de Santa Maria, em referência à mãe de Jesus.
Nesse sentido, a tradição também pode ser associada ao costume de se referir à Terra ou à Natureza como figuras maternas, mesmo em inglês: Mother Nature.
Por fim, também é possível que o latim tenha influenciado nesse costume. Navis, a palavra em latim para navio, era feminina — mas essa já é uma hipótese menos provável. Por outro lado, o famoso couraçado alemão Bismarck era chamado por seu capitão no masculino pois, para ele, era uma embarcação muito forte. Como se mulheres não fossem fortes, né?
Dito isso, o costume de se referir aos navios no feminino está começando a ser questionado em muitos países e instituições. Tanto porque nem faz sentido na língua inglesa, quanto pelas ideias sexistas que esse costume pode suscitar.
O Lloyd's Register of Shipping, uma famosa publicação da indústria naval, passou a se referir aos navios com o pronome neutro it, a partir de 2022. Na maioria dos textos e reportagens de outras fontes que lemos, ainda é comum encontrar os pronomes she/her — mas se uma das maiores publicações da indústria mudou isso, pode ser que outras entidades a sigam.